Profecia é história

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Profecia é história / 14 – Em todo o caminho há uma desmoralizante “etapa do junípero” que se pode superar

por Luigino Bruni

publicado em Avvenire em 08/09/2019

«O perigo de toda a sociedade humana é a unanimidade. Percebeu isso, no antigo Israel, o Sinédrio, que não permitia que fosse executada a condenação à morte votada por todos os membros. Ao Sinédrio parecia impossível que um voto unanime fosse humano, isto é, ponderado e racional»

Paolo De Benedetti, A Morte de Moisés

Elias, no Horeb, diz-nos que, nas depressões espirituais, conseguimos reconhecer Deus e ressurgir, se Ele é capaz de baixar a voz, se sabe tornar-se brisa suave.

As crises, os cansaços, as depressões não são todas iguais. A Bíblia diz-nos que existem também as depressões espirituais, não raras, na vida dos profetas. Estas chegam, geralmente, na fase adulta da vida, às pessoas que receberam um chamamento e uma missão. A depressão espiritual deve ser distinguida da depressão psíquica, coisa difícil, porque os sinais são parecidos. A história de Elias mostra-nos uma gramática para reconhecer estas depressões e para, porventura, procurar superá-las.

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«Acab contou a Jezabel quanto Elias tinha feito, e como ele passara a fio de espada todos os profetas» (1Rs 19, 1). Apesar da grande teofania do Monte Carmelo, o rei Acab permanece ambivalente e não se mostra totalmente convertido a YHWH. É difícil que as conversões verdadeiras do coração derivem de acontecimentos espetaculares e da violência. A rainha, a exterminadora dos profetas de YHWH, continua a sua guerra: «Jezabel mandou um mensageiro a Elias, para lhe dizer: “Que os deuses me tratem com o maior rigor, se amanhã, a esta mesma hora, não fizer da tua vida o mesmo que tu fizeste da vida deles”» (19, 2).

O horizonte do céu de Elias tolda-se: «Elias teve medo e saiu dali para salvar a sua vida» (19, 3). Desta vez, Elias parte, não pela voz de Deus, mas pela voz de Jezabel. Elias não teve medo de enfrentar, sozinho, os quatrocentos e cinquenta profetas de Baal, mas, agora, está aterrorizado com esta ameaça. E foge. O texto faz-nos entrar na alma de Elias: «Andou pelo deserto um dia de caminho; sentou-se à sombra de um junípero e pediu a morte para si: “Basta, Senhor, disse ele; tira-me a vida, pois não sou melhor do que meus pais”. Deitou-se por terra e adormeceu à sombra do junípero» (19, 3-5).

A ameaça de Jezabel provoca, em Elias, uma verdadeira depressão espiritual. Elias deseja morrer. Embora tenha regressado de uma estrondosa vitória pública – derrotou e matou, sozinho, todos os profetas de Baal. Agora, aqueles sucessos não contam para nada. Fica só o medo e o desejo de se retirar para o deserto e, ali, morrer.
Nesta fuga, à procura da morte, revemos Moisés, Jeremias, Job, Jonas e a sua árvore de rícino, Francisco e muitos profetas, de ontem e de hoje, que, no auge da sua história espiritual, atravessam a “etapa do junípero” – como não pensar nos imensos versículos do canto de Giacomo Leopardi?: «O perfumado junípero, prazer dos desertos». Elias pede para morrer e, em contrapartida, Deus manda-lhe uma outra mensagem: «Eis, porém, que um anjo o tocou, dizendo: “Levanta-te e come”. Olhou, e viu à sua cabeceira um pão cozido sob a cinza e um copo de água» (19, 5-6). O anjo tocou-o.

Em determinadas provações, a voz não basta: é preciso que um anjo toque a carne e nos acorde de empurrão. Nestes sonos profundos, o sentido do ouvido é insuficiente, O anjo tem de atingir o corpo, a humanidade toda.

Deus manda-lhe pão e água. A necessidade primária é satisfeita. Mas Elias, depois de ter comido, «tornou a dormir» (19, 6). Nestas depressões, não é suficiente comer e beber para retomar o caminho. Aqui, morre-se, mesmo saciados e dessedentados. Para deixar a sombra de morte do junípero é preciso alguma coisa de diferente: «Mais uma vez o tocou o anjo do Senhor, dizendo-lhe: “Levanta-te e come, pois tens ainda um longo caminho a percorrer”. Elias levantou-se, comeu e bebeu; reconfortado com aquela comida, andou quarenta dias e quarenta noites, até chegar ao Horeb, o monte de Deus» (19, 7-8). Volta o anjo e toca-o uma segunda vez. Agora, porém, não lhe diz, simplesmente, “come”; diz-lhe para comer, em vista a um caminho e nomeia um nome que é uma mensagem: o monte Horeb.
Para sair destas depressões espirituais, é preciso um novo caminho, um novo sentido, uma direção. O anjo faz-lhe compreender que aquele alimento não era para sobreviver, mas era para caminhar. O profeta revive, encontrando o caminho, quando vê, na linha do horizonte, um monte a alcançar, no fim do caminho. Os profetas não se curam com pão e água. Podemos enchê-los de alimento, mas permanecem doentes enquanto não se abre, diante deles, um novo percurso.

Chegado ao Horeb, o monte de Moisés e da Aliança, compreendemos melhor o cansaço profético de Elias: «Elias passou a noite numa caverna, onde lhe foi dirigida a palavra de YHWH: “Que fazes aqui, Elias?” Ele respondeu: “Estou a arder de zelo por YHWH, o Deus do universo, porque os filhos de Israel abandonaram a tua aliança, derrubaram os teus altares e assassinaram os teus profetas. Só eu escapei; mas também a mim me querem matar!”» (19, 9-10). Deus e Elias dialogam. Sempre me surpreendem os diálogos entre Deus e os homens que encontramos na Bíblia. A palavra, tornada carne, gerou, na Europa e no mundo, poesia, arte, liberdade, democracia, que é o louvor da não-unanimidade, porque aquela palavra incarnada era já um diálogo, porque aquele logos era dia-logos.

YHWH, no diálogo, diz: Que fazes aqui, Elias? Uma pergunta estranha, dado que foi um seu anjo a pedir a Elias para ir ao Monte Horeb. Elias chega e, ali, Deus pergunta-lhe: que fazes aqui? Na vida dos profetas, estas perguntas estranhas são muito frequentes. Recebe-se uma nova ordem, obedece-se, parte-se, chega-se e, uma vez chegado, ouve-se dizer de quem o chamou: que fazes aqui? Perguntas sempre imprevistas e tremendas que, frequentemente, ampliam a prova espiritual.

E resposta de Elias diz-nos, claramente, que a sua depressão dependia da solidão em que se veio a encontrar (“fiquei sozinho”). Mas a solidão pode ser apenas uma razão das crises profundas dos profetas, mas nunca é a primeira razão – os profetas sabem conviver com muitas solidões, são um seu ambiente espiritual coessencial como o comunitário. As razões mais radicais são outras. Elias sofre por ver negada e apagada no povo a fé no seu Deus. Usa o mesmo verbo que a Bíblia usa, geralmente, para Deus – “estou cioso de ciúme” por YHWH. Elias está deprimido porque o Deus que o chamou é profanado, mas também porque foram mortos os seus profetas – existe uma grande solidariedade entre os profetas: quando um profeta é morto, todos os profetas morrem nele.

Estas razões juntam-se à primeira causa de sofrimento, talvez a mais lancinante e inefável, que Elias tinha pronunciado na sua primeira resposta no diálogo com Deus: «Eu não sou melhor do que meus pais». Aqui, entramos no coração da crise de Elias – e dos seus irmãos profetas. Uma frase misteriosa, de exegese não fácil. Os “pais” de Elias são Abraão, Isac, Jacob, Moisés, Saul, David, Salomão. Todos pais marcados pelo limite, pelo pecado e sempre pelo insucesso. A história dos seus pais fora um espetáculo de fracassos, de pequenez, que resultava forte se comparada com a grandeza da promessa. Debaixo deste junípero, Elias sente-se preso, em “cadeia social”, à ferida antropológica dos seus pais, sente-se, exatamente, como eles. Uma etapa fundamental que vivem, de vários modos, todos os profetas quando, um dia, se sentem, exatamente, como todos os homens e as mulheres que os precederam; como todos, como os piores. Partiu-se de casa e, imediatamente, os milagres, os mortos que ressuscitam, os inimigos derrotados e grandes sucessos públicos. Depois, um acontecimento – uma calúnia, uma perseguição, uma doença… - faz-nos compreender que todas aquelas conquistas e frutos eram apenas vanitas, fumo, palha. Desaparece tudo, encontramo-nos no deserto, debaixo de um junípero, e sentimo-nos, verdadeiramente, como os nossos pais e parentes que tínhamos deixado por uma missão e uma vocação que sentíamos infinitamente diferentes e melhores. Por vezes, esta semelhança é uma grande bênção; outras vezes, deprime-nos porque só nos fala de fracasso.

Esta etapa pode marcar o fim de uma vocação; mas, se superada, pode ser a morte que prepara uma autêntica ressurreição. Como acontece com Elias. De facto, no Horeb, com a sua alma despedaçada pela “noite escura”, é onde se realiza uma das teofanias mais belas, célebres e misteriosas da Bíblia. Apreciemo-la, sem palavras de introdução: «O Senhor disse-lhe então: “Sai e mantém-te neste monte, na presença de YHWH; eis que YHWH vai passar”. Nesse momento, passou diante de YHWH um vento impetuoso e violento, que fendia as montanhas e quebrava os rochedos diante de YHWH; mas YHWH não se encontrava no vento. Depois do vento, tremeu a terra. Passou o tremor de terra e ateou-se um fogo; mas nem no fogo se encontrava YHWH. Depois do fogo, ouviu-se o murmúrio de uma brisa suave. Ao ouvi-lo, Elias cobriu o rosto com um manto, saiu e pôs-se à entrada da caverna» (19, 11-13). É grande o contraste com a cena do Monte Carmelo, onde Deus se tinha manifestado, com todo o seu poder, no fogo. Agora, Elias está deprimido e desencorajado, e Deus já não lhe fala no poder da natureza. Aqui, não temos apenas o fim da fase religiosa primitiva, que via a presença de Deus nos acontecimentos naturais excecionais e a descoberta que Deus é espírito e sopro.

Há algo mais. Aquela esplêndida expressão – qol demana daqqa –, que os exegetas e os poetas traduziram de muitos modos (um som doce e submisso, a voz do silêncio, o sibilo de uma brisa suave, o doce sussurro de uma voz…), diz-nos que Deus tem de aprender a sussurrar se nos quer falar quando a dor nos tapou os ouvidos da alma. Nas grutas espirituais, as palavras apenas incomodam – quantas vezes constatamos o incómodo que provocam as palavras, inclusive a palavra de Deus, em quem vive este tipo de provas. Para ressurgir de certas mortes, a palavra deve deixar de falar e tornar-se apenas voz, sussurro, voltar à fase originária, quando o som ainda não era articulado em palavras. Como quando, numa outra gruta, se torna vagido de criança. Como quando, num outro monte, se torna apenas grito. Como, por fim, quando todas as palavras que pronunciámos se tornaram apenas sussurro, totalmente fechadas num único último suspiro.
Nas depressões espirituais, conseguimos reconhecer Deus se é capaz de baixar a voz, se aprende a sussurrar. Se nós sabemos fazer estas coisas, também Deus as deve saber fazer.

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por Luigino Bruni

publicado em Avvenire em 08/09/2019

«O perigo de toda a sociedade humana é a unanimidade. Percebeu isso, no antigo Israel, o Sinédrio, que não permitia que fosse executada a condenação à morte votada por todos os membros. Ao Sinédrio parecia impossível que um voto unanime fosse humano, isto é, ponderado e racional»

Paolo De Benedetti, A Morte de Moisés

Elias, no Horeb, diz-nos que, nas depressões espirituais, conseguimos reconhecer Deus e ressurgir, se Ele é capaz de baixar a voz, se sabe tornar-se brisa suave.

As crises, os cansaços, as depressões não são todas iguais. A Bíblia diz-nos que existem também as depressões espirituais, não raras, na vida dos profetas. Estas chegam, geralmente, na fase adulta da vida, às pessoas que receberam um chamamento e uma missão. A depressão espiritual deve ser distinguida da depressão psíquica, coisa difícil, porque os sinais são parecidos. A história de Elias mostra-nos uma gramática para reconhecer estas depressões e para, porventura, procurar superá-las.

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E Deus aprendeu a sussurrar

E Deus aprendeu a sussurrar

Profecia é história / 14 – Em todo o caminho há uma desmoralizante “etapa do junípero” que se pode superar por Luigino Bruni publicado em Avvenire em 08/09/2019 «O perigo de toda a sociedade humana é a unanimidade. Percebeu isso, no antigo Israel, o Sinédrio, que não permitia que fosse exe...
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Profecia é história / 13 – Nenhum grupo supera a pessoa em dignidade; quando muito, pode igualá-la

por Luigino Bruni

publicado em Avvenire em 01/09/2019

«Todos os corpos juntos, e todos os espíritos juntos, e todas as suas produções não valem um mínimo movimento de caridade. Este é de uma ordem infinitamente mais elevada»
Blaise Pascal,  
Pensamentos

O duelo no Monte Carmelo, entre Elias e os profetas de Baal, recorda-nos, em contraluz, que a verdade não coincida com a vitória. E que quem anuncia verdade, chama à escolha, nunca à idolatria.

Neste relato, entre os mais conhecidos da literatura religiosa antiga, o número abençoado é o número um. Com Elias, sozinho contra as centenas de profetas de Baal, e Abdias, único salvador de profetas, a Bíblia diz-nos que, em muitas crises tremendas, a salvação chega porque permaneceu um justo que salva a todos. Nalguns momentos determinantes, a massa crítica é um. Noé, Abraão, Moisés, os profetas, Elias, Abdias, Maria, Jesus: por muito importante e belo que seja o “nós”, a Bíblia exalta também o “eu”. O nós não salva ninguém se, no seu coração, não há, pelo menos, um que obedece a uma voz e age livremente. Um eu justo é o fermento da boa massa do nós. Esta é a raiz do princípio personalista no centro do humanismo ocidental, que hoje, no fascínio exercido por novos nós, continua a repetir-nos que nenhum grupo supera, em dignidade, a pessoa individual; quando muito, pode igualá-la. No “cálculo da dignidade”, nos grupos humanos, as regras da aritmética não valem. Este valor não aumenta com a soma, porque a primeira parcela já tem um valor infinito – aqui um mais um dá sempre e só um.

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Durante uma carestia tremenda e longuíssima, enquanto uma rainha sanguinária está a exterminar os profetas de YHWH, um homem salva-os: «Era então muito grande a fome na Samaria. Acab mandou chamar Abdias, intendente do seu palácio; Abdias era muito temente de YHWH. Assim, quando Jezabel matou os profetas de YHWH, Abdias acolheu cem profetas e escondeu-os em duas cavernas, cinquenta numa e cinquenta noutra, e alimentou-os com pão e água» (1Rs 18, 2-4). Abdias é um amigo dos profetas. Como o etíope Ébed-Mélec, o eunuco que salvou Jeremias da cisterna (Jr 38), também agora encontramos um homem, um “intendente”, que salva os profetas da morte. Também a história das religiões e das civilizações conhece esta categoria de justos, estes goel. Os profetas têm muitos inimigos; mas também têm alguns amigos e “salvadores”. Hospedam-nos na sua casa, em Betânia, escondem-lhos, cuidam deles, acreditam neles quando todos os abandonam. Os profetas têm estes amigos, pelo menos um, pelo menos uma, que se torna o pedaço de pão e o copo de água para não morrer na travessia dos desertos. Por vezes, são os pais, uma irmã. Nem sempre são discípulos dos profetas; por vezes, são seus amigos. Um amigo de profeta vale mais de mil discípulos.

Abdias encontra Elias e o dote com que se apresenta são os cem profetas que salvou: «Eu escondi cem de entre eles, cinquenta numa caverna e cinquenta noutra, e os alimentei com pão e água» (18, 13). Elias foi ao seu encontro: «Abdias reconheceu-o e prostrou-se de rosto por terra, dizendo: “Meu senhor, és tu Elias?” “Sou eu! Vai dizer ao teu amo que cheguei”» (18, 7-8). Abdias tem medo. Elias tranquiliza-o e ele vai: «Partiu, pois, Abdias para junto de Acab e avisou-o» (18, 16). Elias encontra, finalmente, Acab. E entramos numa das páginas mais conhecidas e tremendas da Bíblia: o desafio, o ordálio do Monte Carmelo, entre Elias e quatrocentos profetas de Baal. Uma cena poderosa e épica, que os faz reviver, em direto, um excerto da religião dos povos acaicos, entre magia e fé.

«Então Acab mandou chamar todos os filhos de Israel e reuniu os profetas no monte Carmelo. Elias aproximou-se de todo o povo e disse: “Até quando andareis a coxear dos dois pés? Se o Senhor é Deus, segui-o; mas se Baal é que é Deus, então segui a Baal!”» (18, 20-21). Elias propõe um duelo entre YHWH, o Deus de Israel, e Baal, o deus local fenício-cananeu. Do Lado de Baal estão centenas de profetas; do lado de YHWH está só Elias. Uma luta desigual, portanto; um outro David contra um outro Golias. Mas, também aqui, a vitória não é uma questão nem de forças nem de números. É a qualidade, não a quantidade, o princípio ativo destas vitórias. Além disso, do relato compreende-se, de facto, que o desafio não é entre dois deuses, ambos vivos, mas entre Deus e o nada. Esta vitória de YHWH é uma das primeiras atestações monoteístas de Israel. «Dêem-nos, então, dois novilhos; eles escolherão um, hão de esquartejá-lo e o colocarão sobre a lenha, sem lhe chegar fogo. Eu tomarei o outro novilho, colocá-lo-ei sobre a lenha, sem, igualmente, lhe chegar fogo. Em seguida invocareis o nome do vosso deus; eu invocarei o nome de YHWH. Aquele que responder, enviando o fogo, será reconhecido como verdadeiro Deus”» (18, 23-24).

Os profetas de Baal são os primeiros a preparar o seu altar e esperam que Baal, o deus dos relâmpagos, faça arder a lenha para o sacrifício. E, depois, «puseram-se a invocar o nome de Baal, desde manhã até ao meio-dia, gritando: “Baal, escuta-nos!” Mas nenhuma voz se ouviu, nem houve quem respondesse» (18, 26). Não se ouviu nenhuma voz… Volta a observação belíssima que acompanha toda a Bíblia: o Deus verdadeiro é o Deus da voz. YHWH fala, chama, sussurra. Os ídolos são falsos porque não têm voz, não têm fôlego. O frenesim profético cresce, mostrando-nos pormenores interessantes daqueles ritos antigos: «Gritavam em voz alta, feriam-se, segundo o seu costume, com espadas e lanças, até ficarem cobertos de sangue» (18, 28). O fogo não se acende. Baal não responde. Elias ironiza e zomba deles: «Gritai com mais força! Talvez esse deus esteja entretido com alguma conversa! Ou então estará ocupado, ou anda de viagem. Talvez esteja a dormir!» (18, 27). Nesta provocação, Elias “esquece-se” que muitos salmos são um grito para “acordar” Deus e que a primeira oração coletiva da Bíblia foi um grito de escravos para que YHWH, distraído, se recordasse da sua promessa (Ex 2). Também os profetas maiores, na arena da luta religiosa podem usar contra o adversário as palavras mais humanas e mais belas aprendidas dentro de casa. Como nós.

Depois, chega a vez de Elias «Tomou doze pedras… Erigiu um altar ao nome de YHWH… Dispôs a lenha sobre a qual colocou o boi esquartejado... Elias disse: “YHWH, Deus de Abraão, de Isaac e de Israel, mostra hoje que és Tu o Deus em Israel… Responde-me, Senhor, responde-me! Que este povo reconheça que Tu, Senhor, é que és Deus, aquele que lhes converte os corações”. De repente, o fogo do Senhor caiu do céu e consumiu o holocausto, a lenha, as pedras» (18, 31-38). Impressiona esta essencialidade sóbria da oração de Elias, se comparada com a espetacularidade barroca dos profetas de Baal – as liturgias excessivas e emocionais são, quase sempre, sinal de fés veladamente idolátricas. Elias vence o desafio e o povo exclama: «YHWH é Deus! YHWH é Deus!» (18, 39). Elias celebra a vitória fazendo degolar, um a um, os quatrocentos profetas de Baal: «Disse-lhes então Elias: “Prendei agora os profetas de Baal; não deixeis fugir um só deles!” Prenderam-nos, e Elias levou-os ao vale de Quichon, onde os matou» (18, 40). Um epílogo tremendo, como toda a cena.

O ordálio, o “juízo de Deus”, é uma prova cujo êxito era interpretado como manifestação direta da vontade dos deuses. Estava muito difundido na antiguidade e em muitas culturas. Na Europa, os ordálios foram introduzidos, sobretudo, pelos povos germânicos; na Itália, pelos Lombardos e, durante muitos séculos, também tolerados pela Igreja. No ordálio – do fogo, dos venenos, dos metais fundidos… - quem saía ileso da prova era considerado justo e/ou inocente. O facto era constituído como vontade divina. Portanto, o mais forte no duelo, ou o mais manhoso a caminhar sobre o fogo, era abençoado por Deus e portador duma mensagem sua. E, assim, os fortes tornavam-se ainda mais fortes, os débeis ainda mais débeis. Algo de muito semelhante à religião económico-retributiva, que ligava à riqueza a bênção de Deus e à pobreza a maldição, que tornava os ricos duplamente abençoados e os pobres duplamente amaldiçoados. A Bíblia teve que lutar muito para se libertar desta visão arcaica e “naturalista” da fé, o que conseguiu apenas em parte. Procurou mostrar-nos que os “milagres” não são, de per si, provas da verdade da fé, mas apenas sinais imperfeitos e sempre parciais. Porque também os falsos profetas sabem fazer milagres; também os magos do Egipto simulavam as pragas e Simão, o Mago, com os seus gestos “surpreendia” os habitantes da Samaria (Atos dos Apóstolos, cap. 8). Jeremias era combatido e perseguido pelos falsos profetas que invocavam o milagre que os salvaria – que não aconteceu.

Foi preciso o Exílio para compreender que YHWH não é verdadeiro porque vencedor, que continua a ser o Deus da promessa, mesmo quando derrotado. Mas nós, apesar de toda a Bíblia, dos Evangelhos, de S. Paulo, apesar do não-milagre da cruz e o não-ordálio dos cravos e do madeiro, somos muito tentados a imitar Elias, a pensar que o nosso Deus é verdadeiro porque é vencedor e, depois, degolamos os perdedores. O milagre do fogo no Monte Carmelo não prova que YHWH é Deus. Talvez prove apenas que Baal é um ídolo, mas já sabíamos isso antes do ordálio. Não é bom “tentar Deus”, dirá uma outra alma da mesma Bíblia. Também porque nós, muitas vezes, preparamos os altares, fazemos vigílias, gritamos e pedimos o milagre que não chega. E como não somos capazes de não perder a fé diante de um filho que não se cura e morre, essa mesma fé verdadeira não pode ser criada por nenhum milagre. Também para que, diante de um milagre, nós devamos sempre continuar a perguntar a Deus: “Porque não aos outros?”.

A parte luminosa desta página sombria do Monte Carmelo não está, portanto, na luz do fogo que irrompe na cena, mas na pergunta que Elias dirige ao seu povo: «Até quando andareis a coxear dos dois pés? Se YHWH é Deus, segui-o; mas se Baal é que é Deus, então segui a Baal!» (18, 21). A tentação idolátrica é tenaz, sempre presente e ativa no coração do homem e da mulher porque, diferentemente do ateísmo, não nega Deus, mas o reduz, primeiro, a ídolo e, depois, multiplica-o – toda a idolatria é politeísta, porque cada consumidor ama a variedade dos mercados. A idolatria não renega Deus, encolhe-o para o manipular. Os profetas dizem-nos; “escolhe”, porque, paradoxalmente, é melhor passar totalmente para Baal que juntá-lo, no templo, ao lado de YHWH. Mas nós preferimos muitos pequenos deuses inócuos a um Deus verdadeiro e incómodo. Eis porque, sobre a terra, a idolatria está muito mais presente que a fé. Quando o filho do homem voltar à terra, encontrará aí, certamente, a idolatria. A fé, não o sabemos. Esperamos que a encontre num, pelo menos. E, se vier rápido, aquele um podemos ser nós.

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Profecia é história / 13 – Nenhum grupo supera a pessoa em dignidade; quando muito, pode igualá-la

por Luigino Bruni

publicado em Avvenire em 01/09/2019

«Todos os corpos juntos, e todos os espíritos juntos, e todas as suas produções não valem um mínimo movimento de caridade. Este é de uma ordem infinitamente mais elevada»
Blaise Pascal,  
Pensamentos

O duelo no Monte Carmelo, entre Elias e os profetas de Baal, recorda-nos, em contraluz, que a verdade não coincida com a vitória. E que quem anuncia verdade, chama à escolha, nunca à idolatria.

Neste relato, entre os mais conhecidos da literatura religiosa antiga, o número abençoado é o número um. Com Elias, sozinho contra as centenas de profetas de Baal, e Abdias, único salvador de profetas, a Bíblia diz-nos que, em muitas crises tremendas, a salvação chega porque permaneceu um justo que salva a todos. Nalguns momentos determinantes, a massa crítica é um. Noé, Abraão, Moisés, os profetas, Elias, Abdias, Maria, Jesus: por muito importante e belo que seja o “nós”, a Bíblia exalta também o “eu”. O nós não salva ninguém se, no seu coração, não há, pelo menos, um que obedece a uma voz e age livremente. Um eu justo é o fermento da boa massa do nós. Esta é a raiz do princípio personalista no centro do humanismo ocidental, que hoje, no fascínio exercido por novos nós, continua a repetir-nos que nenhum grupo supera, em dignidade, a pessoa individual; quando muito, pode igualá-la. No “cálculo da dignidade”, nos grupos humanos, as regras da aritmética não valem. Este valor não aumenta com a soma, porque a primeira parcela já tem um valor infinito – aqui um mais um dá sempre e só um.

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O número um é abençoado

O número um é abençoado

Profecia é história / 13 – Nenhum grupo supera a pessoa em dignidade; quando muito, pode igualá-la por Luigino Bruni publicado em Avvenire em 01/09/2019 «Todos os corpos juntos, e todos os espíritos juntos, e todas as suas produções não valem um mínimo movimento de caridade. Este é de uma ...
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Profecia é história / 12 – Muitos “mortos” não ressuscitam porque nos iludimos que bastem as palavras

por Luigino Bruni

publicado em Avvenire em 25/08/2019

«Nós procuramos um outro Deus, que não se vangloria deste mundo infeliz. Temos necessidade de mudar Deus para o conservar e para que Ele nos conserve»

Paolo de Benedetti Qual Deus?

O milagre de Elias, que devolve a vida a um menino, recorda-nos o grande significado da palavra que se torna carne na Bíblia, na vida e na oração.

Os profetas formam-se na fronteira entre a vida e a morte. É ali que aprendem a sua “profissão”. Estão perenemente em suspenso, acrobatas entre o já e o ainda não, expostos no limite fundamental e determinante da condição humana. A Bíblia sabe que quem vê Deus, morre. O profeta “vê” Deus, viu-o ou, pelo menos, ouviu-o no dia do seu chamamento. A vocação profética é, simultaneamente, Tabor, Gólgota e sepulcro vazio: vê-se Deus, morre-se e ressuscita-se. O segundo episódio da missão de Elias é a ressurreição de um menino. Ainda suspenso entre a vida e a morte: «Depois destas palavras, adoeceu o filho desta mulher, a dona da casa; a sua doença era tão grave que já nem conseguia respirar» (1Rs 17, 17). Tínhamos deixado Elias com o milagre da multiplicação da farinha e do azeite, que salva a viúva e o seu filho da morte pela fome. Ora, àquela viúva (ou talvez outra: não sabemos se, originariamente, os dois relatos estavam ou não separados), o filho adoece e morre. Uma cena que encontraremos várias vezes, também no Novo Testamento, que seria muito diferente sem Elias.

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A mãe é a primeira a falar: «Disse então a mulher a Elias: “Que há entre mim e ti, homem de Deus? Vieste a minha casa para me lembrar o meu pecado e matar o meu filho?”» (17, 18). Na antiguidade, era experiência muito comum que a presença de um homem religioso – um sacerdote ou um profeta – durante acontecimentos dramáticos e desgraças, fosse interpretada como condenação e culpa. Sobretudo, quando a pessoa religiosa era um homem e quem estava no centro de desventura era um pobre ou uma mulher, os sinais do sagrado tornavam-se, frequentemente, sombrios e ameaçadores. Ainda hoje, nas grandes dores, a presença da religião não é, imediatamente, um sacramento que reduz a dor e consola. Como para aquela mulher, a primeira reação pode ser a raiva, o medo e a ativação de sentimentos de culpa que são sempre os primeiros a chegar com as nossas desgraças. Quantas vezes assistimos às reações dramáticas dos familiares, em relação a sacerdote que chega a uma casa na hora muda dos demónios do luto. Aquele padre pode tornar-se a imagem de um Deus cruel que roubou um filho ou um irmão. À volta daquele homem religioso, levanta-se uma cortina invisível, mas realíssima, de embaraço; por vezes, erguem-se gritos, maldições, imprecações. Faz parte da maturidade dos sacerdotes e religiosas saber acolher essas maldições e conseguir lê-las como uma forma elevada de oração.

Naquele mundo arcaico, a presença de Elias faz com que a mãe leia a desventura como uma irrupção de Deus na sua vida, como uma consequência da sua culpa. Não sabemos qual seria a culpa, talvez a normal condição humana que os antigos interpretavam como marcada por uma culpabilidade radical. Apesar de toda a revelação bíblica e, depois, do cristianismo que nos disse que Deus é ágape, também nós continuamos ainda a interpretar as desgraças como culpa – “se o tivesse acompanhado”, “se lhe tivesse dito não”, “é o castigo pela minha vida errada”… Os sentimentos de culpa são a primeira moeda com que pagamos as contas dos nossos funerais. Chegam sozinhos; estão inscritos nos nossos cromossomas culturais. A religião económico-retributiva é, de facto, muito mais antiga e, por isso, enraizada no coração individual e coletivo que a religião do amor e da graça. Eis porque nos são úteis os profetas. Os profetas colocam-se ao nosso lado. Fazem silêncio, não nos fazem sermões nem discursos consoladores; dão-nos um deus liberto das culpas e dos méritos, todo graça e misericórdia. Fazem-no com a palavra mas, sobretudo, com o corpo; com um abraço demorado e forte, partilhando um alimento de lágrimas e sal, estando próximos, silenciosos, nestes sábados santos que nunca acabam. Precisei duma vida inteira – confidenciava-me um amigo sacerdote – para compreender que as pessoas que vivem grandes dores não procuram, de nós, palavras; procuram um corpo que sabe viver o stabat.

«Elias respondeu-lhe: “Dá-me o teu filho”» (17, 19). Diante da maior dor que a terra conhece e que, com grande dificuldade, consegue suportar, Elias toma o corpo do filho nos seus braços. Não faz um sermão; age, abraça. É esta a única “palavra” que queremos ouvir do homem de Deus que entra no quarto do filho. «Tomou-o dos braços da mulher, levou-o para a sala de cima onde ele morava e deitou-o no seu leito» (17, 19). Aquela mãe tinha o filho, o “menino” (yeled) morto, no seu colo. Uma cena maravilhosa, de uma humanidade infinita. Se os homens e as leis não lho impedissem, as mães continuariam a ter os seus meninos mortos no seu colo para sempre, à espera que um Deus ou um profeta passe e os ressuscite. E se, um dia, alguém pôde escrever palavras imensas sobre o amor de Deus por nós, é porque tinha visto e aprendido o ágape nas mães que continuavam a ter os seus filhos no seu colo, que nunca deixaram de o fazer – as mulheres gostam muito do ícone de Maria com o Menino porque aquele pequeno Jesus é também a imagem dos seus filhos, os vivos e ainda mais os mortos.

Só neste momento, Elias começa a rezar: «Depois clamou ao Senhor, dizendo: “Senhor, meu Deus, até a esta viúva junto de quem me acolhi como emigrante, lhe quereis fazer mal a ponto de lhe matares o filho?!”» (17, 20). Esta é a oração diferente do profeta, onde sobressai o “quereis fazer mal a esta viúva?”. Esta oração começa com um protesto, com uma censura a Deus que fez mal também (por isso, não só) à sua hóspede. O Deus bíblico faz o bem, mas também faz o mal. Elias coloca-se do lado da viúva e do rapaz e pede a Deus para mudar, pede para se “converter”. Não consola a mulher, convidando-a a aceitar “a vontade de Deus” ou o seu destino. Estas coisas fazemo-las nós, porque não sabemos fazer outra coisa. O profeta não: solidariza-se com a mãe e protesta com Deus, pedindo-lhe para mudar. Considera Deus responsável pela morte do filho, caso contrário, seria um feitiço. E, como Job, Elias não recorre à teologia económica e meritocrática para salvar a justiça de Deus. Não pensa que os homens sejam os únicos responsáveis das suas desventuras – todas as mortes de meninos são mortes injustas, porque inocentes. Elias pede a Deus para “acordar”, para se recordar do seu nome que é diferente do dos ídolos também porque não quer a morte dos nossos filhos. Os profetas, por absurdo que pareça, preferem ser excomungados por Deus do que sacrificar um rapaz. Abraão obedece a Deus e conduz o se filho ao Monte Moriá. O profeta, pelo contrário, protesta, briga com Deus e não leva o filho ao altar – se queremos um profeta naquela cena tremenda, podemos encontrá-lo no carneiro.

Nas grandes crises e nas dores insuportáveis, o profeta coloca-se ao nosso lado e pede a Deus para se mostrar bom, pelo menos tanto quanto uma mãe. Enquanto nos ensina as palavras de Deus, vê o melhor dos homens e mostra-o, ensina-o a Deus. Se a Bíblia, ao fim, nos pode dar uma imagem de Deus que se comove pelo filho regressado, que se debruça sobre a vítima na estrada de Jericó, é porque os profetas tinham ousado pedir a Deus que descesse dos céus e se tornasse bom, pelo menos tanto quanto as mães. Os falsos profetas, para defender Deus, condenam os homens. Os profetas verdadeiros, pelo contrário, sabem que o único modo de salvar e proteger, verdadeiramente, Deus, é proteger e salvar verdadeiramente os homens – sobretudo, os filhos. Os profetas são os amigos de Deus, têm uma intimidade única com o absoluto. Está aqui o seu mistério. Este episódio diz-nos que a primeira missão dos profetas é usar a sua intimidade divina para salvar os nossos filhos.

«Elias estendeu-se três vezes sobre o menino e invocou o Senhor, dizendo: “Senhor, meu Deus, que a alma deste menino volte a entrar nele”» (17, 21). É muito sugestivo o uso que Elias faz do seu corpo para tentar “ressuscitar” o rapaz. Estende-se três vezes sobre o rapaz, em toda a extensão do seu corpo, como para lhe devolver a vida pelo contacto, por osmose. Os profetas curam e ressuscitam com todo o seu corpo. As suas palavras são diferentes e performativas porque, antes, são palavras incarnadas, são palavras de carne. Muitos “mortos” não ressuscitam porque não somos capazes de usar todo o corpo, iludindo-nos que bastem as palavras (a grande ilusão de quem escreve e até comenta os profetas é pensar que os homens se podem salvar apenas escrevendo palavras). O início da história de Elias diz-nos que os milagres só podem acontecer depois de ter colocado, três vezes, todo o nosso corpo sobre quem estava – ou parecia – morto. Muitos mortos permanecem mortos – ou morrem verdadeiramente – porque temos medo de nos estendermos sobre eles, isto é, de os tocar, de os abraçar – naquela cultura, os mortos não se podiam tocar, estavam impuros: não para os profetas. S. Francisco deu-nos palavras esplêndidas, mas a palavra que ressuscitou Assis e o mundo foi o beijo no corpo martirizado do leproso.

A palavra da oração deve chegar juntamente com a palavra do corpo. Em certas via crucis podemos também ver os “anjos subir e descer sobre o filho do homem” mas, enquanto não virmos um corpo de homem, não conseguimos reconhecer Deus: «A mulher disse a Elias: “Agora reconheço que és um homem de Deus”» (17, 24). Deus, para poder salvar-nos, não se tornou um anjo; fez-se homem: carne e corpo. Está aqui o grande valor do corpo, no humanismo bíblico. Quando a oração se torna corpo, podemos superar os anjos. Elias é o profeta da oração poderosa porque reza com todo o corpo. É comovente vê-lo, enquanto reza, estendido sobre o corpo daquele rapaz. Porque nele e com ele, revemos outros profetas que, hoje, continuam a fazer ressurgir meninos, mulheres, homens – nas guerras, nos campos de refugiados, nos mares – usando o seu corpo como primeira oração: partilhando a mesma miséria, as mesmas doenças, as mesmas ressurreições, a mesma morte. Os meninos continuam a morrer. As suas mães e os seus pais continuam a desesperar e, por vezes, a amaldiçoar Deus e os seus profetas. O gesto de Elias continua a recordar-nos que, se um dia queremos salvar um filho da morte do corpo ou da alma, só o poderemos fazer estendendo-nos sobre ele com todo o nosso corpo. Três vezes, não uma a menos.

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Profecia é história / 12 – Muitos “mortos” não ressuscitam porque nos iludimos que bastem as palavras

por Luigino Bruni

publicado em Avvenire em 25/08/2019

«Nós procuramos um outro Deus, que não se vangloria deste mundo infeliz. Temos necessidade de mudar Deus para o conservar e para que Ele nos conserve»

Paolo de Benedetti Qual Deus?

O milagre de Elias, que devolve a vida a um menino, recorda-nos o grande significado da palavra que se torna carne na Bíblia, na vida e na oração.

Os profetas formam-se na fronteira entre a vida e a morte. É ali que aprendem a sua “profissão”. Estão perenemente em suspenso, acrobatas entre o já e o ainda não, expostos no limite fundamental e determinante da condição humana. A Bíblia sabe que quem vê Deus, morre. O profeta “vê” Deus, viu-o ou, pelo menos, ouviu-o no dia do seu chamamento. A vocação profética é, simultaneamente, Tabor, Gólgota e sepulcro vazio: vê-se Deus, morre-se e ressuscita-se. O segundo episódio da missão de Elias é a ressurreição de um menino. Ainda suspenso entre a vida e a morte: «Depois destas palavras, adoeceu o filho desta mulher, a dona da casa; a sua doença era tão grave que já nem conseguia respirar» (1Rs 17, 17). Tínhamos deixado Elias com o milagre da multiplicação da farinha e do azeite, que salva a viúva e o seu filho da morte pela fome. Ora, àquela viúva (ou talvez outra: não sabemos se, originariamente, os dois relatos estavam ou não separados), o filho adoece e morre. Uma cena que encontraremos várias vezes, também no Novo Testamento, que seria muito diferente sem Elias.

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E a oração tornou-se corpo

E a oração tornou-se corpo

Profecia é história / 12 – Muitos “mortos” não ressuscitam porque nos iludimos que bastem as palavras por Luigino Bruni publicado em Avvenire em 25/08/2019 «Nós procuramos um outro Deus, que não se vangloria deste mundo infeliz. Temos necessidade de mudar Deus para o conservar e para que E...
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Profecia é história / 11 – Na lógica do Deus dos profetas, o que é dado é recebido e multiplicado

por Luigino Bruni

publicado em Avvenire em 11/08/2019

«Partir um pão, ouvir um quarteto de Mozart, caminhar debaixo duma chuva divertida; neste momento, há seres a quem não é permitido fazer coisas tão simples – porque estão doentes, porque estão na prisão ou porque são tão pobres que, para eles, um pão vale uma fortuna»

Christian. Bobin Mozart e a chuva

Com o início do ciclo de Elias, entramos nos episódios entre os mais belos e amados da Bíblia, que tanto inspiraram os Evangelhos. E temos a confirmação da necessidade de “sair”: quando a fé é ameaçada do exterior é nesse exterior que deve começar a salvação.

Existe uma amizade profunda entre os pobres e os profetas. Na terra, existem poucos espetáculos mais belos que o de pobres que partilham a sua mesa com o profeta/hóspede que passa e os abençoa. O pão dos pobres é o primeiro alimento dos profetas que, se deixam de o comer, começam a perder a profecia e a alma.

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Estamos para encontrar Elias. Para os encontros importantes, preparamo-nos. Recolhemo-nos, fazemos silêncio; o desejo e a espera já são encontro. A Bíblia não é uma fiction; os seus personagens não são atores. São pessoas vivas, de carne e osso que revivem e ressurgem sempre que alguém os trata como pessoas vivas e verdadeiras. Esta vida, que sentimos também na grande literatura e na arte, adquire, na Bíblia, uma força e uma beleza porventura únicas – a Palavra, um dia, fez-se carne porque a palavra bíblica, diversa mas verdadeiramente, já o era e ainda o é.

Elias é o patriarca dos profetas Bíblicos. Uma figura excecional, entre história e lenda, extraordinária nas suas luzes e nas suas sombras. Não nos deixou nenhum livro, falou pouco, os Livros dos Reis dedicam-lhe apenas alguns capítulos; no entanto, a figura de Elias, juntamente a Moisés e David, está muito presente e é muito amada na tradição bíblica, em muitas Igrejas cristãs, no Islão. É um profeta que inspirou a história da arte, a música, a literatura – bastaria evocar apenas o nome do capitão Acab, de Moby Dick. Amantíssimo dos pobres, das tradições monásticas, dos místicos e dos amantes da oração. Nos Evangelhos, não há nome mais presente que o de Elias e, sem Elias, teríamos um Jesus diferente. Na celebração da Páscoa hebraica, as famílias põem na mesa um prato a mais e deixam uma cadeira vazia: são para Elias, porque sempre poderia chegar – porque chega sempre. Ei-lo: «Elias, o tisbita, habitante de Guilead, disse a Acab: “Pela vida de YHWH, Deus de Israel, a quem eu sirvo, não cairá orvalho nem chuva nestes anos senão à minha ordem”» (1Rs 17, 1).

Elias entra em cena sem apresentação. Como Abraão, como Noé. O seu nome diz muitas coisas: “YHWH é o meu Deus”. Vinha da região de Guilead, na Transjordania; portanto, do Reino do Norte. Era enviado ao rei Acab, um grande idólatra: «Acab, filho de Omeri, fez o mal aos olhos do Senhor… E, como se não lhe bastasse imitar os pecados de Jeroboão, filho de Nabat, ainda tomou por esposa Jezabel, filha de Etbaal, rei de Sídon; e foi prestar culto a Baal, prostrando-se diante dele… aumentando a ira de YHWH, Deus de Israel, mais do que todos os reis de Israel, seus predecessores» (16, 30-33).

Elias anunciou a Acab uma seca excecional, que só terminará quando ele o disser. Leva uma mensagem nefasta de YHWH para Acab e apresenta-se como futura cura do mal que anuncia. Assim começa o seu caminho: «A palavra de YHWH foi-lhe dirigida nestes termos: “Vai-te daqui, dirige-te para Oriente”» (17, 2-3). Como Abraão, a história de Elias começa com um “Vai”. É um homem errante e fugitivo. E, como Abraão, Caim e Jacob, também ele vai em direção ao oriente. Mas, o oriente, para o homem bíblico, é também a direção do Exílio, é caminho em direção a Babilónia. A profecia é exílio e ninguém mais que um profeta diz exílio – pelos afetos familiares, pelos amigos, por si mesmo: o profeta é um eterno desadaptado, porque nenhum país é verdadeiramente o seu país, porque nunca mais volta a casa.

Elias foge porque, como veremos, Acab e a sua mulher Jezabel o perseguem. Os profetas verdadeiros são sempre fugitivos e em constante perigo, mesmo quando passam toda a vida no mesmo lugar. Seguem e obedecem a uma voz e, por isso, frequentemente, entram em conflito com a voz dos poderosos. Falam quando a voz lho pede e não quando é oportuno falar. E dizem palavras livres e, por isso, são odiados por quem queria comandar as palavras de todos, tanto mais odiados quanto maiores são as palavras comandadas – o profeta torna-se odiadíssimo quando a sua palavra se torna a única palavra livre na cidade.

«Então ele partiu segundo a palavra do Senhor» (17, 5). Eis um outro elemento essencial do genoma dos profetas não-falsos: Elias obedece, parte, vai. Não há profeta sem esta obediência radical: «Foi morar junto à margem do Querit, em frente do Jordão. Os corvos traziam-lhe pão e carne, de manhã e de tarde, e ele bebia água da torrente» (17, 5-6). Uma das cenas mais conhecidas da Bíblia e mais amada pela arte. Imagem espetacular da providência que acompanha os homens e as mulheres de Deus, que acompanha a todos. Quem obedece e parte, não morre, porque a obediência gera uma misteriosa e realíssima fraternidade com a natureza e com os pobres – quantos corvos e quantas correntes continuam a alimentar os nossos profetas, deixados famintos e sedentos por causa da maldade dos homens? Quero rever, hoje, Elias alimentado pelo céu, nos muitos profetas que, neste momento, vivem nas prisões, esquecidos por todos – não por Deus e pelos seus pássaros.

É muito bonito este início da vida errante de Elias, mergulhado num quadro de fraternidade cósmica. As grandes tradições espirituais têm intuído sempre que existe uma lei de ágape inscrita no universo, mais profunda e verdadeira que as intenções humanas; chegar sedento junto duma fonte e beber da sua água é uma autêntica experiência de amor recíproco com a terra, e, aqui, podemos usar a palavra amor/ágape sem ceder nada a romantismo. É metáfora, uma metáfora incarnada. O amor presente no cosmo é maior que a soma dos amores dos homens e das mulheres; a fraternidade humana sozinha é demasiado pequena, apesar de imensa. Nem todo o amor é voluntarismo. Também há um amor na mansidão do cordeiro e na humildade da vaca. Não o vemos, mas há. E é habitando e parando nesta excedência entre o amor humano e o amor do mundo que podemos chamar, verdadeiramente, irmãos à torrente e aos corvos e, com S. Francisco, pregar aos pássaros.

Mas, como anunciado a Acab, «ao fim de algum tempo, a torrente secou, pois não chovia sobre a terra» (17, 7). E Elias volta a partir: «Então, YHWH disse-lhe: “Levanta-te, vai para Sarepta de Sídon e fica lá, pois ordenei a uma mulher viúva de lá que te alimente”» (17, 8-9). São os pobres a alimentar os profetas. Depois dos corvos e da torrente, eis uma viúva, uma mulher estrangeira, fenícia, adoradora do deus Baal, que Jezabel tinha importado dos fenícios, que junta a sua voz ao coro da fraternidade providente da terra.
A mulher de Acab tinha trazido Baal de Sídon; Elias leva YHWH a uma outra mulher de Sídon. Os profetas são assim: movimentam-se em contratempo, em direção obstinada e contrária. E, enquanto os deuses estrangeiros ocupam a sua terra, eles vão anunciar o seu Deus no berço do paganismo, porque sabem que, se o seu Deus é verdadeiro – e sabem-no porque o conhecem pelo nome – deve poder falar aos pagãos e ser compreendido também por eles. E, assim, o texto faz começar o ciclo de Elias com o encontro do profeta de YHWH e a mulher fenícia, dando-nos um ícone eterno de “fé em saída”, a dizer-nos que, quando a fé é ameaçada pelo exterior, é dentro do “exterior” que deve começar a salvação.

«Ao chegar à entrada da cidade, eis que havia lá uma mulher viúva que andava a apanhar lenha; chamou-a e disse-lhe: “Vai-me arranjar, te peço, um pouco de água numa vasilha, para eu beber”. Ela foi buscar a água e Elias chamou-a e disse-lhe: “Traz-me também um pedaço de pão nas tuas mãos”. Então ela respondeu: “Pela vida de YHWH, teu Deus, não tenho pão cozido; tenho apenas um punhado de farinha na panela e um pouco de azeite na ânfora; mal tenha reunido um pouco de lenha entrarei em casa para preparar esse resto para mim e para meu filho; vamos comê-lo e depois morreremos”» (17, 10-12). É esta a condição desesperada da viúva que, por ordem de YHWH, deveria alimentar o profeta. Aquele “vamos comê-lo e depois morreremos” traz à mente do leitor atento a cena de Agar e o seu filho Ismael no deserto («Tendo-se acabado a água do odre»: Génesis 21, 15). Ali, foi um anjo, o primeiro anjo da Bíblia, a salvar a mulher e a criança. Aqui, é um profeta a salvar a mulher e o filho – e se os anjos fossem os profetas que temos no meio de nós que, como acontece com os anjos, não vemos?

«Elias disse-lhe: “Não tenhas medo; vai a casa e faz como disseste. Disso que tens faz-me um pãozinho e traz-mo; depois é que prepararás o resto para ti e para o teu filho. Porque assim fala YHWH: ‘A panela da farinha não se esgotará, nem faltará o azeite na almotolia…’”. Ela foi e fez como lhe dissera Elias: comeu ele, ela e a sua família, durante alguns dias. Nem a farinha se acabou na panela, nem o azeite faltou na almotolia» (17, 13-16). As mulheres, sobretudo as mães e as mulheres pobres, reconhecem os profetas. Tem um sexto sentido, intercetam sons e vozes que a nós, homens, quase sempre escapam. Aquela mulher pobre, no seu desespero, compreende que aquele hóspede trazia uma bênção, sabia quem lhe dizia “dá-me de beber”. Acolhe o profeta como profeta e teve a recompensa de profeta.

Elias é o profeta amadíssimo do povo, pois é o profeta da água e do pão. Na terra onde nasci, no dia da festa do padroeiro (Santo Estêvão), ainda hoje, o pároco dá um pequeno pãozinho a cada fiel. Tradição muito antiga, que mostra o valor do pão num mundo pobre – nenhum preço alcança este valor. O pão é a primeira oferta para os pobres. O episódio da viúva de Sarepta diz-nos também uma outra coisa: o pão é também a primeira oferta dos pobres. Como oito séculos mais tarde, o milagre da multiplicação dos pães foi possível porque um pobre fez a sua parte, dando tudo quanto tinha. O cêntuplo é conhecido apenas pelos pobres e por quem dá tudo. É um pouco-tudo que consegue tornar-se “cem vezes mais”. O pouco de muito não se multiplica; quando muito, soma-se. A providência chega apenas à ânfora vazia e à panela sem farinha – nem sequer um momento antes, porque precisa do espaço infinito do nada.

Os profetas dão-nos muitas coisas, mas, primeiro, se somos pobres, devem dar-nos água, farinha, azeite. E nós reconhecê-los-emos ao partir do pão.

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Profecia é história / 11 – Na lógica do Deus dos profetas, o que é dado é recebido e multiplicado

por Luigino Bruni

publicado em Avvenire em 11/08/2019

«Partir um pão, ouvir um quarteto de Mozart, caminhar debaixo duma chuva divertida; neste momento, há seres a quem não é permitido fazer coisas tão simples – porque estão doentes, porque estão na prisão ou porque são tão pobres que, para eles, um pão vale uma fortuna»

Christian. Bobin Mozart e a chuva

Com o início do ciclo de Elias, entramos nos episódios entre os mais belos e amados da Bíblia, que tanto inspiraram os Evangelhos. E temos a confirmação da necessidade de “sair”: quando a fé é ameaçada do exterior é nesse exterior que deve começar a salvação.

Existe uma amizade profunda entre os pobres e os profetas. Na terra, existem poucos espetáculos mais belos que o de pobres que partilham a sua mesa com o profeta/hóspede que passa e os abençoa. O pão dos pobres é o primeiro alimento dos profetas que, se deixam de o comer, começam a perder a profecia e a alma.

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O pão dos pobres é abençoado

O pão dos pobres é abençoado

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Profecia é história / 10 – O equilíbrio nem sempre é virtude e as bênçãos estão também nos pormenores

por Luigino Bruni

publicado em Avvenire em 04/08/2019

«A voz do Senhor retorce os carvalhos, despoja as árvores dos bosques. No seu santuário todos exclamam: “Glória!”»

Salmo 29

As perguntas difíceis e descabidas que os escritores bíblicos fizeram à história, continuam a gerar uma leitura capaz de fazer ressurgir aquela mesma história. Como no pormenor que resgata o triste acontecimento de um menino que morre.

O equilíbrio é, geralmente, uma virtude mas, como todas as virtudes, se absolutizado, também o equilíbrio se torna vício. Durante as crises ética e espirituais, apenas escolhas equilibradas nos podem salvar. Dietrich Bonhoeffer não foi equilibrado quando, em fevereiro de 1938, decidiu entrar no grupo conspirador antinazi do almirante Canaris. Os seus colegas teólogos, mais equilibrados, encontraram muitas razões de prudência para assistir passivos ao horror e tornaram-se cúmplices. Esse comportamento desequilibrado gerou, na prisão, talvez a teologia mais profética do século XX. E foi um outro comportamento imprudente e desequilibrado a gerar o Gólgota e o sepulcro vazio.

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A Bíblia não foi escrita por um grupo de intelectuais imparciais e equilibrados. A comunidade de escribas, que narrou esta história de Israel, era parte da história que narrava, e era uma parte alinhada. Escrevia para fazer ressurgir o passado dentro dum presente ferido e exilado. Por isso, era parcial, partidária, a ponto de intervir nas fontes com ações que nós, modernos, consideramos incorretas. O mérito daqueles escribas que compuseram a grande história de Israel, do Génesis aos Livros dos Reis, foi propor uma leitura forte e, por isso, parcial da sua desventura. Quando temos de compreender e convencer-nos que a nossa história de amor acabou, podemos ler as cartas dos advogados e as sentenças do juiz, mas, para o compreender verdadeiramente, é preciso um exercício espiritual da memória, que saiba identificar poucos momentos, palavras, gestos, porque, nas histórias importantes, nem todas as palavras e dias são iguais. Se queremos compreender o que aconteceu à nossa comunidade desanimada e murcha, podemos e devemos ler as atas dos conselhos, as estatísticas e os anais oficiais; mas, para o compreender verdadeiramente, temos de aprender a ler outras atas, interpretar os sinais ténues que nos fugiram, ligar algumas palavras erradas, pronunciadas em determinados momentos, perdões que faltaram, pecados de soberba e de poder. E, uma vez identificada uma chave de leitura, experimentar agir sobre ela para mudar e ressurgir, conscientes que aquela chave é parcial, é exagerada, é desequilibrada.

As comunidades ideais constituídas à volta de uma promessa, durante e depois dos exílios, devem aprender a fazer perguntas radicais à sua história. E se o não fazem, o exílio torna-se infinito. Estas perguntas são essenciais, mesmo quando as respostas são inadequadas e insuficientes (como, por vezes, são as dos redatores dos livros históricos). Como chegámos a isto? Como fomos reduzidos a esta condição? Onde errámos? Quando e porquê a aliança se quebrou? Se a Bíblia chegou viva até nós, se de um “resto” nasceu, séculos depois, Jesus de Nazaré, isto aconteceu porque uma alma verdadeira daquele povo soube fazer a si mesmo e a Deus, perguntas difíceis e desequilibradas. Salvamo-nos sobretudo e talvez exclusivamente, se, nas cinzas, aprendemos a formular perguntas radicais, porque são estas que nos acompanham e alimentam, enquanto o tempo passa, a dor aumenta e as respostas não chegam.

O grande tema que ocupa os capítulos 12-16 do primeiro Livro dos Reis, são as razões do cisma do Reino do Norte e as vicissitudes dos primeiros reis dos dois reinos. Alguns dados históricos úteis: as descobertas da arqueologia, nas terras da Bíblia e nas áreas limítrofes, mostram uma história diferente – por vezes, muito diferente – da relatada nestes capítulos. Estes contam-nos que, depois da libertação do Egipto, pela ação de Moisés, e depois da ocupação militar da Terra Prometida, com Josué, as doze tribos da Jacob-Israel conheceram um desenvolvimento progressivo, até à instituição da monarquia de Saul, David e, por fim, Salomão, quando o reino atinge o seu máximo bem-estar e extensão geográfica de Norte a Sul. Esta “idade de ouro” termina com o cisma de Jeroboão, que desencadeia uma decadência que atingirá o seu auge com a ocupação babilónica e o exílio. A rotura da unidade nacional foi consequência da punição de YHWH pela idolatria e pela corrupção do Reino do Norte (Israel). Os dados extra-bíbicos (sobre os quais, uma leitura ótima é o texto de Mario Liverani, Para Além da Bíblia) e as descrições encontradas nalgumas estelas, dizem-nos coisas diferentes. Em primeiro lugar, é já quase certo que algumas das tribos fossem já autóctones da região palestiniana, séculos antes do tempo de Josué e da monarquia. O crescimento do Reino de Israel foi uma unificação/conquista de clãs que foram anexadas a um núcleo israelita relativamente pequeno, no início (note-se que o território das doze tribos, no seu conjunto, era do tamanho das Marche - região de Itália), que correspondia talvez só às tribos de Efraim e Benjamim – no Norte, portanto – enquanto o Sul (Judá) seria de formação mais recente. Uma figura chave no processo de alargamento do reino seria a de Omeri (século IX), o fundador da Samaria, a quem a Bíblia dedica apenas algumas linhas (1Rs 16, 22-28). Omeri foi tão importante que, durante muito tempo depois da destruição da sua dinastia, continuava a falar-se da “Casa de Omeri”, para indicar o povo de Israel.

Todavia, os dados recentes colocam em crise o relato Bíblico de um único reino, depois dividido em dois, afirmando que o reino unido de David-Salomão teria sido uma idade de oiro mítica, mas não histórica – e que talvez algumas das façanhas atribuídas, pela Bíblia, a David, fossem, na realidade, façanhas de Omeri. Além disso, toda a narração do livro de I Reis é composta na perspetiva do Reino do Sul, donde emerge uma leitura muito negativa dos reis do Norte, acusados de idolatria. Na realidade, é muito provável que os reis do Norte não fossem mais idólatras que os do Sul. Mas, como acontece frequentemente, a Bíblia conserva também alguns vestígios de outras tradições “nórdicas” (vimo-lo, a seu tempo, com a história de Saul), donde ressaltam outras razões do cisma (entre outras, o conflito natural dos países que se desenvolvem verticalmente).

É dentro desta explicação parcial, assente na infidelidade do Reino do Norte, que é lido também o relato, tremendo e belíssimo, da visita da mulher do rei ao profeta Aías: «Por essa altura, Abias, filho de Jeroboão, caiu doente. Jeroboão disse pois à sua esposa: “Levanta-te, por favor, disfarça-te, para que não reconheçam que és a mulher de Jeroboão, e vai a Silo; lá se encontra Aías, o profeta… Leva contigo dez pães, bolos e um pote de mel e vai ao seu encontro. Ele te contará o que está para acontecer ao rapaz”. A esposa de Jeroboão assim fez. Levantou-se e foi a Silo, à casa de Aías. Ele já não conseguia ver; por causa da velhice» (1Rs 14, 1-4): Jeroboão conhece o profeta e sabe que ele é conhecedor da sua idolatria e, por isso, faz disfarçar a sua mulher. Mas o profeta reconheceu-a pelo modo como caminhava: «Aías, ao ouvir o ruído dos seus pés, quando ela chegava à sua porta, disse-lhe: “Entra, ó mulher de Jeroboão; porque é que te queres fazer passar por outra? Eu fui enviado para te dar uma dura noticia”» (14, 6). A notícia é um tremendo oráculo de maldição: «Vou lançar uma desgraça sobre a casa de Jeroboão… Quando alguém de Jeroboão morrer na cidade, hão de comê-lo os cães; e quando alguém morrer no campo, comê-lo-ão as aves do céu» (14, 10-11). Depois, acrescenta a frase mais tremenda de todas: «E tu levanta-te, vai para tua casa; mal teus pés entrem na cidade, morrerá o menino» (14, 12). A mulher partiu e, «quando chegou ao limiar da porta de casa, o menino morreu» (14, 17). O menino Abias morreu. De vez em quando, a Bíblia usa a morte das crianças para dar uma mensagem aos pais e a nós. É a sua linguagem. Mas nós não podemos avançar sem estar, um pouco, debaixo das cruzes destes inocentes, na Bíblia e na vida.

Uma mulher disfarçada, por ordem do marido, para tapar a sua vergonha. Aqui, não é o rei a disfarçar-se, como aconteceu com Saul, que se dirigiu à nigromante de Endor (1Sam 28), num outro episódio maravilhoso. O rei fica em casa e pede à sua mulher para se disfarçar e envia-a. O texto não nos fala de culpas desta mulher de Jeroboão, mas é ela que executa a parte mais difícil nesta tragédia. Disfarça-se para esconder a vergonha do marido – quantas vezes o vemos, nas nossas famílias ou nas nossas empresas, quando é uma mulher que “se disfarça” por uma vergonha não sua e vai falar com advogados, banqueiros, juízes, para esperar obter uma boa notícia.

Esta mulher, esta rainha, não diz uma única palavra neste relato escrito por homens para homens, onde se comunica a morte de um filho com insuficiente pietas – como, e com que palavras, teria dado esta notícia uma profetiza? Fazendo à Bíblia estas perguntas, crescerá connosco. Uma mãe mascarada, enviada a um profeta, usada como mensageiro, a quem não é dado o direito de palavra nem de exprimir as suas emoções. Ao texto, não interessa como aquela mulher reage à condenação à morte do seu filho, não nos diz se implorou ao profeta para pedir ao seu Deus para mudar de ideias – aquela mãe, certamente, tê-lo-á feito, porque as mulheres fazem-no todos os dias, há milénios. Pelo contrário, o profeta limita-se a dizer: «diz a Jeroboão», como se aquela vida sacrificada fosse um assunto entre homens, sem a reconhecer, no seu ser mãe, naquela “má notícia” que lhe estava a dar. Há também esta desumanidade, na Bíblia; não o devemos esquecer.

Mas, nesta história tremenda, a Bíblia faz-nos “ver” um pormenor da mulher: os seus pés. Nos pormenores, não se esconde apenas o diabo. Como nas origens da criação, onde neles está Deus e não o grande divisor, nos pormenores da Bíblia, de vez em quando, escondem-se também as bênçãos que, por vezes, resgatam maldições. O profeta ouve o “rumor dos passos dela”; quando “os teus pés chegarem à cidade, o menino…”; ao “ultrapassar” o limiar da porta de casa, o menino…”. Os momentos determinantes deste relato são marcados e medidos pelo movimento dos pés da mulher.

A Bíblia e os Evangelhos estão povoados por mulheres que caminham, movimentam-se mudam-se, e, quase sempre, “depressa”. Maria “dirigiu-se apressada” para Isabel; Maria de Betânia vai “apressada” ao encontro de Jesus para lhe dar a notícia da morte de Lázaro; e “abandonando depressa o sepulcro, com temor e alegria, as mulheres correram a dar a notícia aos seus discípulos”. Caminham e correm; amam com as mãos e com os pés, que conhecem porque cuidaram deles: “Maria era a que ungiu com perfume o Senhor e enxugou os pés com os seus cabelos”. Este tipo de ágape chama-se Maria.

A fé e a piedade continuam o se curso no mundo, porque homens e mulheres continuam a correr ao longo da vida. E, nesta corrida comum, os pés das mulheres correm de modo diferente e mais.

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«A voz do Senhor retorce os carvalhos, despoja as árvores dos bosques. No seu santuário todos exclamam: “Glória!”»

Salmo 29

As perguntas difíceis e descabidas que os escritores bíblicos fizeram à história, continuam a gerar uma leitura capaz de fazer ressurgir aquela mesma história. Como no pormenor que resgata o triste acontecimento de um menino que morre.

O equilíbrio é, geralmente, uma virtude mas, como todas as virtudes, se absolutizado, também o equilíbrio se torna vício. Durante as crises ética e espirituais, apenas escolhas equilibradas nos podem salvar. Dietrich Bonhoeffer não foi equilibrado quando, em fevereiro de 1938, decidiu entrar no grupo conspirador antinazi do almirante Canaris. Os seus colegas teólogos, mais equilibrados, encontraram muitas razões de prudência para assistir passivos ao horror e tornaram-se cúmplices. Esse comportamento desequilibrado gerou, na prisão, talvez a teologia mais profética do século XX. E foi um outro comportamento imprudente e desequilibrado a gerar o Gólgota e o sepulcro vazio.

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Os pés diferentes das mulheres

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Profecia é história / 10 – O equilíbrio nem sempre é virtude e as bênçãos estão também nos pormenores por Luigino Bruni publicado em Avvenire em 04/08/2019 «A voz do Senhor retorce os carvalhos, despoja as árvores dos bosques. No seu santuário todos exclamam: “Glória!”» Salmo 29 As pergun...
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Profecia é história / 9 – Os profetas tentadores falam a mesma língua que os honestos

por Luigino Bruni

publicado em Avvenire em 28/07/2019

«Alguém me disse: não acordaste para a vigília, mas para um sonho anterior. Este sonho está dentro de um outro, assim, até ao infinito. A estrada que tens de percorrer às arrecuas é interminável e morrerás antes de acordar verdadeiramente. Um homem confunde-se, gradualmente, com a forma do seu destino

Jorge Luis Borges, La scrittura del dio

Pode-se ser profetas verdadeiros, mesmo sem virtudes, mas não sem obediência à missão recebida. Este é um dos sentidos da parábola dos dois profetas dos Livros dos Reis. Um outro sentido é que só os profetas verdadeiros podem perder o caminho.

Na vida, as motivações contam; algumas contam muito. Explicam-nos as traições, as fidelidades e as infidelidades, aumentam ou reduzem as responsabilidades. É verdade; sabemo-lo e reaprendemo-lo todos os dias, na nossa pele e na dos outros. Mas, nalguns acontecimentos, verdadeiramente decisivos, os comportamentos contam mais que as motivações. Posso dar-te e dar-me todas as razões por que, naquele dia, decidi ouvir uma voz que me levou para longe de ti, mas o que verdadeiramente conta é que saí de casa e não voltei mais. A parábola do profeta desobediente e do profeta mentiroso nos conta com rara beleza.

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Chegámos a um acontecimento central da história de Israel. O Reino de David e de Salomão divide-se, a terra da promessa parte-se em duas. As tribos do Norte (Israel) separam-se da de Judá. O Norte do país segue um novo rei, Jeroboão, enquanto o Sul permanece com Roboão, filho de Salomão. O princípio do cisma é marcado pela ação de um profeta, de nome Chemaías – os nomes dos profetas são sempre ditos, porque pronunciá-los é uma bênção. «Foi então que a palavra de Deus foi dirigida ao homem de Deus Chemaías, dizendo: “Fala a Roboão… Assim fala o Senhor: ‘Não façais guerra contra os vossos irmãos, os filhos de Israel!’” Eles ouviram as palavras do Senhor e voltaram para trás» (1Rs 12, 22-24).Os profetas continuam a salvar o povo de fratricídios. E dois profetas são os protagonistas de um dos textos mais misteriosos da Bíblia.

«Estando Jeroboão de pé diante do altar para apresentar um sacrifício, eis que vem de Judá a Betel, por ordem do Senhor, um homem de Deus» (13, 1). Um profeta (“um homem de Deus”), do Sul, dirige-se, «por ordem de YHWH», ao Norte, para transmitir a Jeroboão uma palavra de YWHW, sobre a futura destruição do altar de Betel (13, 2) e para realizar um sinal: «Este é o sinal que o Senhor pronunciou: Eis que o altar vai abrir fendas; e vai espalhar-se a cinza que está sobre ele!» (13, 3). Jeroboão levanta a mão tenta detê-lo (13, 4), mas a mão secou. O rei pede ao profeta que a sua mão sare e consegue. Assim, «o rei falou ao homem de Deus: “Vem comigo a minha casa para te restabeleceres e dar-te-ei um presente”» (13, 7). O profeta responde: «Nem que me desses metade da tua casa, eu não iria contigo! E não comerei o pão nem beberei água neste lugar. Pois tal é a ordem que recebi do Senhor, que me disse: ‘Não comerás pão, não beberás água nem regressarás pelo caminho por onde foste’» (13, 8-9). Fecha-se a primeira cena: o profeta recusa a oferta do presente (os presentes dos poderosos são sempre perigosos) e revela a ordem que tinha recebido de YHWH. E obedece à “ordem”.

Segunda cena: «Morava em Betel um profeta idoso; seus filhos vieram ter com ele e contaram-lhe tudo quanto fizera nesse dia o homem de Deus, em Betel» (13, 11). O velho profeta de Betel foi ao encontro do profeta de Judá. Disse-lhe: «“És tu o homem de Deus que veio de Judá?” Ele respondeu: “Sou eu mesmo”» (13, 14). O velho profeta faz-lhe a mesma oferta do rei: «Vem comigo à minha casa, comer um pouco de pão» (13, 15). E obtém a mesma resposta: «Não posso voltar atrás nem ir contigo; não comerei pão, nem beberei água contigo neste lugar. É que o Senhor dirigiu-me a palavra para que não comesse pão aqui nem bebesse água, nem voltasse pelo mesmo caminho por onde vim para aqui» (13, 16-17). Até aqui, a história tem a sua lógica: o profeta de Judá está a desempenhar a sua missão, fiel à ordem.

Mas eis uma viragem narrativa: «Disse-lhe então: “Também eu sou profeta como tu, e um anjo disse-me: Palavra do Senhor: ‘Fá-lo voltar contigo para tua casa e fá-lo comer pão e beber água’». E, imediatamente, o texto acrescenta: «Ele mentia-lhe!» Mas o profeta de Judá «voltou com ele, comeu pão em sua casa e bebeu» (13, 18-19). O velho profeta diz uma mentira – na tradição aramaica da Bíblia hebraica (o Targum), o velho profeta é, constantemente, chamado “mentiroso”. Não sabemos o porquê desta mentira. O profeta de Judá, acredita na palavra do profeta de Betel (13, 19) e na nova “ordem” e, portanto, obedece recebida de Deus. Esta ação é tudo o que conta a história.

Mas eis uma segunda viragem: «Ora quando eles estavam sentados à mesa, a palavra de YHWH foi dirigida ao profeta que o tinha feito voltar. E o velho profeta clamou ao homem de Deus que tinha vindo de Judá, dizendo: “Assim fala o Senhor: Já que desobedeceste ao Senhor e não guardaste a ordem que o Senhor Deus te deu… o teu cadáver não regressará ao túmulo dos teus pais”» (13, 20-22). O profeta mentiroso recebe um oráculo de Deus autêntico, que condena o profeta de Judá.

De facto, mal estes retomam o caminho, o relato sofre uma terceira torsão: «Pelo caminho encontrou um leão, que o matou; o seu cadáver ficou estendido no caminho» (13, 24). Sabendo do sucedido, o profeta de Betel disse: «Este é o homem de Deus que desobedeceu ao Senhor; o Senhor entregou-o ao leão que o dilacerou e matou, segundo a palavra que o Senhor lhe dissera» (13, 26). Com esta morte, o velho compreende a autenticidade do profeta desobediente e também da sua própria palavra, confirmada também com o inatural comportamento do animal («O leão não devorara o cadáver nem tinha quebrado um osso ao jumento» 13, 28). Um outro episódio bíblico, onde os animais se tornam aliados de Deus e falam aos profetas.

De facto, é importante a conclusão que contém a última surpresa da história: «O profeta tomou o cadáver do homem de Deus, pô-lo sobre o jumento e levou-o… Depois de tê-lo sepultado, falou aos seus filhos, dizendo: “Quando eu morrer… poreis os meus ossos ao lado dos ossos dele». E conclui: «Mas tem de se cumprir inexoravelmente a ameaça que ele gritou como palavra do Senhor contra o altar que está em Betel» (13, 29-32). A morte do profeta e as circunstâncias fazem compreender ao velho profeta a verdade da palavra levada pelo profeta desobediente. O profeta morre; a sua mensagem, se é verdadeira, não.

Um relato esplêndido. A Bíblia continua a dar-nos presentes imprevistos. Qual o sentido desta parábola? Não o sabemos com certeza. Provavelmente, como sugeriu Karl Barth, a colocação do relato no início do cisma de Israel, revela uma mensagem ligada a este grande trauma. Não é de excluir que o profeta do Norte simbolizasse Israel e o de Judá o reino do Sul e o leão seja imagem de Nabucodonosor que “mata” a tribo de Judá sem a devorar (mas deportando-a) e ela, enquanto “morre”, mostra a verdade da sua missão e da mensagem.

Mas este relato pode conter também uma gramática das vocações proféticas e também de todas as vocações. De facto, o tema mais apaixonante diz respeito à obediência a um chamamento, à fidelidade a uma missão. Em toda a parábola profética, ao autor não interessam as motivações dos personagens. Contam as ações. Não sabemos porque o rei convidou o profeta para casa, porque um velho profeta mente, nem porque o profeta de Judá acredita na mentira. É precisamente nesta laicidade dos factos onde se esconde a pérola do relato.

Nas vocações, contam os comportamentos. As vocações são, essencial e exclusivamente, uma ordem de uma voz e uma outra voz responde “eis-me aqui” (tinha acrescentado “livremente” mas, depois, apaguei-o; a liberdade é demasiado pouco para compreender uma vocação, porque é destino). Quando encontrei uma voz que me dá uma “ordem”, o que verdadeiramente conta é obedecer àquela ordem. Deve-se fazer apenas isso; o resto – que também há – não conta. E, se o não faço, porque acredito num anjo ou porque um velho profeta me engana e me seduz, a vocação vai mal. Este relato dos dois profetas diz-nos também outra coisa: a vocação vai mal, mesmo se é verdadeira. A desobediência é o fracasso dos profetas verdadeiros – os falsos profetas não podem desobedecer, porque não receberam nenhuma missão. Só os profetas verdadeiros perdem o caminho – esta parábola está cheia de palavra ligadas à estrada: andar, voltar, regressar, caminho.

Nós, tudo fazemos para transformar as vocações em assuntos morais e a Bíblia continua a repetir-nos que são outra coisa. São partir de Judá com uma mensagem recebida como ordem, partir porque quando uma voz chama só se pode partir; anunciar a mensagem, não aceitar as ofertas dos poderosos, nem sequer “metade do seu reino”; depois, prestar muita atenção ao caminho, porque nem todos os caminhos são bons. E, enquanto se volta para casa, não escutar nem os profetas nem os anjos de Deus, se nos dizem para fazer algo de diferente da missão que recebemos. Esta é a tentação mais difícil, muito mais difícil que as ofertas dos reis e dos poderosos, porque os profetas tentadores falam a mesma linguagem que os honestos. O velho profeta não era, necessariamente, um falso profeta. Podia ser, simplesmente, só um profeta mentiroso (também os profetas verdadeiros fazem pecados e dizem mentiras). À Bíblia, não interessa falar-nos das virtudes do velho profeta, mas descrever-nos a história do fracasso de uma vocação profética verdadeira – mas não da mensagem.

A morte do profeta está inscrita na sua desobediência. Aquele homem de Deus, vindo de Judá, para a Bíblia, já estava profeticamente morto quando o leão o encontrou no caminho errado: o leão mata um profeta morto – e, por isso, não havia nada para devorar, porque as vocações não são carne comestível. A obediência é a primeira virtude dos profetas, talvez a única verdadeiramente necessária. Um profeta pode ser mau, mentiroso, viciado, mas morre se deixa de obedecer ao seu desatino e à sua missão. Conheci profetas que, no fim da vida, levaram consigo apenas a obediência: tinha-se extinguido tudo, até mesmo o ágape, e chegaram ao céu levando a obediência à primeira voz como a sua única, maravilhosa, herança.

Os livros dos Reis não dão um nome a estes dois profetas. O historiador hebreu, Flávio Josefo, pelo contrário, dá um nome a esse profeta falhado, vindo do Sul para responder a uma voz: Jadon. Chamamo-lo, uma última vez, pelo nome porque também um profeta falhado pode guardar uma bênção.

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Profecia é história / 9 – Os profetas tentadores falam a mesma língua que os honestos

por Luigino Bruni

publicado em Avvenire em 28/07/2019

«Alguém me disse: não acordaste para a vigília, mas para um sonho anterior. Este sonho está dentro de um outro, assim, até ao infinito. A estrada que tens de percorrer às arrecuas é interminável e morrerás antes de acordar verdadeiramente. Um homem confunde-se, gradualmente, com a forma do seu destino

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Pode-se ser profetas verdadeiros, mesmo sem virtudes, mas não sem obediência à missão recebida. Este é um dos sentidos da parábola dos dois profetas dos Livros dos Reis. Um outro sentido é que só os profetas verdadeiros podem perder o caminho.

Na vida, as motivações contam; algumas contam muito. Explicam-nos as traições, as fidelidades e as infidelidades, aumentam ou reduzem as responsabilidades. É verdade; sabemo-lo e reaprendemo-lo todos os dias, na nossa pele e na dos outros. Mas, nalguns acontecimentos, verdadeiramente decisivos, os comportamentos contam mais que as motivações. Posso dar-te e dar-me todas as razões por que, naquele dia, decidi ouvir uma voz que me levou para longe de ti, mas o que verdadeiramente conta é que saí de casa e não voltei mais. A parábola do profeta desobediente e do profeta mentiroso nos conta com rara beleza.

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Profecia é história / 8 – A corrupção dos sábios é diferente, grande, como o bem que se estraga

por Luigino Bruni

publicado em Avvenire em 21/07/2019

«Na vida dos imperadores, há um momento, a seguir ao orgulho pela largura sem fim dos territórios que conquistaram, à melancolia e ao alívio por saber que em breve renunciaremos a conhecê-los e a compreendê-los; um sentido como de vazio que nos apanha uma tarde, com o cheiro dos elefantes depois da chuva e da cinza da sandália que se refresca nos braseiros; … é o momento desesperado em que se descobre que este império que lhe parecia a suma de todas as maravilhas é um desastre sem fim nem forma, que a sua corrução está demasiado gangrenosa para que o nosso cetro o possa restaurar

Italo Calvino, Le città invisibili, Introduzione

A história do declínio de Salomão contém um dos ensinamentos antropológicos mais preciosos da Bíblia e continua a inspirar-nos na sua dramaticidade: o nosso talento mais belo pode transformar-se na causa da nossa ruína.

A corrupção dos justos é diferente da dos malvados. Há uma corrução de quem, por muitas razões (e nem todas culpáveis) sempre viveu rodeado de malvadez. Cresceu com um coração cultivado por pensamentos e ações más que esmagaram os sentimentos bons e verdadeiros que se albergam em todos os corações humanos. Estas pessoas são raras, mas sempre existiram e existem. A sua corrução é muito perigosa e provoca muito mal e muita dor. Mas também existe a corrução dos justos, até mesmo dos sábios, que é tanto maior e mais grave quanto maiores foram a justiça e a sabedoria. A Bíblia também nos fala deste segundo tipo de corrução. A história do declínio moral de Salomão está entre os mais célebres. Esta corrução, na narração, chega depois da descrição do máximo sucesso de Salomão; mas, vendo bem, no texto e em toda a Bíblia, damo-nos conta que a corrução moral do rei mais sábio já tinha começado com o crescimento do seu sucesso político e da sua riqueza: «O peso de ouro que anualmente chegava às mãos de Salomão atingia os seiscentos e sessenta e seis talentos, sem contar o tributo que recebia dos grandes e pequenos comerciantes… O rei tinha no mar uma frota de naus de Társis a navegar com a frota de Hiram… O rei Salomão tornou-se o maior de todos os reis da terra, em riqueza e sabedoria» (1Rs 10, 14-23). Aqui, ainda tudo fala de riqueza e de sabedoria, como se fossem duas faces da mesma medalha, como se o bem-estar (shalom) de Salomão fosse o efeito da sua sabedoria. De facto, na Bíblia, há uma alma que lê a riqueza como bênção de Deus que, assim, liga estreitamente, entre si, o sucesso económico-político e justiça (veja-se o livro de Job). Mas, na própria Bíblia, a tradição profética e uma linha teológica presente também na escola de escribas que, durante o exílio babilónico, escreveu grande parte dos Livros dos Reis, veem a acumulação de riqueza e o crescimento do poder político num modo muito mais problemático.

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Portanto, se lermos nas entrelinhas da descrição da magnificência e grandeza de Salomão, aparece imediatamente um grande contraste entre a descrição daquele reino e de quanto, no Deuteronómio da Lei de Moisés, se recomendava aos reis de Israel: «O rei não acumulará ouro e prata em excesso» (Dt 17, 17). Os escribas que descrevem as riquezas de Salomão eram os mesmos que estavam a escrever o livro do Deuteronómio que, recorrendo à lei mosaica, a autoridade máxima, criticava aquelas mesmas riquezas. Conheciam os textos de Isaías (cap. 23) e de Ezequiel (cap. 26-27) que tinham condenado os grandes negócios com Tiro (de que Hirem era rei), uma cidade comercial, tornada rica e poderosa pelas suas trocas comerciais e pela finança. Nunca devemos esquecer que estes textos bíblicos foram escritos na Babilónia, também ela uma superpotência comercial e financeira, com grandes empresas e grandes bancos. Aqueles profetas e aqueles escribas viam, em direto, os frutos das muitas riquezas: a usura, as dívidas, os escravos por insolvência. Não por acaso, foi durante o exílio que o povo hebreu começou a elaborar a sua legislação única sobre a proibição de emprestar com juros e sobre o shabbat, como utopia de um tempo livre da lei das riquezas e do poder. A proibição de juros e o shabbat nasceram no exílio para dizer não a uma economia que mata e exclui e sim a uma economia da vida e da comunhão. Na Babilónia, os profetas e uma escola de escribas aprenderam, portanto, a vaidade das riquezas e a sua capacidade de extraviar e corromper a todos. Também quem, como Salomão, tinha recebido a riqueza de Deus como prémio por ter pedido apenas a sabedoria (cap. 3) E, assim, enquanto aqueles escribas nos descrevem a riqueza desproporcionada de Salomão, mostram-nos também as térmitas invisíveis que já estão a corroer os alicerces daquele reino e do próprio templo que aquela grande riqueza tinha construído.

Nunca nos devemos deixar distrair nem confundir com uma leitura superficial ou demasiado moderna de quanto lemos no início do capítulo 11, sobre as razões do declínio de Salomão: «O rei Salomão amou muitas mulheres estrangeiras: a filha do Faraó e além disso moabitas, amonitas, edomitas, sidónias e hititas… Salomão uniu-se a elas por amor. Teve setecentas esposas de sangue nobre e trezentas concubinas. Foram as suas mulheres que lhe perverteram o coração» (11, 1-3). Aquelas muitíssimas mulheres chegaram ao harém e à corte de Salomão após alianças políticas, essenciais naquelas culturas, para criar impérios sólidos e duradouros – até tempos recentes, as mulheres eram também os primeiros instrumentos da política: convém sempre parar nestes pormenores do texto, para não perder sequer uma migalha daquelas dores e deixar-se chamar por elas. Chegando junto de Salomão, aquelas mulheres levavam a sua cultura e também a sua religião. Fazia parte das alianças políticas, com os seus pais e parentes, permitir às mulheres (pelo menos às das casas mais poderosas) poder continuar, em Jerusalém, os cultos da sua pátria. Eis, portanto, a multiplicação de altares a deuses e deusas estrangeiras, entre as quais Astarte, a deusa mais importante do panteão fenício e Milcom, deus dos amonitas, a quem, talvez, se sacrificavam também crianças.

Não sabemos se Salomão fosse verdadeiramente um “filogínico” (na versão grega da Bíblia), isto é, um mulherengo ou um “amante de mulheres”, no sentido em que era seu pai (pense-se no efeito que Betsabé teve sobre David, quando tomava banho), e se a luxúria fosse uma razão da sua decadência. O que mais interessa aos autores desta narração é a dimensão religiosa daquele declínio que, no mundo bíblico, é algo muito mais sério que a luxúria e as alianças políticas.

De facto, não por acaso, o texto repete, aqui, duas vezes, uma palavra-chave na história e na missão de Salomão: o coração (leb). No princípio do seu reinado, no maravilhoso sonho vocacional, o jovem Salomão tinha pedido a YHWH apenas “um coração que saiba escutar”, o pedido mais bonito que um soberano tinha dirigido a um Deus. Aquele coração em escuta tinha-o tornado sábio, conhecido por toda a parte pela sua sabedoria e, assim, também rico e poderoso. Mas foi esse mesmo coração, o centro da sua vocação, o verdadeiro talento preciosíssimo que tinha recebido da vida e de Deus, que, pouco a pouco, se tinha transformado até ficar doente e corromper-se.

Aqui está uma grande mensagem da antropologia bíblica. Quando, por uma aliança política ou pelo fascínio de uma mulher lindíssima, se infringe uma aliança que era o centro da própria vocação, estamos no plano dos efeitos e não no das causas. O ato concreto da traição com que se quebra um pacto matrimonial é o efeito de algo que já tinha começado, no coração, tempos antes, quando, para crescer na riqueza e/ou no poder tínhamos começado a construir outros altares dentro da alma, a consentir que outros deuses entrassem na intimidade de uma aliança exclusiva. Se já não tivesse introduzido em casa um altar, nunca teria um lugar onde consumar a traição.

Mas há mais. O que, em adultos e idosos, nos corrompe é, frequentemente, o grande dom que recebemos em jovens. As grandes doenças morais e espirituais são sempre doenças autoimunes. Os vírus e as bactérias que chegam de fora e tocam a alma trazem sofrimentos, provas, dificuldades, que fazem mal e provocam danos, mas não são capazes de transformar o coração de carne num coração de pedra. Agem na superfície, não entram nas medulas. As alquimias do coração são produzidas não pelo que “entra” no homem, mas pelo que já lá estava e que, dia após dia, sofreram uma lenta transformação e, depois, uma perversão. É o nosso talento mais bonito que se torna o primeiro agente da nossa corrupção; é a nossa maior bênção a tornar-se a nossa maldição. Como acontece com as neuroses, quando o que adoece não é a sombra, mas é a luz que, depois, uma vez adoecida, se escurece e nos escurece numa noite densíssima, tanto mais densa quanto maior era a primeira luz.

Nas vocações espirituais, por exemplo, é o coração especial que, quando jovem, fora capaz de acolher no seu infinitamente pequeno, uma presença de grandeza infinita, a excelência espiritual que conseguira compreender a inefável subtil voz de silêncio, que um dia – dia após dia e quase sem o ter decidido com um ato intencional – usa aquela mesma capacidade de infinito e aquela excelência espiritual para começar a ouvir outras vozes e outros silêncios, para construir outros altares, talvez para amar e respeitar novas relações encontradas ao longo do caminho.

As grandes heresias e os grandes cismas na comunidade chegam das pessoas com grandes vocações; os maiores negadores de Deus são os que o conheceram e o viram muito de perto, porque só os grandes amantes podem odiar muito. O traidor não chega de fora; é um dos doze e não sabemos se Judas era um dos mais geniais e dotados do grupo (talvez sim: se não fosse por outra coisa, era o ecónomo).

YHWH tinha falado «duas vezes» a Salomão (11, 9), mas nem esta excedência foi suficiente para evitar a traição. Não foi suficiente, também porque Salomão não se deu conta do momento exato em que começou a sua corrupção nem quando transpôs o limiar crítico e o processo de corrupção se tornou irreversível. Acontece assim, muitas vezes. O verdadeiro drama de toda a vocação autêntica que se estraga é o não saber reconhecer o momento de premir o gatilho da degeneração do coração. Talvez se, em vez de ter setecentas mulheres, Salomão tivesse apenas uma, esta saberia decifrar aquele início invisível nos olhos ou na alma do rei e talvez o tivesse salvado.

Também não sabemos reconhecer a aurora do declínio; frequentemente o confundimos com o meio-dia. A voz tinha-nos falado duas vezes, talvez dez ou cem, e não a tínhamos acreditado verdadeiramente. Mas, um dia, algo aconteceu, e o coração começou a escutar as pessoas e as coisas erradas, sem o querer nem o saber. Talvez só pudesse ser assim. E se Deus fosse verdadeiramente maior que o nosso coração?

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Profecia é história / 8 – A corrupção dos sábios é diferente, grande, como o bem que se estraga

por Luigino Bruni

publicado em Avvenire em 21/07/2019

«Na vida dos imperadores, há um momento, a seguir ao orgulho pela largura sem fim dos territórios que conquistaram, à melancolia e ao alívio por saber que em breve renunciaremos a conhecê-los e a compreendê-los; um sentido como de vazio que nos apanha uma tarde, com o cheiro dos elefantes depois da chuva e da cinza da sandália que se refresca nos braseiros; … é o momento desesperado em que se descobre que este império que lhe parecia a suma de todas as maravilhas é um desastre sem fim nem forma, que a sua corrução está demasiado gangrenosa para que o nosso cetro o possa restaurar

Italo Calvino, Le città invisibili, Introduzione

A história do declínio de Salomão contém um dos ensinamentos antropológicos mais preciosos da Bíblia e continua a inspirar-nos na sua dramaticidade: o nosso talento mais belo pode transformar-se na causa da nossa ruína.

A corrupção dos justos é diferente da dos malvados. Há uma corrução de quem, por muitas razões (e nem todas culpáveis) sempre viveu rodeado de malvadez. Cresceu com um coração cultivado por pensamentos e ações más que esmagaram os sentimentos bons e verdadeiros que se albergam em todos os corações humanos. Estas pessoas são raras, mas sempre existiram e existem. A sua corrução é muito perigosa e provoca muito mal e muita dor. Mas também existe a corrução dos justos, até mesmo dos sábios, que é tanto maior e mais grave quanto maiores foram a justiça e a sabedoria. A Bíblia também nos fala deste segundo tipo de corrução. A história do declínio moral de Salomão está entre os mais célebres. Esta corrução, na narração, chega depois da descrição do máximo sucesso de Salomão; mas, vendo bem, no texto e em toda a Bíblia, damo-nos conta que a corrução moral do rei mais sábio já tinha começado com o crescimento do seu sucesso político e da sua riqueza: «O peso de ouro que anualmente chegava às mãos de Salomão atingia os seiscentos e sessenta e seis talentos, sem contar o tributo que recebia dos grandes e pequenos comerciantes… O rei tinha no mar uma frota de naus de Társis a navegar com a frota de Hiram… O rei Salomão tornou-se o maior de todos os reis da terra, em riqueza e sabedoria» (1Rs 10, 14-23). Aqui, ainda tudo fala de riqueza e de sabedoria, como se fossem duas faces da mesma medalha, como se o bem-estar (shalom) de Salomão fosse o efeito da sua sabedoria. De facto, na Bíblia, há uma alma que lê a riqueza como bênção de Deus que, assim, liga estreitamente, entre si, o sucesso económico-político e justiça (veja-se o livro de Job). Mas, na própria Bíblia, a tradição profética e uma linha teológica presente também na escola de escribas que, durante o exílio babilónico, escreveu grande parte dos Livros dos Reis, veem a acumulação de riqueza e o crescimento do poder político num modo muito mais problemático.

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A escuta errada do coração

A escuta errada do coração

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Profecia é história / 7 – O mundo permanece cheio de mulheres a caminhar, que sabem ver e compreender

por Luigino Bruni

publicado em Avvenire em 14/07/2019

«Quando Adão sente a aproximação da morte, manda o seu filho Set ao paraíso terrestre. Da Árvore da Vida, Set recebe três rebentos. Os rebentos tornam-se numa árvore maravilhosa que resiste à prova do tempo, até Salomão. Cortada, vem a acabar na ponte do rio Cédron, onde aconteceu o encontro entre Salomão e a rainha de Sabá. A rainha prediz que aquele madeiro está destinado a segurar, um dia, o Messias, no Gólgota

Iacopo da Varazze, Leggenda aurea

A visita da rainha de Sabá revela-nos a gramática do dom e da relação que as mulheres têm com a sabedoria.

Se olharmos com atenção para a nossa economia globalizada, descobrimos que os mercados e as empresas estão cheios de dom e gratuidade. Simplesmente porque a economia é um pedaço de vida e, onde há vida, há também o dom, sempre misturado com outras linguagens. Não conseguimos vê-lo, não sabemos descrevê-lo, mas o dom vive e alimenta a nossa vida e a nossa economia, todos os dias. Acompanha o nosso dia-a-dia, com a sua típica beleza e com as suas ambivalências, que emergem também dos relatos da vida de Salomão, que foi constelada por muitas trocas mercantis e por muitos dons: «Passados, pois, os vinte anos durante os quais Salomão construiu as duas casas, o templo do Senhor e o palácio do rei – Hiram, rei de Tiro, fornecera-lhe as madeiras de cedro e de cipreste, e ouro quanto ele quis – então o rei Salomão deu a Hiram vinte cidades na terra da Galileia» (1Rs 9, 10-11). O texto já nos tinha dito que Salomão, para construir o templo, tinha entrado em contacto com Hiram, que lhe forneceu todo o material especial que ele precisou durante os muitos anos de construção. Uma obra dessa envergadura, que durou muitos anos e com uma grande complexidade, que não permitia prever todos os gastos, os imprevistos e os incidentes, requeria (e requer ainda) uma relação especial com os principais fornecedores que, na linguagem bíblica é definida “aliança” (5, 26).

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Em toda a aliança – comercial matrimonial, política e também militar – aos elementos da condicionalidade e de troca nitidamente comercial (preços, pesos, medidas), juntam-se outros registros relacionais e, entre estes, também os do dom. As próprias escolhas linguísticas do autor revelam-nos este enredo, quando nos mostra uma relação entre Hiram e Salomão, claramente marcada pelo léxico mercantil e, simultaneamente, salpicado por palavras típicas do dom (“doar”, “dar”). Os contratos são muito frágeis para assentar neles as nossas alianças. Há necessidade de uma corda (fides) mais forte, que só pode nascer entrelaçando os fios dos contratos com os do dom – e vice-versa: a simples gratuidade não é suficiente para manter os nossos pactos.

Juntamente com os dons, chegam, necessariamente, as suas típicas ambivalências. «Hiram saiu de Tiro para ver as cidades que Salomão lhe tinha dado; mas não lhe agradaram. E disse: “Que cidades me tinhas tu de dar, meu irmão!” (9, 12-13). Salomão, na troca com Hiram, tinha-lhe prometido algumas cidades como contrapartida, mas, evidentemente, o contrato não estava completo nem a informação perfeita. Aquela recompensa não agrada a Hiram. Protesta com Salomão, que não responde. O episódio termina, portanto, com o desencanto de Hiram, sem réplica de Salomão, dizendo-nos, porventura, que nem todas as incompreensões têm um final feliz, mesmo na construção do templo mais bonito. A segunda parte deste capítulo continua a revelar-nos a gramática do dom (e muito mais), num dos episódios mais conhecidos da Bíblia: a visita da rainha de Sabá. Este relato gerou muitas lendas, que atravessaram toda o medievo europeu e árabe: «A rainha de Sabá, tendo ouvido falar da fama que Salomão alcançara para glória de YHWH, veio pô-lo à prova por meio de enigmas. Chegou a Jerusalém com um séquito muito importante, com camelos carregados de aromas, enorme quantidade de ouro e pedras preciosas. Tendo-se apresentado a Salomão, falou-lhe de tudo quanto trazia na ideia. Salomão respondeu-lhe a tudo; nenhuma questão foi tão enredada que o rei lhe não desse solução» (10, 1-3).

Uma mulher, uma rainha, uma estrangeira e uma pagã, que se dirige a Salomão, à procura da sabedoria – no mundo antigo, resolver um enigma era sinónimo de sabedoria. Ingredientes perfeitos para suscitar, no homem antigo, fascínio e suspeita. Uma rainha ou uma “bruxa” (no Testamento de Salomão), mulher com o pé peludo de cabra ou sábia, Sibila ou mesmo amante de Salomão, de quem teve um filho (Menelik), fundador dos etíopes (em Kebra Nagast). Diversas tradições preencheram os vazios do relato: o nome, o país, o que havia antes, durante e depois do encontro com Salomão. São muitos os seus nomes imaginados: Makeda, Lilith, Upupa, Nicaula, Bilqis. Uma figura também celebrada no Islão; aparece no Corão (Sura 27), em muitas histórias muçulmanas, nos midrash hebraicos. Rainha de Sabá: talvez Etiópia, talvez o Iémen, talvez seja “a rainha a Etiópia e do Egipto” (Flávio Josefo). Provavelmente de pele escura, como a representam algumas pinturas medievais (Nicolas de Verdun, 1181). Existe uma linha que, passando pelo Cântico dos Cânticos (“Sou morena, mas formosa”: 1, 5), une a rainha de Sabá à tradição da Virgem Negra de Monserrat, de Czestochowa ou de Einsiedeln. A Bíblia apenas nos descreve uma mulher estrangeira, sem nome, que se dirige a Salomão para receber a sabedoria, portadora de esplendidos presentes. Um dado essencial e belíssimo, que imediatamente enriquece a visão que a Bíblia tem da mulher: aqui, é rainha, amante desejosa de sabedoria, generosa e dadora em excesso de presentes. Parte do seu país, porque atraída pela sabedoria, de uma outra sabedoria de um outro Deus, mas que é também a sabedoria de todos – emerge também a alma universalista da Bíblia: se a sabedoria é verdadeira, deve ser a sabedoria de todos. Parte para a conhecer e, também, para a encontrar pessoalmente. Ouvir os relatos ou ler um papiro não era suficiente, porque a sabedoria revela-se durante encontros pessoais, em diálogos de coração a coração. Com aquela mulher estrangeira, vinda de longe para honrar e conhecer um rei sábio (na Idade Média, alguns comentadores viam aí também o ícone e o anúncio dos Reis Magos), Salomão teve um encontro especial – “nenhuma questão foi tão enredada que o rei lhe não desse solução”. Os livros dos Reis não nos relatam outros encontros tão profundos com nenhum outro homem, nem rei nem profeta.

As mulheres são capazes desta intimidade especial com a sabedoria – que, geralmente, permanece misteriosa para muitos homens que, na Idade Média quiseram substituir esta intimidade sapiencial, imaginando-a romântica e erótica. A história da espiritualidade e da mística feminina descreve-nos, pelo contrário, muitas mulheres parecidas à Rainha de Sabá, capazes de fazer uma longa viagem (que, por vezes, coincide com a vida) somente porque atraídas pela sabedoria, seduzidas apenas pelo fascínio infinito de um diálogo olhos-nos-olhos com ela, para encontrar um rei diferente, para estar com ele e falar-lhe “do que tinham no coração”. Ainda hoje, os mosteiros, os conventos, mas, por vezes, também as famílias e as casas de todos, estão cheias de mulheres capazes de se porem a caminho para encontrar esta sabedoria e estes diálogos. Nós não nos apercebemos, não as compreendemos, por vezes, humilhamo-las e ofendemo-las, mas elas continuam a partir, a encontrar, a dialogar. «A rainha de Sabá viu toda a sabedoria de Salomão bem como a casa que ele tinha construído; viu as provisões da sua mesa e o modo ordenado dos seus criados se sentarem, o serviço dos seus criados e as suas vestes… ficou deslumbrada» (10, 4-5). 

É importante a descrição do que deslumbrou aquela rainha. Além da sabedoria, ela viu “os alimentos” da sua mesa e, também, “o modo ordenado dos seus criados se sentarem, o serviço dos seus criados e as suas vestes”. O modo de estar sentados, de servir e de vestir dos criados: é a primeira vez que, nos livros históricos da Bíblia, lemos estes elementos de pormenor; foi preciso uma mulher para no-los mostrar. Notas delicadas que, geralmente, os Chefes de Estado, em visita de estado, não veem, e erram: porque são estes pormenores, que não escapam a muitos olhos femininos, que mostram a sabedoria de uma comunidade. Os relatos das viagens das mulheres são diferentes. Ontem e hoje – esperamos que amanhã, também.

«Disse então ao rei: “É realmente verdade o que tenho ouvido na minha terra acerca das tuas palavras e da tua sabedoria. Não quis acreditar nisso antes de vir aqui e ver com meus próprios olhos; ora o que me diziam não era sequer metade… Felizes os teus homens, felizes os teus servos que estão sempre contigo e ouvem a tua sabedoria!» (10, 6-8).

Também as mulheres têm o seu modo de “tocar para acreditar” e, tocando, veem a dobrar (“… nem sequer metade”). Mas não é o tocar de Tomé. A sua fé não tem necessidade de tocar para acreditar (o relato evangélico é típico dos homens); às mulheres não presentes na casa, quando aparece o Ressuscitado, não foi necessário meter o dedo na chaga para acreditar. As mulheres não têm necessidade de tocar as feridas para acreditar; sabem acreditar, mesmo sem tocar e ver. Mas têm de tocar com a mão a sabedoria, têm de a encontrar. Ouvir dizer não é suficiente para a conhecer. Há necessidade de ir, de ver, de escutar, de falar, de ouvir-se chamar pelo nome: “Maria” e, depois, responder: “Rabbuni”; sabem conhecer e reconhecer, neste encontro de nomes reciprocamente chamados. É muito bonita a conclusão desta visita admirável: «Ela deu ao rei cento e vinte talentos de ouro e grande quantidade de perfumes e pedras preciosas. Jamais se tinha acumulado tão grande quantidade de perfumes como os que a rainha de Sabá ofereceu ao rei Salomão» (10, 10). A rainha chegou com muitos presentes, presentes exagerados. E parte com outros tantos presentes: «O rei deu à rainha de Sabá tudo quanto ela quis e lhe pediu, sem contar já os presentes que Salomão lhe ofereceu, com a magnificência de um rei como ele» (10, 13).

Diante da sabedoria, não há outra linguagem. A Sabedoria nasce e floresce apenas em encontros de dons excedentes e exagerados. Quando nos encontramos com a sabedoria, ou se dá demasiado ou não se dá o suficiente – eis porque muitos, quando descobrem a sabedoria, apenas lhe podem dar toda a vida. Depois da partida de Makeda-Lilith-Upupa-Nicaula-Bilqis, aqueles perfumes e aqueles aromas nunca mais chegaram a Salomão. Mas podemos sentir o seu perfume nos que uma outra mulher derramou, como dom excedente e excessivo, nos pés de um outro Rei; nos aromas que outras mulheres usaram para ungir o corpo crucificado, ou no óleo que um homem, na estrada de Jericó, usou para ungir um outro homem. Quem sabe quantas Rainhas de Sabá estão hoje a viajar, através dos desertos e dos mares, carregadas de outros presentes e de outros aromas, para nós? Mas não é a sabedoria de Salomão a recebê-las.

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Profecia é história / 7 – O mundo permanece cheio de mulheres a caminhar, que sabem ver e compreender

por Luigino Bruni

publicado em Avvenire em 14/07/2019

«Quando Adão sente a aproximação da morte, manda o seu filho Set ao paraíso terrestre. Da Árvore da Vida, Set recebe três rebentos. Os rebentos tornam-se numa árvore maravilhosa que resiste à prova do tempo, até Salomão. Cortada, vem a acabar na ponte do rio Cédron, onde aconteceu o encontro entre Salomão e a rainha de Sabá. A rainha prediz que aquele madeiro está destinado a segurar, um dia, o Messias, no Gólgota

Iacopo da Varazze, Leggenda aurea

A visita da rainha de Sabá revela-nos a gramática do dom e da relação que as mulheres têm com a sabedoria.

Se olharmos com atenção para a nossa economia globalizada, descobrimos que os mercados e as empresas estão cheios de dom e gratuidade. Simplesmente porque a economia é um pedaço de vida e, onde há vida, há também o dom, sempre misturado com outras linguagens. Não conseguimos vê-lo, não sabemos descrevê-lo, mas o dom vive e alimenta a nossa vida e a nossa economia, todos os dias. Acompanha o nosso dia-a-dia, com a sua típica beleza e com as suas ambivalências, que emergem também dos relatos da vida de Salomão, que foi constelada por muitas trocas mercantis e por muitos dons: «Passados, pois, os vinte anos durante os quais Salomão construiu as duas casas, o templo do Senhor e o palácio do rei – Hiram, rei de Tiro, fornecera-lhe as madeiras de cedro e de cipreste, e ouro quanto ele quis – então o rei Salomão deu a Hiram vinte cidades na terra da Galileia» (1Rs 9, 10-11). O texto já nos tinha dito que Salomão, para construir o templo, tinha entrado em contacto com Hiram, que lhe forneceu todo o material especial que ele precisou durante os muitos anos de construção. Uma obra dessa envergadura, que durou muitos anos e com uma grande complexidade, que não permitia prever todos os gastos, os imprevistos e os incidentes, requeria (e requer ainda) uma relação especial com os principais fornecedores que, na linguagem bíblica é definida “aliança” (5, 26).

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A Sabedoria toca-se com a mão

A Sabedoria toca-se com a mão

Profecia é história / 7 – O mundo permanece cheio de mulheres a caminhar, que sabem ver e compreender por Luigino Bruni publicado em Avvenire em 14/07/2019 «Quando Adão sente a aproximação da morte, manda o seu filho Set ao paraíso terrestre. Da Árvore da Vida, Set recebe três rebentos. Os...
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Profecia é história / 6 – A Bíblia diz-nos e volta a dizer-nos que o Deus verdadeiro é o Deus de todos. Assim como Cristo.

por Luigino Bruni

publicado em Avvenire em 07/07/2019

«Job/Jó não aceitaria sacrificar supinamente o próprio filho, porque nunca trocaria a religiosidade pela rendição às ordens e às leis»

Ernst Bloch, Ateismo nel cristianesimo

Salomão termina a construção do seu templo e, imediatamente, diz-nos que a morada de Deus não é o templo. É esta castidade religiosa que torna a fé diferente da idolatria.

A tentação de todos os construtores de templos é o desejo de prender Deus na morada que lhe construíram. Porque o risco de qualquer teoria e praxis do sagrado é a transformação da divindade num bem de consumo. A Bíblia recorda-nos que a presença de Deus, nos templos e na terra, é uma presença ausente, na qual se pode realizar o humilde exercício da fé. O sagrado bíblico é um sagrado parcial, o templo é um lugar religioso imperfeito. Esta necessária “castidade religiosa”, que deixa sempre indigentes e desejosos do “Deus do ainda-não”, enquanto se experimenta uma certa presença verdadeira e imperfeita, foi guardada e cultivada ciosamente pela Bíblia; e, um dia, permitiu aos hebreus continuar a sua experiência de fé, mesmo com o templo destruído. A pobreza de ter de estar num templo menos luminoso que os dos outros povos, gerou a riqueza de uma religião liberta do lugar sagrado e, por isso, também possível nos exílios. Só os ídolos são suficientemente pequenos para estarem contidos nos seus santuários. O Deus bíblico é o Altíssimo, porque infinitamente mais alto que qualquer teto de templo que lhe podemos construir.

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A dedicação do templo acontece durante uma grande assembleia de todo o Israel. A liturgia começa com o transporte da arca da aliança, tomando-a da tenda onde David a tinha colocado: «O rei Salomão e toda a assembleia de Israel reunida junto dele caminhavam à frente da Arca e iam sacrificando tão grande quantidade de ovelhas e bois que não se podiam contar nem enumerar» (1Rs 8, 5). A arca da aliança (que, como recorda o texto, continha “apenas” as tábuas da Lei de Moisés) é o sacramento do tempo nómada do êxodo e do Sinai, é a ligação entre passado, presente e futuro. O outro fio de ouro que une o novo templo à história antiga de Israel é a presença da nuvem: «Quando os sacerdotes saíram do santuário, a nuvem encheu o templo do Senhor. Deste modo, os sacerdotes não puderam ficar ali para exercerem o seu ministério, por causa da nuvem, já que a glória do Senhor enchia o templo do Senhor» (8, 10-11). De facto, a nuvem já tinha enchido a “tenda da reunião”, quando Moisés completou a sua construção: «Então, a nuvem cobriu a tenda da reunião, e a majestade do Senhor encheu o santuário»; nem sequer «Moisés pôde entrar na tenda da reunião, porque a nuvem pairava sobre ela, e a glória do Senhor enchia o santuário» (Êxodo 40, 34-35).

O templo começa a sua vida pública sob o sinal duma ambivalência radical. Ele é a nova tenda da reunião, a nova morada da Arca e das tábuas da Lei, a casa que guarda as raízes e o pacto. Ao mesmo tempo, a nuvem escura diz que o templo hospeda uma presença que, embora verdadeira, é menos verdadeira que a ausência de Deus, que é senhor do templo, porque não obrigado a habitar ali. A nuvem é o símbolo da presença da “glória de YHWH” e da obscuridade da nossa capacidade de O ver e de O compreender. E, assim, Salomão, naquele que é, porventura, o versículo mais bonito e o sentido profundo de todo este capítulo, pode (e deve) exclamar: «Será que Deus poderia mesmo habitar sobre a terra? Pois se nem os céus nem os céus dos céus te conseguem conter! Quanto menos este templo que eu edifiquei?» (8, 27). E, assim, Salomão, no próprio dia da dedicação do templo, a sua obra-prima religiosa e política, repete várias vezes que a “morada” verdadeira de Deus não é o seu templo maravilhoso. É esta capacidade de contínua auto subversão que torna a Bíblia viva e capaz de nos surpreender sempre.

Uma outra estratégia narrativo-teológica para exprimir a ausência-presença de Deus é a distância entre YHWH e o seu nome. O nome, na Bíblia, diz muitas coisas e todas importantes (a Bíblia também é uma história de nomes dados e trocados, ditos e calados). YHWH, o nome que Deus revela a Moisés, no Sinai, é revelação porque revela e, imediatamente, volta a tapar (re-velar). É um nome/não-nome (“Eu sou o que sou”), que não se deixa manipular nem pronunciar, a não ser no templo, em ocasiões especiais. O nome desenvolve, então, a mesma função da nuvem: esconde e revela, diz e cala, ilumina e escurece. Sempre que um hebreu entrava no templo, devia reviver algo do encontro de Moisés com a sarça: um diálogo com alguém que arde sem se consumir, que fala sem o fazer: «Estejam os teus olhos abertos dia e noite sobre este templo, sobre este lugar do qual disseste: ‘Aqui estará o meu nome’» (8, 29). No templo está o nome de Deus a recordar-nos que o Deus do nome não está ali, porque, se estivesse, não seria Deus. E, se o templo não contém Deus, mas apenas o seu nome, é possível rezar e encontrar YHWH em toda a parte.

A fé bíblica tudo fez para salvaguardar a co-essencialidade da presença e ausência de Deus. Todos os desvios idolátricos que conheceu ao longo da sua longa história foram o resultado da saída da nuvem do templo e da ilusão que o nome de YHWH fosse o próprio YHWH. Quando a nuvem do mistério se afasta e desaparece, conseguimos, finalmente, ver os deuses numa luz claríssima, só porque se tornaram ídolos. O preço de ver sem a nuvem é ver algo de diferente – que nos agrada muito, mas não a Deus. Enquanto conseguirmos permanecer indigentes diante duma nuvem que envolve o mistério e dum nome que se revela e se esconde, podemos esperar, de modo não vão, que, para além da nuvem e do nome, possa estar uma presença viva; pelo contrário, quando, para ver melhor, não aceitamos mais esta pobreza religiosa, quando afugentamos a nuvem e queremos ver Deus face a face; quando, pronunciando o nome de Deus, pensamos conhecê-lo perfeitamente, aí acaba a fé bíblica e começa a idolatria.

A fé vive no espaço que se cria entre a nossa experiência subjetiva sincera de Deus e a realidade de Deus em si: quando este espaço se reduz, com isso se reduz a fé; quando é anulado, é a fé que se anula. A pronúncia do nome de Deus salva-nos enquanto temos viva a consciência que entre aquele nome e Deus há uma nuvem de mistério que não reduz a fé, mas a torna humaníssima e verdadeira. Debaixo do sol, a única experiência de Deus que não podemos fazer é dentro de uma nuvem densa e o nome ao qual Deus responde é um não-nome que consegue chamá-lo e revelá-lo, até que saiba chamá-lo com um nome imperfeito e imparcial e, portanto, verdadeiro. Depois, como se diz no Apocalipse, «hão de trazer gravado nas suas frontes o seu nome» (22, 4); então, o nome de Deus revela-nos o outro enquanto nos olha no rosto – e nós o revelamos a ele.

Dentro deste horizonte de luz e de sombra, de proximidade e de distância, podemos entrar na grande oração de Salomão, no seu templo. É uma oração solene; abraça toda a história da salvação que, desde o Egipto, chega à destruição do templo de Jerusalém e ao exílio e talvez mais longe. É um cântico individual e coletivo; é agradecimento, memória, súplica, com algumas pérolas encastoadas. O seu centro é também a experiência do exílio: «se na terra do seu exílio, entrando em si, se arrependerem dos seus pecados e, cativos, te suplicarem desta maneira: ‘Pecámos, cometemos a iniquidade, procedemos mal’, se eles se voltarem para ti de todo o coração e de toda a sua alma, na terra dos seus inimigos para onde foram levados prisioneiros… ouve do alto dos céus, do alto da tua mansão, as suas orações e súplicas; faz-lhes justiça!» (8,47-49).

É maravilhosa esta oração, dita por Salomão e escrita por escribas deportados em Babilónia, que estavam a aprender uma lição essencial: salvamo-nos no exílio, “reentrando em nós mesmos” e “voltando para ti [Deus]”. São estes os dois primeiros movimentos nos exílios, que são muito mais radicais e determinantes que o “voltar a casa”. Porque sem o “levantar-me-ei e irei ter com meu pai” (Lc 15, 18), nenhum regresso é regresso de salvação – na Bíblia e na vida, não basta voltar a casa, para que terminem os exílios, como nos disse também o Terceiro Isaías.

A experiência do exílio inspira também a outra esplêndida oração de Salomão pelo estrangeiro: «Até o estrangeiro, que não pertence ao teu povo de Israel, se ele vier… rezar a este templo, Tu ouve-o lá do céu, a casa onde habitas, atende a tudo quanto te pedir esse estrangeiro» (8, 41-43). Se a morada de Deus é “o céu” (refrão constante), então todo o homem, debaixo do sol, pode rezar-lhe. Porque este Deus não mais está preso pelos limites nacionais e o seu reino é a terra inteira. São estes trechos, inspirados por uma religiosidade universalista e inclusiva, escritos por um povo que estava a reconstruir, em volta do seu Deus diferente, a sua identidade nacional, mortalmente ferida, que fazem da Bíblia, por seu lado, algo diferente de um livro que narra as vicissitudes históricas e teológicas de um simples povo. Estas frases, estas orações, podiam e deviam não estar nestes livros históricos; pelo contrário, estão, como “flores do mal”, geradas ao longo dos rios da Babilónia. Só um povo, que tinha conhecido a humilhação de se sentir estrangeiro num grande império dos grandes deuses, podia compreender que, se há um Deus verdadeiro e se a terra não é apenas habitada por ídolos, então este deve escutar a oração de qualquer pessoa; porque, se o meu Deus não escuta o estrangeiro, então não tem ouvidos capazes de me escutar também, porque, simplesmente, é um ídolo banal que só sabe agir dentro do seu fingido recinto sagrado. A fé bíblica dos exilados compreende que o seu Deus era diferente porque estava a tornar-se o Deus de todos.

O humanismo bíblico e o cristianismo disseram-nos e repetiram que se há um Deus verdadeiro, tem de ser o Deus de todos. Sabemo-lo, mas aprendemo-lo verdadeiramente durante as guerras, as deportações, os campos de concentração, nos soldados “inimigos” escondidos dentro das nossas casas, quando soubemos ler, nas grandes dores, o “nome de Deus” na fronte de quem batia à nossa porta, de quem chegava às nossas fronteiras e nos nossos portos. Os nossos avós e os nossos pais tinham-no aprendido e, sobre esta lição da carne e do sangue, construíram o reconstruiram a Europa. Nós esquecemo-lo. Mas, talvez no longo exílio humano que estamos a atravessar, poderemos ainda reaprender aquele Nome.

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Profecia é história / 6 – A Bíblia diz-nos e volta a dizer-nos que o Deus verdadeiro é o Deus de todos. Assim como Cristo.

por Luigino Bruni

publicado em Avvenire em 07/07/2019

«Job/Jó não aceitaria sacrificar supinamente o próprio filho, porque nunca trocaria a religiosidade pela rendição às ordens e às leis»

Ernst Bloch, Ateismo nel cristianesimo

Salomão termina a construção do seu templo e, imediatamente, diz-nos que a morada de Deus não é o templo. É esta castidade religiosa que torna a fé diferente da idolatria.

A tentação de todos os construtores de templos é o desejo de prender Deus na morada que lhe construíram. Porque o risco de qualquer teoria e praxis do sagrado é a transformação da divindade num bem de consumo. A Bíblia recorda-nos que a presença de Deus, nos templos e na terra, é uma presença ausente, na qual se pode realizar o humilde exercício da fé. O sagrado bíblico é um sagrado parcial, o templo é um lugar religioso imperfeito. Esta necessária “castidade religiosa”, que deixa sempre indigentes e desejosos do “Deus do ainda-não”, enquanto se experimenta uma certa presença verdadeira e imperfeita, foi guardada e cultivada ciosamente pela Bíblia; e, um dia, permitiu aos hebreus continuar a sua experiência de fé, mesmo com o templo destruído. A pobreza de ter de estar num templo menos luminoso que os dos outros povos, gerou a riqueza de uma religião liberta do lugar sagrado e, por isso, também possível nos exílios. Só os ídolos são suficientemente pequenos para estarem contidos nos seus santuários. O Deus bíblico é o Altíssimo, porque infinitamente mais alto que qualquer teto de templo que lhe podemos construir.

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O Nome que se deve aprender

O Nome que se deve aprender

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Profecia é história / 5 – Decaímos quando a casa do poder se torna maior que o lugar de Deus

por Luigino Bruni

publicado em Avvenire em 30/06/2019

«A primeira palavra pronunciada por Deus, no Sinai, foi Anoki: “Sou Eu”. Neste caso, o Eterno não usou o hebraico nem a língua egípcia: como o rei que se dirige ao filho que voltava a casa, depois de um longo período passado no mar, falando-lhe na língua por ele aprendida em terra estrangeira, assim o Eterno escolheu o idioma que Israel falava naquela época

Louis Ginzberg, Le leggende degli ebrei

O início da construção do templo de Salomão contém elementos preciosos para compreender o significado daquela grande obra e das nossas. E diz-nos em que consiste o itinerário de cada vida boa.

O relato da construção do templo é o centro narrativo e teológico dos Livros dos Reis e de toda a história sapiencial que, a partir do Génesis, chega até à destruição de Jerusalém e ao exílio. Temos de ler estas páginas, sabendo que estamos a entrar num terreno diferente e sagrado e, também, tirar o calçado dos pés, se queremos reconhecer a voz desta sarça. O relato conta factos passados há cerca de cinco séculos antes da época em que foi composto o texto. Quem o escreveu, viveu durante o exílio, na Babilónia. O templo que tinha visto era o que acabara de ser destruído e incendiado por Nabucodonosor. O ouro, quer o fundido pelo fogo quer o do mobiliário, fora destruído pelos babilónios e transportado para os seus templos. De toda aquela beleza, que veremos dentro em pouco, não tinha ficado pedra sobre pedra.

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Para intuir o espírito destas páginas difíceis, experimentemos fazer um exercício intelectual. Identifiquemo-nos com a alma de um homem que hoje deve fazer um vídeo, juntando antigas imagens da celebração e da festa do seu casamento. A mulher, já não existe; foi-se embora. A separação aconteceu por causa do seu (do marido) comportamento errado, pelas suas traições – é esta a leitura teológica que aqueles escritores davam da destruição do templo e do exílio. Ela, «a delícia dos seus olhos» (Ezequiel), já não existe e tudo por culpa sua. Depois, com estes sentimentos, aquele homem revê, no vídeo, como era boa e bonita a esposa (a palavra hebraica tov – bonito e bom – aparece muitas vezes nestes capítulos). Com uma surpresa final: a Bíblia dir-nos-á que aquela esposa, que permaneceu fiel, não só poderá voltar a casa como também poderá voltar bonita, como aparece no vídeo do casamento. E enquanto nos oferece esta esperança, faz-nos companhia nos nossos não-regressos e nas visões solitárias e desesperadas dos nossos filmes.

A narração da construção do templo começa com uma descrição que recorda muito de perto, a condição dos hebreus nas fábricas de tijolos do Egipto: «O rei Salomão estabeleceu em todo o Israel uma corveia que constava de trinta mil operários» (1Rs 5, 27). As grandes obras da antiguidade (e, por vezes, também muitas das nossas) deveriam ser narradas pelos trabalhadores que as realizaram. Mesmo quando, com trabalho forçado, se constroem catedrais, não nos podemos consolar com o bonito e antigo conto O peregrino e os três pedreiros, onde o terceiro pedreiro responde: «Estou a construir uma catedral». Embora a maior parte das dezenas de milhares de homens de Salomão tivessem sabido que estavam a aparelhar pedras e a trabalhar para a construção do templo mais bonito, não é verdade que aquela consciência tivesse tirado a desumanidade e a dor do trabalho forçado e não escolhido (talvez o tivesse apenas atenuado, nalgum dia diferente).E é bonito e importante que a Bíblia tenha querido escrever e deixar-nos este olhar dos trabalhadores sobre a sua obra mais importante. Estes trabalhos forçados poderiam não existir. Um redator posterior (sacerdote ou escriba) procurou corrigir e apagar esta parte (9, 22), porque a quem desfruta de templos e palácios, não agrada recordar a dor de quem os constrói e faz de tudo para o esquecer e fazê-lo esquecer. Pelo contrário, estes versículos sobreviveram e tornaram-se uma “lápide ao trabalhador desconhecido” que, sem o desejar, edificou, com o seu suor e as suas lágrimas, o templo de Salomão e a palavra bíblica. Se queremos evitar fazer da Bíblia uma leitura edificante, para cultivar apenas ligeiros pensamentos pios e religiosos, devemos ler, de vez em quando, estes grandes relatos, a partir da perspetiva das vítimas desconhecidas.

Juntamente ao trabalho forçado, no início da construção do templo, encontramos também um contrato. Para a construção do templo, Salomão recorre ao instrumento mais adequado, um acordo de reciprocidade com Hiram, o rico rei de Tiro: «Hiram mandou dizer a Salomão: “Ouvi a mensagem que me enviaste; dar-te-ei toda a madeira de cedro e cipreste que quiseres” … Hiram deu, pois, a Salomão toda a madeira de cedro e de cipreste que ele pretendia» (5, 22-24). Pela sua parte, «Salomão deu a Hiram vinte mil coros de trigo para sustento da sua casa e dez mil coros de óleo bruto; isto era o que Salomão fornecia todos os anos» (5, 25).

Trabalho forçado e troca comercial, hierarquia e consenso, relações verticais e horizontas: os dois elementos que ainda estão na base do nosso sistema económico. As obras, pequenas e grandes, continuam a ser realizadas, graças a sujeitos mais fortes que conseguem orientar trabalho de pessoas mais débeis, para satisfação dos desejos de quem troca, em relações de igualdade e reciprocidade. Mas, também aqui, não vemos ou não descrevemos a liberdade e a igualdade das trocas comerciais, e não vemos nem descrevemos a muita não-reciprocidade e as muitas obrigações que se escondem dentro da troca de mercadorias. Usamos camisolas, sapatos, bolsas, comemos tomates e massa, usamos de liberdade e (uma certa) igualdade. Mas não conseguimos (ou não queremos) ver os rostos dos trabalhadores que produziram aqueles bens, que construíram as nossas pequenas e grandes catedrais. Vemos demasiado as mercadorias (porque há todo um império económico-financeiro que trabalha, dia e noite, para que as vejamos), mas vemos demasiado pouco as pessoas escondidas dentro do invólucro das coisas que consumimos. Por vezes, a Bíblia faz-nos vislumbrar rostos de homens e de mulheres para que nós, uma vez fachada a Bíblia, comecemos a procurá-los e a vê-los nos nossos mercados.

«No ano quatrocentos e oitenta após a saída dos filhos de Israel do Egipto, no quarto ano do reinado de Salomão sobre Israel, no mês de Ziv, que é o segundo mês do ano, começou a edificar-se o templo de YHWH. O templo que o rei Salomão construiu ao Senhor media sessenta côvados de comprimento, vinte de largura e trinta de altura» (6, 1-2). Uma construção grande – um côvado hebraico media cerca de 44cm – mas, sobretudo, rica, bonita e de grande valor: «Todo era de cedro, não se via pedra alguma. Construiu o santuário ao fundo, no interior do templo, para colocar lá a Arca da aliança do Senhor… fez um altar de madeira de cedro para a frente do santuário e revestiu de ouro todo o interior do templo… Revestiu de ouro fino todo o edifício de alto a baixo e recobriu também de ouro o altar que estava diante do santuário» (6, 18-22).

Também encontramos um artista, chamado pelo nome: «Salomão enviou arautos a Tiro para trazerem Hiram. Este era filho de uma mulher viúva, da tribo de Neftali, e seu pai era de Tiro. Hiram era dotado de grande sabedoria, inteligência e habilidade para fabricar toda a espécie de trabalhos em bronze» (7, 13-14). Hiram é um novo Beçalel, o artista que, no Êxodo, tinha decorado o Tabernáculo (Ex 31, 2-3). Muito bonitas as três palavras com que o texto qualifica este artista trabalhador de bronze: cheio de sabedoria, de inteligência e de conhecimento (competência e perícia). A criatividade artística (e qualquer criatividade) tem necessidade de sabedoria (na aceção bíblica do termo), que é um dom requintadamente espiritual, mas que requer também inteligência, isto é talento natural, juntamente à competência. Pode-se começar a pintar e a esculpir apenas com uma destas qualidades (qualquer vocação madura realiza-se no tempo), mas a vocação artística realiza-se e produz grandes frutos só quando a sabedoria, inteligência e competência trabalham e criam juntas.

Hiram «Fundiu duas colunas de bronze… Fundiu também um mar de bronze, que media dez côvados de diâmetro e tinha forma circular… O mar assentava em doze bois de bronze, voltados para fora; três deles olhavam para o norte, três, para o ocidente; três, para o sul e três, para o oriente. O mar apoiava-se sobre eles» (7, 15-25).

Depois do templo («Construiu-o em sete anos»: 6, 38), o rei construiu o seu palácio: «Salomão edificou também o seu palácio; foram precisos treze anos para terminar a construção. Levantou a "Casa da Floresta do Líbano": cem côvados de comprimento, cinquenta de largura e trinta de altura» (7, 1-2).

O templo tinha sessenta côvados de comprimento, o palácio, cem; o templo tinha vinte côvados de largura, o palácio, cinquenta. Os reis, mesmo os mais sábios, quando começam a o templo, para louvar e engrandecer Deus, acabam por fazer palácios reais maiores que o templo. Por vezes, com boas razões, o palácio supera o templo em comprimento e largura (talvez não em altura, para não serem mais altos que o altíssimo mas, modestamente, apenas à mesma altura). Isto é um outro indício que nos diz que a construção da obra-prima de Salomão foi também o início da sua corrução.

A alma sapiencial dos Livros dos Reis, muito dura para com a monarquia e com os reis de Israel, sabe ler muitas coisas neste palácio que excede, em grandeza, o templo. O autor destas páginas talvez seja o mesmo das páginas do Génesis e do Êxodo, nos dias do primeiro amor de Israel, quando havia apenas uma voz nua, uma tenda e um arameu errante, que partiu, acreditando numa promessa.

Toda a vida boa começa com uma voz que chama, quando somos pobres e simples; e parte-se no seguimento daquela voz e da sua promessa. Depois, com o tempo, chegam o culto, a religião, a construção do templo e, por fim, o palácio para nós, maior que o templo para Deus. E começa a decadência. Tínhamos gasto toda a nossa vida a construir o nosso culto, o “templo” e o “palácio”, e todos nos tinham louvado e amado por esta obras. Até que, um dia, conseguimos compreender que a liberdade, a verdade, o amor, se encontravam noutro sítio, mas tínhamo-lo esquecido. Uma outra voz nos surpreende, de noite, num sonho ou numa cama do hospital. É a voz do primeiro dia; e conseguimos reconhecê-la. Manda-nos desmontar o palácio, o templo, voltar a ser pobres e retomarmos o caminho. A salvação da vida adulta é o caminho para trás que, do palácio, nos leva à tenda nómada. Porque as vozes subtis do silêncio não se podem escutar nos templos altos e nos palácios largos. Conseguem falar apenas quando se encontram exatamente à altura dos olhos e do coração.

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por Luigino Bruni

publicado em Avvenire em 30/06/2019

«A primeira palavra pronunciada por Deus, no Sinai, foi Anoki: “Sou Eu”. Neste caso, o Eterno não usou o hebraico nem a língua egípcia: como o rei que se dirige ao filho que voltava a casa, depois de um longo período passado no mar, falando-lhe na língua por ele aprendida em terra estrangeira, assim o Eterno escolheu o idioma que Israel falava naquela época

Louis Ginzberg, Le leggende degli ebrei

O início da construção do templo de Salomão contém elementos preciosos para compreender o significado daquela grande obra e das nossas. E diz-nos em que consiste o itinerário de cada vida boa.

O relato da construção do templo é o centro narrativo e teológico dos Livros dos Reis e de toda a história sapiencial que, a partir do Génesis, chega até à destruição de Jerusalém e ao exílio. Temos de ler estas páginas, sabendo que estamos a entrar num terreno diferente e sagrado e, também, tirar o calçado dos pés, se queremos reconhecer a voz desta sarça. O relato conta factos passados há cerca de cinco séculos antes da época em que foi composto o texto. Quem o escreveu, viveu durante o exílio, na Babilónia. O templo que tinha visto era o que acabara de ser destruído e incendiado por Nabucodonosor. O ouro, quer o fundido pelo fogo quer o do mobiliário, fora destruído pelos babilónios e transportado para os seus templos. De toda aquela beleza, que veremos dentro em pouco, não tinha ficado pedra sobre pedra.

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À altura exata dos olhos

À altura exata dos olhos

Profecia é história / 5 – Decaímos quando a casa do poder se torna maior que o lugar de Deus por Luigino Bruni publicado em Avvenire em 30/06/2019 «A primeira palavra pronunciada por Deus, no Sinai, foi Anoki: “Sou Eu”. Neste caso, o Eterno não usou o hebraico nem a língua egípcia: como o ...
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Profecia e história / 4 – Na vida, as sinfonias mais preciosas são as incompletas, nossas verdadeiras obras-primas

por Luigino Bruni

publicado em Avvenire em 23/06/2019

«Alcancei a sabedoria; mas ela está longe de mim e continua distante o que estava distante,
e profundo, o que estava profundo: quem o poderá sondar?
»

Qoelet 7,23-24

A Sabedoria bíblica é urdidura que se cruza com os factos históricos. E lembra-nos que somos maiores e mais belos que as coisas mais belas e maiores que podemos fazer, porque somos criados por amor e não ou utilidade.

A sabedoria é um fio de oiro da Bíblia. Foi a flor de uma das primaveras mais extensas, coloridas e pintalgada da história da humanidade. O que se manifestou na Grécia como filosofia, mais ou menos ao mesmo tempo, entre o Egipto e no Crescente Fértil, torna-se sabedoria. O mito antigo e os seus símbolos atingem uma nova idade, mais adulta e, sobretudo, finalmente capaz de exprimir conceitos e realidades que antes estavam envolvidas pela luz ofuscante (e pelo escuro) do mistério total. O Mythos deu à luz o Logos. Foi a invenção da palavra, como nova epifania da vida e, portanto, do homem, do mundo e de Deus. Embora as palavras da Filosofia não coincidam com as da sabedoria, assemelham-se muito. Job não é o Timeu, de Platão, o Cântico dos Cânticos não é o Simpósio; no entanto, conseguem falar e compreender-se entre si.

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A filosofia nasce da maravilha de um mundo que poderia não existir mas que, pelo contrário, existe; a sabedoria, pelo contrário, nasce da descoberta que a realidade, se bem olhada, contém regras, leis, palavras que revelam o sentido da vida e ensinam a arte de viver. ma realidade, porém, que não é simplesmente o livro da natureza porque, na sabedoria bíblica, é essencial a experiência da Lei e dos Profetas, de palavras reveladas e todas dom, mapa essencial para sondar e penetrar o mundo, Deus, o homem. Também na sabedoria, o homem assombra-se, mas a primeira e fundamental maravilha do humanismo bíblico nasce da experiência de um mundo habitado por JHWH, pela sua presença e pela sua palavra. O homem bíblico é um sonhador de um mundo diferente porque é um sonhador de um Deus diferente. 
Eis porque a sabedoria, que encontramos na Bíblia, não é apenas uma ética nem uma teologia. Diversamente e mais que a filosofia grega e as coevas éticas asiáticas, é história, porque a presença estável de YHWH no mundo torna as vicissitudes humanas verdadeiras e não sombra do mundo verdadeiro acima do sol. A Aliança é um acontecimento determinante da história bíblica, porque se desenrola no tempo e, ao desenvolver-se, dá substância e verdade ao tempo e à história. A sabedoria é, portanto, urdidura que se cruza com os factos históricos para dar vida ao tapete do mundo; é também palavra humana que dialoga com a palavra de Deus, num colóquio íntimo de amor que durou milénios – e que ainda continua.

É esta sabedoria o sopro que inspirou a mão dos escritores de muitas páginas bíblicas, a chave de leitura dos livros que tratam assuntos muito diferentes (história, profecia, direito…). E, assim, para compreender também o sentido da história de Salomão e a parábola do seu reino, é importante lê-las com os primeiros capítulos do Génesis. Salomão é colocado, pelo seu Deus-YHWH, no centro de um novo Éden, um jardim de bens e de shalom. Como Adão, que cultivava e guardava a terra que lhe foi dada por Eloim, Salomão administra um reino vasto, em paz e rico: «O rei Salomão reinava sobre todo o Israel» (1Rs 4, 1), o reinado mais longo de toda a história de Israel: «Salomão dominava sobre todos os reinos, desde o Rio até ao país dos filisteus e à fronteira do Egipto» (5, 1). No auge do seu shalom, Adão, no Génesis, começa a sua decadência. Começa a acreditar num logos diferente, o da serpente, e, por isso, a negar o discurso da sabedoria. Uma negação que gerou o fratricídio de Caim, o gesto de Amelec e, por fim o dilúvio. Também os primeiros capítulos dos Livros dos Reis nos mostram Salomão a atingir o auge do esplendor e da glória: «Judá e Israel … comiam, bebiam e viviam contentes» (4, 20). E, também para Salomão, o auge do sucesso coincide com o início do declínio. Tinha recebido o dom da sabedoria e tinha-o praticado: «Deus concedeu a Salomão sabedoria e inteligência extraordinárias, bem como uma visão de espírito tão vasta como as areias que há nas praias do mar. A sabedoria de Salomão excedia a de todos os filhos do Oriente e toda a sabedoria do Egipto. Foi o mais sábio de todos os homens; … o seu nome era conhecido por todos os povos em redor... Para ouvir a sua sabedoria vieram pessoas de todos os povos, da parte de todos os reis da terra» (5, 9-14).

Mas, a um dado momento, Salomão abandona o caminho da sabedoria e entra no da serpente. A Bíblia não nos diz quando começou o declínio do seu rei mais sábio. Talvez porque muitos sábios se perdem sem se dar conta disso. Uma leitura sapiencial destes capítulos (à luz de toda a Lei e dos profetas) também nos pode sugerir que a decadência tenha começado enquanto Salomão estava a construir a sua obra-prima: o templo de Jerusalém. Também o seu ocaso começou ao meio-dia. Por uma misteriosa lei humana, uma das mais verdadeiras, é a nossa obra-prima que contém o germe da nossa corrupção. Porque, se o “talento” que recebemos é grande (como era o de Salomão), o seu exercício, por vezes, tira a inocência. O início da nossa decadência tona-se o preço de ter levado a cabo a nossa obra mais importante – «Salomão acabou de edificar o templo» (6, 14). Eis porque um dos poucos modos para garantir, na terra, alguma pureza a que chegamos, quando crianças, é não pretender concluir as obras que começámos, por motivos éticos. É o Shabbat do coração, que pode salvar os outros seus seis dias e o último dia. Quando conseguimos respeitar este shabbat especial e invisível e o fazemos em obediência meiga a uma lei íntima que nós não escrevemos, mas que sentimos nossa e necessária, não nos apropriamos de todos os dons que recebemos e, assim, não nos tonamos donos da nossa vida (a primeira castidade, a verdadeiramente árdua e essencial, é nas relações connosco próprios, que nos permite, se praticada, não nos auto devorarmos).

Na vida, a sinfonia mais bela é a incompleta, a nossa verdadeira obra-prima, porque não o foi nas formas em que a tínhamos pensado e querido. As conquistas científicas mais belas são as que não conseguimos resolver e que, assim, podemos deixar em herança, aos jovens; a poesia mais sublime é a que nos chegou, como sussurro da alma, muitas vezes em muitas noites e que, ao acordar, não conseguimos escrever; é a palavra que dissemos e voltamos a dizer dentro de nós e, depois, quando ela chegou, apagou-se na garganta, pela muita dor e ficou apenas um pranto ou um grito – como no Gólgota, quando o Logos se torna mudo, e disse a sua obra-prima. Tuto isto pode ser chamado, simplesmente, gratuidade. Na tradição hebraica, as casas não devem ser acabadas: é preciso deixar algum canto dos quartos inacabado, algum tijolo descoberto; para recordar a destruição de Jerusalém, mas também que a vida é sempre incompletude. No dia do casamento, o noivo esmaga, com os pés, um jarro de vidro, a dizer que a festa não deve ser plena. Só uma festa imperfeita e uma casa incompleta podem tornar-se in-finitas.

Pondo-nos na escola da sabedoria, podemos compreender, então, também a ambivalência que acompanha toda a teologia bíblica do tempo. A tradição sacerdotal deve e quer construir o templo; a sabedoria, pelo contrário, enquanto relata a sua construção, recorda, a Salomão e a nós, que Deus é maior que o templo e, por isso, nenhum templo contém Deus, mas apenas as suas imagens, que a Lei proíbe, porque a única imagem lícita de Eloim somos nós, criados à sua “imagem e semelhança”: qualquer outra imagem sua é apenas rabisco – o mandamento anti idolátrico é, primariamente, antropológico. Então, paradoxalmente, a contaminação religiosa e idolátrica que conhecerá Salomão estão já implícitas na construção do templo, estão inscritas na sua obra-prima. Sem a sabedoria, nunca o compreenderemos. Quando começo a construir um templo ao meu Deus, estou a dizer, talvez sem me dar conta disso, que é como os deuses dos outros povos e, por isso, banal como todos os ídolos. Começar a construção do templo é, portanto, para a sabedoria, o primeiro passo na vida da corrupção religiosa. Mas os hebreus só compreenderam isto durante o exílio da Babilónia, quando a destruição daquele templo maravilhoso lhes permite compreender o que verdadeiramente era templo e quem era verdadeiramente YHWH. Quando, encontrando-se sem templo, sem culto e com um Deus-YHWH derrotado, descobriram a sabedoria e não mais a abandonaram.

E, aqui, escondem-se mensagens preciosas para qualquer fé e para qualquer religião. Quando os movimentos e as comunidades espirituais, fundadas seguindo “apenas uma voz”, começam a construir templos e santuários aos seus fundadores (físicos ou ideais), está já a começar a sua corrupção. Aquele sopro diferente, aquela Aliança especial está a tornar-se como todas as outras; aquele “deus” diferente é, na realidade, como todos s outros “ídolos”, dos quais se queriam distinguir quando tudo começou. Não são os fundadores que fazem os templos (David), mas os seus filhos (Salomão). Mas é justamente a construção do templo, entendida como a celebração espetacular da grandeza do próprio carisma («Eu te edifiquei um palácio»: 8, 13) que, na realidade, mostra que no seu espírito não há nada de diferente do dos outros povos. A grande construção decreta o início do fim enquanto tudo aparece como máximo sucesso.

A corrupção do coração, individual e coletiva, que começa enquanto estamos, finalmente, a cumprir o que pensávamos ser a coisa mais bela e maior que devíamos fazer na vida, diz-nos algo muito belo e também dramático. Que somos maiores e mais belos que as coisas mais belas e maiores que possamos fazer, porque fomos criados por amor e não por utilidade, nem sequer para sermos úteis ao Reino e aos seus templos. E, se existe verdadeiramente um paraíso – e deve existir, nem que seja apenas para os pobres – não entraremos lá pelas obras-primas que construímos, mas pelo pedacinho de alma não corrupto que conseguimos conservar, enquanto construíamos as nossas obras mais belas; pelo canto do jardim do coração que deixámos livre, sem o pôr a render e não pelos frutos que dele teríamos recolhido para nós e para os outros; pela única razão que encontramos para avançar, não pelas noventa e nove que nos diziam para deixar tudo; pelo talento que guardámos, não pelos cinco que investimos para enriquecer um patrão “duro”. Pelo pecado que nos enlameou e humilhou e que, um dia, finalmente, acolhemos com misericórdia, não pelas virtudes que nos ganharam louvores e méritos. Mas só a sabedoria nos pode ensinar esta lógica diferente da vida.

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Profecia e história / 4 – Na vida, as sinfonias mais preciosas são as incompletas, nossas verdadeiras obras-primas

por Luigino Bruni

publicado em Avvenire em 23/06/2019

«Alcancei a sabedoria; mas ela está longe de mim e continua distante o que estava distante,
e profundo, o que estava profundo: quem o poderá sondar?
»

Qoelet 7,23-24

A Sabedoria bíblica é urdidura que se cruza com os factos históricos. E lembra-nos que somos maiores e mais belos que as coisas mais belas e maiores que podemos fazer, porque somos criados por amor e não ou utilidade.

A sabedoria é um fio de oiro da Bíblia. Foi a flor de uma das primaveras mais extensas, coloridas e pintalgada da história da humanidade. O que se manifestou na Grécia como filosofia, mais ou menos ao mesmo tempo, entre o Egipto e no Crescente Fértil, torna-se sabedoria. O mito antigo e os seus símbolos atingem uma nova idade, mais adulta e, sobretudo, finalmente capaz de exprimir conceitos e realidades que antes estavam envolvidas pela luz ofuscante (e pelo escuro) do mistério total. O Mythos deu à luz o Logos. Foi a invenção da palavra, como nova epifania da vida e, portanto, do homem, do mundo e de Deus. Embora as palavras da Filosofia não coincidam com as da sabedoria, assemelham-se muito. Job não é o Timeu, de Platão, o Cântico dos Cânticos não é o Simpósio; no entanto, conseguem falar e compreender-se entre si.

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A plenitude é uma casa in-finita

A plenitude é uma casa in-finita

Profecia e história / 4 – Na vida, as sinfonias mais preciosas são as incompletas, nossas verdadeiras obras-primas por Luigino Bruni publicado em Avvenire em 23/06/2019 «Alcancei a sabedoria; mas ela está longe de mim e continua distante o que estava distante, e profundo, o que estava prof...
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Profecia é história / 3 – A oração de Salomão deveria tornar-se o juramento de qualquer governante

por Luigino Bruni

 publicado em Avvenire em 16/06/2019

«Mas vós, espetadores do círculo de gesso, aprendei a sentença dos antigos: o que existe deve pertencer a quem fez bom uso disso: os carros aos bons condutores, que procedem bem; o vale aos bons irrigadores porque, assim, dá fruto; as crianças às mulheres maternas porque, assim, crescem bem.»

Bertolt Brecht, Il cerchio di gesso del Caucaso (editado no Brasil com o título "Circulo de giz caucasiano")

Salomão inicia a sua missão de rei pedindo a Deus o dom de um coração que escuta. E, imediatamente, o põe a trabalhar, para resolver a disputa entre duas mães por um menino. Foi uma escolha justa? E porquê?

O primeiro exercício de sabedoria de Salomão diz respeito a duas mulheres, “duas prostitutas”, duas pobres, duas vítimas, duas escravas (assim eram as prostitutas naquela sociedade). Duas pessoas infelizes, que se encontram a gerir a crise mais íntima que possa viver uma mulher: a morte do seu menino. Duas mães desesperadas, envolvidas num prodigioso duelo entre a vida e a morte, uma disputa entre duas pessoas que se agridem mutuamente, que lutam por ter um filho que, naquele mundo dominados pelos homens, era, frequentemente, a única alegria das mães. Se queremos sair melhores desta leitura, esplêndida e difícil, temos de experimentar atravessá-la com compaixão e misericórdia. Depois, para a poder reconhecer nas nossas casas e nos nossos tribunais onde, todos os dias, ecoam palavras, discursos, lágrimas parecidas, juntamente às mesmas mentiras desesperadas, pronunciadas diante de crianças que arriscam acabar esquartejadas.

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«Salomão amava o Senhor, seguindo os preceitos de seu pai David; mas era ainda nos lugares altos que ele oferecia os sacrifícios e queimava o incenso» (1 Rs 3,3). O início do reinado de Salomão – cujo nome provém da palavra hebraica shalom – é imediatamente marcado por sacrifícios oferecidos nos santuários dos lugares altos cananeus: «O rei se dirigiu a Guibeon, para aí oferecer um sacrifício, uma vez que esse era o principal lugar alto; e ali Salomão ofereceu em holocausto mil vítimas» (3, 4). Um sacrifício excecional, enorme, exagerado. O narrador apresenta-nos imediatamente também o lado luminoso daquele rei tão amado a ponto de se tornar um ícone do bom governo, sabedoria e riqueza em toda a tradição bíblica posterior, mesmo no Novo Testamento. Salomão passa a noite no santuário, talvez por ser um lugar sagrado famoso pela sua qualidade de ‘incubação’ (teofania onírica): «Em Guibeon o Senhor apareceu a Salomão em sonhos, durante a noite, e disse-lhe: «Pede! Que posso Eu dar-te?» (3, 5). O novo rei apresenta-se e qualifica-se pelo tipo de pedido que dirige a YHWH, formulando, porventura, o mais bonito pedido dirigido a Deus por um soberano, na Bíblia e em toda a literatura religiosa – mais que respostas, são os pedidos que dirigimos a nós mesmos, aos outros, à vida, a Deus que continuam a revelar a nossa qualidade moral. Depois de ter recordado a Deus a justiça e a fidelidade do seu pai David (3, 6), Salomão declara a sua incapacidade de desempenhar a missão: «Eu não passo de um jovem inexperiente que não sabe ainda como governar» (3, 7). Esta admissão de incapacidade assemelha Salomão a outras grandes figuras bíblicas de rapazes: Jeremias, Samuel, José … Maria. Eis as palavras do seu pedido, entradas na herança espiritual da cultura ocidental: «Concede ao teu servo um coração que sabe escutar» (3, 8).

Uma frase maravilhosa, que teremos de escrever em todas as escolas públicas, nas faculdades de ciências políticas, nas sedes dos partidos, nas sedes dos governos e dos parlamentos, nos Conselhos de Administração das empresas. Devíamos fazer repetir por todos os novos ministros, durante a cerimónia de tomada de posse e fazer da “oração de Salomão” algo parecido ao juramento de Hipócrates dos médicos. Um coração que escuta, «para que saiba governar o teu povo e saiba distinguir o bem do mal». Quero pensar que YHWH, no sonho, se tenha admirado do pedido de Salomão – a humanidade continuará a melhorar até que os homens sejam capazes de surpreender Deus com perguntas mais bonitas e maiores que eles. Deus escuta a oração do jovem rei - «Vou proceder conforme as tuas palavras: dou-te um coração sábio e perspicaz, tão hábil que nunca existiu nem existirá jamais alguém como tu» (3, 13). Mas concede-lhe também o que ele não tinha pedido: «Já que me pediste isso e não uma longa vida, nem riqueza, nem a morte dos teus inimigos, mas sim o discernimento para governar com retidão, … Dou-te também o que nem sequer pediste: riquezas e glória, de tal modo que, durante a tua vida, não existirá rei que te seja igual» (3, 11-13). O não ter pedido o que os soberanos, normalmente, pedem e querem, fá-lo obter isso. Este é um belíssimo episódio de serendipidy, onde os bens económicos e políticos chegam precisamente quando não procurados. E deveria acontecer assim em todo o bom governo de qualquer comunidade: procura-se apenas “um coração que escuta”, o único instrumento útil para o único exercício necessário: o discernimento entre o bem e o mal, e, depois, tudo o resto vem por acréscimo. Se pedíssemos e procurássemos mais este coração em escuta, a civilização do cêntuplo seria realidade.

Mas, há mais uma coisa neste pedido. Um coração que escuta só pode ser dom. Da vida, os pais, de Deus. Não se aprende nas business school nem nos tristes cursos de leadership. E, se é um dom, então só pode ser pedido, esperado, rezado. Um político deveria conhecer, pelo menos, esta oração de Salomão, recitá-la diariamente, dirigi-la ao céu, ainda que o julgue vazio; porque se aprende a pedir este dom, acaba consciente da sua indigência que, sozinha, sabe gerar humildade e, portanto, sabedoria. No fim deste formidável diálogo, «Salomão acordou; fora um sonho» (3, 15). A sua reação (e a do homem bíblico) é oposta à que teríamos em circunstâncias idênticas. Nós, quando despertamos dum sonho belíssimo, o acordar leva consigo o valor da experiência e as suas mensagens – “que pena: era apenas um sonho”. Para o homem bíblico, pelo contrário, se um diálogo com Deus acontece durante um sonho, aquelas palavras adquirem um estatuto maior de verdade maior – oh, se reaprendêssemos a sonhar Deus! A sabedoria recebida em dom, o coração que escuta, torna-se imediatamente exercício de bom governo num dos relatos mais famosos e estupendos da Bíblia: o menino disputado por duas mães. O redator, provavelmente, encontrou esta história nos relatos contemporâneos ou anteriores (nas tradições orientais antigas, conhecem-se muitas variantes suas, que influenciaram também um autor como Bertolt Brecht).

As protagonistas são duas mulheres – duas mães, “duas prostitutas” – um menino vivo, um menino morto e o rei chamado a julgar: «Então duas prostitutas apresentaram-se diante do rei. Uma delas disse-lhe: “Por favor, meu senhor, eu e esta mulher moramos na mesma casa, e eu dei à luz um filho, estando ela em casa. Três dias após o meu parto, ela também deu à luz. Vivíamos juntas, sem que mais ninguém morasse ali; só lá estávamos nós as duas. Numa noite o filho desta mulher morreu, abafado por ela, que dormia sobre ele. Em plena noite ela levantou-se, enquanto a tua serva dormia, tomou de junto de mim o meu filho e deitou-o a seu lado; o seu filho, o morto, passou-o para junto de mim”» (3, 16-20). A outra mãe nega esta versão dos factos: «Não é assim; o meu filho é o que está vivo; o morto é que é o teu» (3, 22). As duas discutiam diante do rei, o qual, depois de as ouvir, toma a palavra e propor a famosíssima solução “salomónica”: «O rei disse então: “Esta diz: ‘O meu filho é o vivo; o morto é teu.’ Aquela, por sua vez, diz: ‘Não! O teu filho é o morto; o vivo é que é o meu’”. Salomão ordenou: “Trazei-me uma espada… Cortai o menino vivo em dois e dai a cada uma a sua metade”» (3, 23-25). A solução paradoxal atinge o seu objetivo, faz as duas mães revelar informações ainda não prestadas. De facto, a mulher com o filho vivo afirma: «Por favor, meu senhor, dai-lhe a ela o menino vivo! Não o mateis!» (3, 26). A outra, porém, diz: «Não seja nem meu nem teu; corta-o». Neste momento, o rei resolve o caso: «O rei disse: “Dai o menino vivo à primeira; não o mateis; ela é que é a sua mãe”» (3, 27). Uma história dramática e maravilhosa, que nos pode dizer muitas coisas.

Em primeiro lugar, mostra-nos qual foi a sentença de Salomão, mas não nos fornece dados para compreender qual era, verdadeiramente, a mãe do menino vivo. Lendo a história, podemos imaginar outros cenários. A mulher vencedora podia apenas ser mais humana e generosa que a outra ou, talvez, apenas mais inteligente. Conhecendo a sabedoria de Salomão, poderia ter previsto o raciocínio e, assim, utiliza a melhor tática para maximizar o seu resultado e ter o menino para si. Estes discursos, típicos de quem se formou na lógica económica e na estratégia da “teoria dos jogos”, não eram certamente os do escritor do texto bíblico. A ele (ou a eles) interessava dizer-nos que a escolha de Salomão é a escolha mais sábia, porque é a escolha da vida. E, depois, louvar a mulher que antepôs a vida da criança à sua felicidade individual. A Bíblia não quer que «se estenda a mão contra o menino» (Ex 22, 12), não quer que o menino morra – e, quando morre (porque nem sempre conseguimos salvar os meninos), é sempre uma noite escura da Bíblia, de Deus e do homem. O humanismo bíblico é humanismo da vida; por isso, Salomão fez a escolha mais sábia.

Mas, entre estas palavras, podemos ainda ler outras coisas. As crianças não são propriedade das suas mães. São ‘propriedade’ de todos e, por isso, de ninguém. A primeira lei da terra é a vida das crianças, que vale infinitamente mais que as querelas e os direitos dos adultos. Por fim, se fosse uma mulher a escrever os Livros dos Reis, talvez esta mesma história fosse narrada do modo diferente. Não teria feito Salomão dizer “tragam uma espada” porque, com as crianças, as espadas não devem ser usadas, nem sequer para jogar. Teria usado palavras mais humanas e solidárias para a segunda mãe, teria, antes, compreendido o seu drama e, só depois, a teria julgado pela sua (provável) mentira. Depois, teria dado um nome àquelas duas mulheres porque, a primeira dignidade das vítimas, é dar-lhes um nome. Talvez não tivesse revelado a sua profissão (um adjetivo feio que não beneficiava a economia da história) e talvez tivesse dado um nome ao menino vivo e ao menino morto, porque as mulheres chamam sempre os seus filhos pelo nome. O coração das mulheres escuta de modo diferente. Mas a história não a escreveram as mulheres, não a escreveram as mães. Porém, nós podemos lê-la e relê-la com elas, para experimentar surpreender Deus com as nossas perguntas.

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Profecia é história / 3 – A oração de Salomão deveria tornar-se o juramento de qualquer governante

por Luigino Bruni

 publicado em Avvenire em 16/06/2019

«Mas vós, espetadores do círculo de gesso, aprendei a sentença dos antigos: o que existe deve pertencer a quem fez bom uso disso: os carros aos bons condutores, que procedem bem; o vale aos bons irrigadores porque, assim, dá fruto; as crianças às mulheres maternas porque, assim, crescem bem.»

Bertolt Brecht, Il cerchio di gesso del Caucaso (editado no Brasil com o título "Circulo de giz caucasiano")

Salomão inicia a sua missão de rei pedindo a Deus o dom de um coração que escuta. E, imediatamente, o põe a trabalhar, para resolver a disputa entre duas mães por um menino. Foi uma escolha justa? E porquê?

O primeiro exercício de sabedoria de Salomão diz respeito a duas mulheres, “duas prostitutas”, duas pobres, duas vítimas, duas escravas (assim eram as prostitutas naquela sociedade). Duas pessoas infelizes, que se encontram a gerir a crise mais íntima que possa viver uma mulher: a morte do seu menino. Duas mães desesperadas, envolvidas num prodigioso duelo entre a vida e a morte, uma disputa entre duas pessoas que se agridem mutuamente, que lutam por ter um filho que, naquele mundo dominados pelos homens, era, frequentemente, a única alegria das mães. Se queremos sair melhores desta leitura, esplêndida e difícil, temos de experimentar atravessá-la com compaixão e misericórdia. Depois, para a poder reconhecer nas nossas casas e nos nossos tribunais onde, todos os dias, ecoam palavras, discursos, lágrimas parecidas, juntamente às mesmas mentiras desesperadas, pronunciadas diante de crianças que arriscam acabar esquartejadas.

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A escuta diferente do coração

A escuta diferente do coração

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Profecia é história / 2 – As pequenas e duras últimas vontades de um grande rei confirmam que ninguém é como Deus

 por Luigino Bruni

 publicado em Avvenire em 09/06/2019

«David foi um homem excelente, dotado de toda a virtude que se deveria encontrar num rei. Era prudente, doce, gentil com quem estava em dificuldade, justo e humano. E nunca caiu no erro, exceto pela mulher de Urias»

Giuseppe Flavio, Antichità Giudaiche: 390-39

Entramos no coração da história de Salomão e continuam as intrigas e as embrulhadas. Que, em contraluz, nos revelam outras mensagens essenciais do humanismo bíblico.

As grandes histórias bíblicas continuam a falar-nos porque, embora sendo maiores e mais belas que nós, assemelham-se-nos. É nos exílios que as comunidades humanas podem escrever os seus capitais narrativos mais preciosos. O grande sofrimento daqueles anos, a pátria «tão bela e perdida», as humilhações, os trabalhos forçados, as grandes orações dos Salmos cantados ao longo dos rios de Babilónia, geraram, no povo, uma pietas nova e profundíssima, que se tornou um olhar novo sobre toda a humanidade. É nos desertos que se aprende o valor da água; é em contacto com os limites dos homens e das mulheres, feridas e humilhadas, que se aprende o valor infinito dos seres humanos. O sofrimento – nosso e dos outros – transforma a ética em misericórdia, a única que torna capaz de cantar as feridas humanas porque, aí, sabe ver bênçãos. É preciso toda uma vida – se for suficiente – para aprender a encontrar Deus nos pecados do mundo.

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Deixámos Adonias, o filho mais velho do rei David e pretendente príncipe herdeiro, num banquete sagrado com os líderes do seu “partido”, rival do de Salomão, o outro filho de David. Todas as religiões e os cultos antigos conheciam a refeição sagrada. O alimento, em muitas civilizações, foi o primeiro dom oferecido às divindades. E, enquanto se ofereciam animais mortos ao próprio deus, o alimento era consumido e tornava-se, frequentemente, também sacrifício de comunhão entre os membros da comunidade. Animais mortos, portanto, sangue e violência que se tornam lugar e linguagem para o diálogo dos homens com os deuses e dos homens entre si. De facto, o alimento era recurso essencial à vida e a sua própria imagem, algo mais e diferente da nutrição; portanto, devia ser subtraído às leis da força e da habilidade individual e partilhado comunitariamente – no clã, na tribo e na família todos se deviam alimentar, também e sobretudo os mais débeis: é esta a primeira norma evolutiva que protege as sociedades da extinção. Não admira, portanto, que na Bíblia e noutros escritos antigos, os homicídios e os delitos aconteçam durante refeições sacrificiais, porque o próprio ato do sacrifício tinha inscrito em si uma dimensão intrínseca de violência e de morte (embora, paradoxalmente, ligadas à vida). Como não nos admira que, hoje, muitos meetings de políticos e de homens de negócios aconteçam durante uma refeição, quando o alimento e a comensalidade favorecem a criação de bens relacionais que, depois, por seu lado, lubrificam as dinâmicas decisórias; nem que muitos conflitos e separações comecem à mesa ou com os alimentos preparados e recusados, e que relações feridas e mortas renasçam numa refeição comum, onde ressurgimos novamente companheiros – cum panis.

O velho David não se aquece mais, apesar de Abisag, a sua nova e belíssima concubina. Uma outra mulher, a sua mulher Betsabé, chega à sua cabeceira. Antes, porém, foi ter com ela o profeta Natan para lhe recordar o sacrifício-banquete de Adonias, interpretado, pelo profeta, como tentativa de se autoproclamar novo rei: «Disse, então, Natan a Betsabé, mãe de Salomão: “Não ouviste dizer que Adonias, filho de Haguite, se tornou rei sem que o soubesse o nosso senhor David? Agora vai; vou dar-te um conselho… Vai, entra em casa do rei David e diz-lhe: Foste tu, ó rei, meu senhor, quem fez o seguinte juramento à tua escrava: ‘Teu filho Salomão é que reinará depois de mim e é ele que há de sentar-se no meu trono.’ Como é então que Adonias já é rei?"» (1 Rs 1, 11-13).

Encontrámos Natan no segundo livro de Samuel, depois do delito de David em relação a Urias, o hitita, para lhe arrancar Betsabé. Num dos episódios emotivamente mais fortes e tremendos da Bíblia, ali, o profeta tinha acusado David, contando-lhe a parábola da ovelha e tinha produzido no rei o reconhecimento do seu pecado («Pequei contra o Senhor», 2 Samuel 12, 13). Agora, Natan parece uma pessoa muito diferente. Na luta fratricida pela sucessão, ele está, claramente, do lado de Salomão e conspira. Confiando no precário estado de saúde do rei, provavelmente inventa a história do juramento feito por David a Betsabé («teu filho será rei, depois de mim»), de que não se encontra rasto nos livros de Samuel. Comporta-se, portanto, como profeta da corte, um Richelieu, excelente maquinador de intrigas do palácio. Todavia, a história anterior tinha-nos revelado a sua natureza de profeta não-falso. Também um profeta verdadeiro pode realizar ações moralmente dúbias e ambíguas. A Bíblia diz-nos que também os profetas são pessoas frágeis e porventura pecadoras. Não são as suas debilidades e os seus pecados a dizer-nos que eles são falsos profetas. A profecia não é uma qualidade moral das pessoas. Existiram – e existem ainda – falsos profetas moralmente irrepreensíveis, que são falsos não porque mentirosos ou em má-fé, mas porque falam em nome de uma voz que, objetivamente, não existe; como existiram – e existem – na Bíblia e na vida, profetas verdadeiros que cometeram delitos e pecados, mas eram – e são – habitados por uma voz verdadeira e que, honestamente, referiam ao povo. Seria demasiado simples se bastasse a conduta moral de uma pessoa a revelar-nos a verdade da sua vocação – a vocação e a santidade de uma pessoa são duas coisas distintas, embora, frequentemente, interagem entre si (mas nem sempre e não em todos do mesmo modo). Esta distinção é a principal razão que explica porque as comunidades quase nunca conseguem reconhecer os profetas verdadeiros e os confundem com os falsos, em boa ou má-fé.

Betsabé escuta o conselho de Natan, vai junto do seu marido e conta-lhe a história acerca de Adonias. Enquanto os dois falam no quarto, chega (como tinha prometido) Natan que reforça a versão de Betsabé. E, também desta vez, David continua a escutar, a acreditar e a obedecer às mulheres: «Então o rei David respondeu: “Chamem-me Betsabé!” (…) Conforme te jurei pelo Senhor, Deus de Israel quando disse: ‘O teu filho Salomão reinará depois de mim, ele se sentará no meu trono como meu sucessor’, assim se fará hoje mesmo”» (1, 28-30).

Talvez Natan soubesse quem era Betsabé para David, a mulher belíssima que o tinha encantado e lhe tinha transtornado a vida. E, como astuto estratega, para manipular David, recorre à arma mais poderosa. Tinham passado muitos anos desde que David a tinha visto do seu terraço. Estava envelhecida, mas certos fascínios, como uma luz diferente dos olhos, nunca envelhecem. Algumas belezas – pelo menos uma – não envelhecem com o tempo; o seu encanto dura toda a vida. Se não fosse assim, na última saudação não poderíamos rever o olhar do primeiro encontro.

David ordena a Natan e ao sacerdote Sadoc para ungirem Salomão como rei (1, 34-35). As tramas de Natan tiveram êxito. Neste episódio determinante da história de Israel, reencontramos uma outra constante narrativa da história bíblica. Em muitas escolhas decisivas, a vontade divina não segue as regras da Lei, o primeiro torna-se último e o último, primeiro. Estas inversões natural-divinas das coisas acontecem, quase sempre, quando se intromete um profeta e/ou uma mulher. A profecia é um princípio que transtorna as leis da ordem constituída e que desorganiza o andamento natural das comunidades. Se não existissem os profetas (e algumas mulheres), os fortes e os poderosos nunca seriam depostos dos seus tronos, os últimos permaneceriam últimos para sempre, a vida nunca nos surpreenderia e tudo seria tremendamente aborrecido e previsto, os últimos nunca seriam exaltados, nenhum pobre se sentiria chamado “bem-aventurado”.

Consagrado Salomão, David morre e deixa o seu testamento: «Eu avanço pelo caminho por onde vai toda a gente; tem coragem e sê um homem! Observa os mandamentos de YHWH, teu Deus, andando nos seus caminhos, guardando as suas leis, seus preceitos, seus costumes e exigências, conforme está escrito na Lei de Moisés» (2, 2-3). Assim, David pronuncia as suas últimas palavras. O compositor e cantor de salmos, o profeta e o enamorado de Deus, termina a sua vida dando instruções para ajustar contas ainda em aberto com algumas pessoas que conhece muito bem quem leu os livros de Samuel: «De resto, tu bem sabes o que me fez Joab, o filho de Seruia (…). Farás segundo a tua sabedoria: não deixes a sua velhice descer à paz do túmulo. Para com os filhos de Barzilai de Guilead, porém, terás misericórdia (…). Contigo está também Chimei, filho de Guera, benjaminita de Baurim; é certo que ele me amaldiçoou com veemência (…). Farás descer ao túmulo a sua velhice tingida de sangue» (2, 5-9). Podíamos esperar algo de diferente, para melhor, do testamento de David, o amantíssimo da Bíblia. Outros patriarcas morreram, deixando em herança palavras muito mais divinas e humanas. David, pelo contrário, fica envolvido pela ambiguidade moral até ao fim. Esta é uma outra linguagem, eficaz, com que a Bíblia nos diz: ninguém é como Deus. Assim, os homens – também os maiores – não se devem tornar ídolos. A luta anti-idólatra da Bíblia exprime-se também ao dar-nos descrições éticas, não idealizados dos seus homens e mulheres maiores – e, assim, torna-os melhores: curam as suas chagas morais enquanto as mostram.

Impressionam-nos, por fim, as palavras em relação a Chimei, o benjaminita, do partido de Saul. David, à distância de anos, às portas da morte, continua a sentir o peso das palavras de maldição lançadas contra ele. No humanismo bíblico, as palavras são coisas seriíssimas. A palavra cria, fecunda, ressuscita. As palavras de YHWH e – diversa, mas verdadeiramente – também as nossas. As bênçãos de Deus e a de um amigo são o maior dom que podemos receber; quando essa palavra boa nos atinge, nos ama, nos muda, torna-se vento-ruah que ressuscita os nossos ossos ressequidos. As palavras não são vanitas – sopro e fumo – porque atuam na nossa alma e no nosso corpo, porque são carne. Mas a Bíblia é demasiado verdadeira para não assumir também a responsabilidade dos riscos: se as palavras boas noa abençoam e nos fazem bem, então, as más amaldiçoam-nos e fazem-nos mal. Permanecem vivas, atuam como uma bactéria moral, no coração. Chimei tinha pronunciado palavras terríveis contra David. Ainda estavam ali, na sua cabeceira, e sussurravam-lhe as últimas palavras. Talvez também lhe tenham feito mal porque eram palavras verdadeiras («tu, David, mereces a guerra que te faz o teu filho Absalão, porque tu também combateste o teu “pai” Saul»). Só as palavras verdadeiras, mas pronunciadas sem amor, são capazes de nos amaldiçoar. As palavras verdadeiras devem ser manejadas com um cuidado infinito. São testamento, porque têm a força da vida e da morte.

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Profecia é história / 2 – As pequenas e duras últimas vontades de um grande rei confirmam que ninguém é como Deus

 por Luigino Bruni

 publicado em Avvenire em 09/06/2019

«David foi um homem excelente, dotado de toda a virtude que se deveria encontrar num rei. Era prudente, doce, gentil com quem estava em dificuldade, justo e humano. E nunca caiu no erro, exceto pela mulher de Urias»

Giuseppe Flavio, Antichità Giudaiche: 390-39

Entramos no coração da história de Salomão e continuam as intrigas e as embrulhadas. Que, em contraluz, nos revelam outras mensagens essenciais do humanismo bíblico.

As grandes histórias bíblicas continuam a falar-nos porque, embora sendo maiores e mais belas que nós, assemelham-se-nos. É nos exílios que as comunidades humanas podem escrever os seus capitais narrativos mais preciosos. O grande sofrimento daqueles anos, a pátria «tão bela e perdida», as humilhações, os trabalhos forçados, as grandes orações dos Salmos cantados ao longo dos rios de Babilónia, geraram, no povo, uma pietas nova e profundíssima, que se tornou um olhar novo sobre toda a humanidade. É nos desertos que se aprende o valor da água; é em contacto com os limites dos homens e das mulheres, feridas e humilhadas, que se aprende o valor infinito dos seres humanos. O sofrimento – nosso e dos outros – transforma a ética em misericórdia, a única que torna capaz de cantar as feridas humanas porque, aí, sabe ver bênçãos. É preciso toda uma vida – se for suficiente – para aprender a encontrar Deus nos pecados do mundo.

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Cada palavra verdadeira é testamento

Cada palavra verdadeira é testamento

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Profecia é história / 1 – Não ter medo da vida e das palavras-carne para descrever o homem e Deus

por Luigino Bruni

publicado em Avvenire em 02/06/2019

«Um antigo mestre da Mishná, Ben Bag Bag, dizia: “Volve-a e revolve-a; tudo está na Torá [Lei]”. Tudo está na Torá, mas é preciso volvê-la e revolvê-la. Deus falou, mas o homem deve colocar-lhe o comentário»
Paolo De Benedetti
, Introdução ao judaísmo

Começa aqui o comentário dos Livros dos Reis, entrando, imediatamente, nas ambivalências, ambiguidades e embrulhadas de David e Salomão. Que nos dizem que a salvação não tem necessidade da pureza e da inocência para agir e nos fazer recomeçar.

Moisés, depois que o seu povo construiu e adorou o bezerro de ouro, nas encostas do Horeb, entrou numa crise profunda. Naquele grande fracasso, sentiu a necessidade de fortalecer a sua fé e pediu ao seu Deus-YHWH: «Mostra-me a tua glória» (Êxodo 33, 18). De vez em quando, depois das rebeliões, das traições e das infidelidades, dos outros e nossas, renasce, em nós, com força, o mesmo pedido de Moisés. Sentimos a necessidade de rever a “glória” que vimos no primeiro dia, para continuar a acreditar e a viver. E, por vezes, a nossa oração é escutada. A leitura da Bíblia é uma possibilidade concreta e maravilhosa para voltar a ver a “glória” durante e depois das crises individuais ou coletivas, quando a recordação da que vimos ontem já não nos basta e, no nosso íntimo, aflora e surpreende o tremendo e belíssimo pedido: mostra-me a tua glória. A Bíblia também é isto: uma teofania que está ali, para nós, em cada dia e apenas espera que a chamemos.

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O início dos “Livros dos Reis” contém também uma conclusão da vida do rei Davi, começada com os livros de Samuel. E, por isso, continua também o espetáculo de enganos, embrulhadas, homicídios, fratricídios, violências e com a mesma tendência radical do hebreu antigo a não ter medo das ambivalências da própria história nem da história humana; uma ambivalência e uma ambiguidade que caracterizam também a história sagrada, que é uma narração da ação de Deus cruzada com a história dos homens e, por isso, também com os seus pecados.

Os Livros dos Reis foram escritos – ou, pelo menos, terminados – nos primeiros anos do exílio babilónico; portanto, depois da tragédia extraordinária de 587 a.C.: a conquista de Jerusalém por Nabucodonosor e a destruição do templo de YHWH. Os seus destinatários eram, portanto, os exilados em Babilónia, mas também os sobreviventes que permaneceram em Jerusalém e uma significativa comunidade emigrada no Egipto. Condições diferentes entre elas, mas todas atravessadas e marcadas por algumas novas, grandes e urgentes perguntas do povo de Israel daquele tempo (e nossas): ainda tem sentido continuar a acreditar num Deus-YHWH que foi derrotado? Pode, um Deus derrotado, continuar um Deus verdadeiro? A Aliança e a promessa foram apenas ilusão e engano? Como povo, temos ainda uma missão universal a desenvolver ou o nosso tempo passou? Que religião e que culto, com o templo de Salomão destruído? E, se os únicos deuses verdadeiros fossem os mais simples, dos outros povos? Que nos têm ainda para dizer as histórias dos patriarcas, Moisés, o Sinai, o mar aberto? São apenas recordações do passado ou garantia de futuro?

A história dos Livros dos Reis procura responder a estas perguntas (e também a outras). Portanto, são livros de teologia narrativa e histórica, com uma grande importância atribuída à profecia – não é por acaso que, nestes livros, encontraremos muitos capítulos dedicados a dois profetas fundamentais para toda a Bíblia: Elias e Eliseu. São história e teologia profética, são história e profecia, porque, na Bíblia, a história é profecia. A história humana é o lugar em que Deus comunica as suas mensagens através das palavras e dos gestos dos profetas. Se queres conhecer Deus, aprende a ler a história humana: talvez seja esta a primeira e principal mensagem da Bíblia, que também se torna mapa e dicionário para se orientar nesta leitura não fácil – cada estudo dos textos bíblicos é também, e sobretudo, exercício de hermenêutica de história contemporânea. O povo hebraico, destruído, ferido de morte, que estava a conhecer a fome e os trabalhos forçados, atravessado por conflitos religiosos e políticos, para reencontrar o sentido do passado e imaginar um futuro possível e, por isso, ainda recordado de um passado não-vão, que faz? Começa a escrever uma história. Na depressão coletiva mais profunda, aquele povo diferente põe-se a contar o passado, para fazer ressurgir o presente. E isto é uma mensagem esplêndida para nós, herdeiros dos antigos escritores bíblicos, e que hoje vivemos tempos parecidos. Quando, depois das maiores provas, queremos e devemos recomeçar, mas nos sentimos feridos, desencorajados, um pequeno rebanho disperso e amedrontado, podemos sempre ressurgir experimentando contar uma história. Na nossa perda e na nossa depressão coletiva, podemos deixar de chorar e ressurgir, alcançando o nosso último capital residual: o capital narrativo, herança e dom. Podemos encontrar o fio de oiro e, no escuro, traçar bordados de luz. E, depois, como na técnica japonesa do Kintsugi, usar o ouro daquele fio encontrado para recompor os vários pedaços do vaso feito em cacos, onde as cicatrizes se tornam a parte mais nobre da nova criação. Não compreendemos a Bíblia, nem muitas histórias de comunidades, sem levar muito a sério a narração do passado como re-criação do futuro.

Com este olhar, que é também uma oração, começamos, agora, a nossa leitura: «O rei David estava velho e avançado em idade; por mais que o cobrissem de roupas não se aquecia. Então os seus criados disseram-lhe: “Procure-se para o senhor meu rei uma jovem virgem; ela ficará ao serviço do rei e será para ele uma companheira; dormirá no seu seio e o senhor meu rei aquecerá!” Procuraram, então, uma jovem bela por toda a terra de Israel e encontraram Abisag, a chunamita; e levaram-na à presença do rei. Era uma jovem muito bela» (1 Rs 1, 1-4).

O início dos Livros dos Reis, encontramos David velho, acamado e incapaz de se “aquecer”. O vigor sexual do rei era, no mundo antigo, um elemento muito importante. O rei impotente era sinal e mensagem da impotência do seu reino. Reativar a virilidade apagada era, portanto, uma questão política, não médica. E uma nova mulher, jovem e «muito bela», a inserir no harém da corte, parecia aos funcionários a melhor solução – que, no entanto, não funcionou: o rei não teve relações nem sequer com a belíssima Abisag: «foi, para o rei, uma companheira e ficou ao seu serviço. O rei, porém, não a conheceu» (1, 4). Com David, regressa o feminino, que foi uma constante, para o bem e para ao mal, na vida de David – pela beleza de uma mulher, Bersabé David tinha cometido o seu maior pecado; mas, talvez, na Bíblia, nenhum homem soube, como David, compreender, dialogar e escutar as mulheres.

Uma leitura deste conhecido episódio leva-nos a simpatizar com este velho rei que, chegado ao fim da sua vida, procura responder à morte com um último chamamento à vida. Eros contra thanatos. E, talvez, através de David, personagem amadíssimo da Bíblia, podemos experimentar olhar para muitos homens (e algumas mulheres) que, na última fase da vida, procuram companheiras e companheiros mais jovens, acreditando que, assim, afastam a morte que avança inexorável no horizonte – e, talvez, graças ao afeto por David, não os condenar e, se o conseguirmos, dar-lhes uma réstia de pietas humana (a Bíblia é também um banco onde pedir emprestado, a taxa zero, palavras boas sobre as debilidades humanas).

Mas, enquanto olhamos para David, não podemos não olhar para Abisag. Uma rapariga, uma mulher, uma pessoa frágil, usada pela política da corte (gestos comuns em diversas culturas e em diversos tempos). Por vezes, continuaremos a ler os relatos bíblicos, pondo-nos ao lado das vítimas e, frequentemente, das mulheres. O episódio do frio de David aparece com uma outra luz se o olhamos com os olhos daquela rapariga, provavelmente muito jovem, que é arrancada aos seus familiares e levada à corte para servir de aquecedor do rei. Experimentemos ficar um pouco a seu lado e, nela, ao lado das outras muitas raparigas que continuam, sem o ter escolhido, a “aquecer” poderosos, levadas para aqueles leitos pela pobreza e pela força dos outros. E, depois, se conseguirmos e não estamos bloqueados pela muita dor, continuemos a ler o resto da história: «Adonias, filho de Haguite, ambicionando o trono, dizia: “Eu é que vou ser o rei”… Ele era, de facto, muito belo, e sua mãe deu-o à luz a seguir a Absalão. Fez conluio com Joab, filho de Seruia, e com o sacerdote Abiatar e eles fizeram-se adeptos de Adonias. Mas nem o sacerdote Sadoc nem Benaías, o filho de Joiadá, nem o profeta Natan nem Chimei nem Reí nem os homens da escolta de David estavam com Adonias» (1, 5-8).

Adonias é um dos filhos sobreviventes de David, irmão mais velho de Salomão. Como o irmão Absalão, morto durante a guerra civil contra David, era alto e belo, cabia-lhe o direito de primogenitura e, assim, se candidatou a ser o sucessor do pai, no trono. Reencontramos, pois, personagens chave já encontrados nos Livros de Samuel, especialmente Joab, general sanguinário de David, e Chimei, o que tinha amaldiçoado David, enquanto fugia de Jerusalém, na guerra civil com o seu filho Absalão. E, no partido oposto, o profeta Natan, que exerce a sua profissão de profeta de corte, também ele ambivalente como o mundo do poder em que vive – veremos que não basta ser um profeta não-falso para evitar ser um profeta partidário e ambíguo. Novamente refeições comuns que, em vez de serem momentos de convívio, fraternidade e comunhão, se pervertem e se tornam lugares de conflito, homicídios e fratricídios, que envolvem também David e Salomão. Talvez a dizer-nos que, se David e Salomão, apesar dos seus muitos pecados e embrulhadas, foram escolhidos por Deus, falaram com Ele, tiveram a sua sabedoria e a sua bênção, também nós podemos esperar falar com os anjos, ser abençoados por Deus e pela sua sabedoria, mesmo na ambivalência da nossa condição humana. A Bíblia continua a amar-nos assim, com estas mensagens de extraordinária esperança carnal e espiritual, divina e humana, santa e pecadora. Como David, como Salomão. Como nós.

Não entraremos dentro da grande beleza e sabedoria dos Livros dos Reis se temos medo dos pecados dos homens e das mulheres, se os lemos para encontrar uma palavra pura porque depurada das escórias humanas. Os livros dos reis (e toda a Bíblia, Antigo e Novo Testamento) abrem-se apenas a quem não se escandaliza de toda a humanidade, da sua e da dos outros, porque é dentro dos abismos das maldições que nos conduzirão aos vértices das suas bênçãos verdadeiras. São muitas as palavras de vida que não nos atingem porque, espantados pelo seu invólucro de dor e de pecado, as bloqueamos e não as deixamos entrar na nossa carne para a curar e a redimir. Experimentaremos deixar-nos tocar pelas palavras-carne destes livros, com coragem e sem temer a sua humanidade. E, então, esperemos de tudo.

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Profecia é história / 1 – Não ter medo da vida e das palavras-carne para descrever o homem e Deus

por Luigino Bruni

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Paolo De Benedetti
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Moisés, depois que o seu povo construiu e adorou o bezerro de ouro, nas encostas do Horeb, entrou numa crise profunda. Naquele grande fracasso, sentiu a necessidade de fortalecer a sua fé e pediu ao seu Deus-YHWH: «Mostra-me a tua glória» (Êxodo 33, 18). De vez em quando, depois das rebeliões, das traições e das infidelidades, dos outros e nossas, renasce, em nós, com força, o mesmo pedido de Moisés. Sentimos a necessidade de rever a “glória” que vimos no primeiro dia, para continuar a acreditar e a viver. E, por vezes, a nossa oração é escutada. A leitura da Bíblia é uma possibilidade concreta e maravilhosa para voltar a ver a “glória” durante e depois das crises individuais ou coletivas, quando a recordação da que vimos ontem já não nos basta e, no nosso íntimo, aflora e surpreende o tremendo e belíssimo pedido: mostra-me a tua glória. A Bíblia também é isto: uma teofania que está ali, para nós, em cada dia e apenas espera que a chamemos.

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Para aprender a ressurgir

Para aprender a ressurgir

Profecia é história / 1 – Não ter medo da vida e das palavras-carne para descrever o homem e Deus por Luigino Bruni publicado em Avvenire em 02/06/2019 «Um antigo mestre da Mishná, Ben Bag Bag, dizia: “Volve-a e revolve-a; tudo está na Torá [Lei]”. Tudo está na Torá, mas é preciso volvê-la...