A árvore da vida

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A árvore da vida /11 – Quem segue o chamamento é um «estrangeiro residente»

por Luigino Bruni

publicado em Avvenire em 27/04/2014

Logo Albero della vita"Mais tarde entendi – e ainda não deixei de o entender e o aprender – que somente no pleno ser-neste-mundo da vida se aprende a acreditar.” (Dietrich Bonhoeffer, Resistência e Submissão)

A primeira vez que a palavra “mercado” aparece no Génesis (23,16) é a propósito da compra e venda de uma sepultura, sinal da Terra prometida. O primeiro pedaço de terra de Canaã a tornar-se propriedade de Abraão é um terreno que ele compra para sepultar sua mulher Sara. Deus tinha-lhe prometido a «propriedade» (ahuzzà: 17,8) da terra prometida, mas a única terra que consegue em «propriedade» (ahuzzà: 23,4) é uma sepultura.

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Sucede muitas vezes a quem segue uma voz e sinceramente se põe a caminho que a terra prometida a veja ao longe, a habite, ame mas não se torne seu proprietário. Sara morre na terra de Canaã; mas morre ainda como estrangeira e hóspede. «Estrangeiro (ger) e peregrino (tosab) sou entre vós» (23,4), dirá Abraão aos hititas no início da negociação do terreno para sepultar a sua mulher – nesse mesmo lugar, o terreno e a gruta de Macpela, serão sepultados também Isaac, Rebeca, Lia e Jacob/Jacó. Assim, esta primeira propriedade sepulcral diz-nos muito sobre a vocação de Abraão; mas também sobre a aventura de quem tenta seguir na vida uma voz, um chamamento: o sentir-se estranho, caminhar em terras cuja propriedade não detém, a tenda móvel do arameu errante, são parte essencial da condição de quem responde ou tenta fazê-lo.

Se Sara e Abraão foram proprietários apenas de uma sepultura, então a terra prometida deverá ser habitada, amada, melhorada mas não possuída. Esta narrativa não diz apenas a importância da sepultura dos corpos naquela cultura (e na antiguidade em geral - basta pensar no mito grego de Antígona); sublinha também que atravessar terras prometidas sem as possuir é expressão alta de gratuidade, a natureza mais verdadeira de qualquer vocação. Comprando a terra aos Hititas para a sepultura de Sara, Abraão transforma aquele território num “lugar” que no tempo se tornará lugar sagrado; mas a mensagem mais profunda que o episódio da sepultura de Sara encerra é a de não fazer da terra prometida uma propriedade ou um lugar; ela permanece sempre diante de nós.

É, depois, muito interessante e revelador de toda uma cultura do antigo Médio Oriente e das suas práticas contratuais (cujos vestígios não desapareceram de todo nos souks de Damasco ou Teerão)  o processo de contratação entre Abraão e o proprietário do campo. O preço de venda emerge como um pormenor quase marginal no âmbito de uma conversação em que se alternam generosas ofertas, elogios e o reconhecimento da dignidade e honra da outra parte: «Ouve-nos, meu senhor; príncipe poderoso és no meio de nós; enterra a tua morta na mais escolhida de nossas sepulturas; nenhum de nós te vedará a sua sepultura, para enterrar a tua morta» (23,6). E Abraão replica: «Se é de vossa vontade que eu sepulte a minha morta… falai por mim a Efrom, filho de Zoar. Que ele me dê a cova de Macpela… que ma dê pelo devido preço...» (23, 8-9). Efrom parece estar disposto a doar-lhe o terreno gratuitamente: «Não, meu senhor, ouve-me: O campo te dou, também te dou a cova que nele está, diante dos olhos dos filhos do meu povo ta dou; sepulta a tua morta» (23,11). Então Abraão «inclinou-se diante do povo daquela terra», e disse: «… Ouve-me, peço-te. O preço do campo o darei; toma-o de mim…» (23,13). Apenas neste ponto do diálogo surge o preço: «Meu senhor, ouve-me, a terra é de quatrocentos siclos de prata; que é isto entre mim e ti?» (23,15). Abraão pesou os «quatrocentos siclos de prata, corrente entre mercadores» (23,16), e desta maneira «o campo e a gruta que nele havia passaram da posse dos hititas para a posse de Abraão» (23,20). Um siclo (shekel) era uma medida de peso, com cerca de 11 gramas. Um preço alto, comparado com o que pagou Jeremias por um campo (17 siclos de prata: Jer. 32,9), ou com as trinta moedas de prata pagas pela traição de Judas (que poderiam ser denários romanos [3,9 gramas] ou também siclos, naquele período muito mais usados em Jerusalém que os denários).

Este diálogo “económico” entre Abraão e Efrom, mesmo com a sua complexidade de símbolos, alguns dos quais muito distantes já de nós, mostra também que as trocas económicas são encontros entre pessoas, e são encontros autenticamente humanos quando os não privamos de todas as dimensões do humano, em especial da palavra. «A primeira mercadoria que se troca no mercado é a palavra», disse-me uma vez um amigo africano; na sua terra existem e resistem ainda mercados não invadidos pela lógica do nosso capitalismo individualista-financeiro que está transformando o mundo num hipermercado sem pessoas, sem encontros, sem palavras, sem honra e sem reconhecimento do rosto do outro. Precisamos de “honrar” as dívidas, mas antes disso, nos mercados, podem e devem honrar-se as pessoas; de contrário, a vida económica fica triste, e nós tristes com ela. Mas aquele antigo encontro comercial de Abraão e Efrom mostra também que um contrato com pagamento do «preço devido», pode ser – e normalmente é – um instrumento mais idóneo do que o dom para obter coisas importantes de pessoas com quem não temos ainda um relacionamento de dons recíprocos. O dom é bom e, relacional e moralmente superior aos contratos, só se existirem boas razões para o oferecer e para o receber, como nos recorda também Isaías: «Aquele que procede com justiça e fala verdade, que recusa benefícios adquiridos pela violência, o que afasta os que o querem subornar (sacode as mãos para não aceitar presentes)» (33,15). Não havendo boas razões para a gratuidade, os dons são os «presentes» de que fala Isaías, isto é, regalias, os dons sem gratuidade do rei-faraó.

Desde jogos de azar à exploração da terra, o mundo está cheio de lucros «adquiridos com violência» que depois se tornam «presentes». As organizações sem fins lucrativos deveriam recusar, «sacudir as mãos»; mas estas ‘sacudidelas’ são ainda muito raras. Por isso, mesmo para a compra da primeira nesga de terreno-garantia de terra prometida, um contrato pode ser o instrumento adequado, para sepultar com dignidade uma mulher. Ao longo da história, as nossas experiências económicas e sociais mais inovadoras e amigas dos pobres foram sempre – e o são hoje também – um misto de dom e contrato, de gratuidade e obrigatoriedade, de regras monásticas e graça, obrigações e liberdade; contratos que servem dons e dons que servem contratos.

Mas o Génesis sugere ainda que, tal como o dom, o contrato é profundamente ambivalente (não se deve esquecer a ambivalência como indispensável chave de leitura para penetrar nos textos bíblicos – e na vida). Na verdade, três capítulos mais à frente (26, 29-34), descobrimos que o segundo “contrato” de compra e venda do Génesis é aquele em que Jacob/Jacó adquire a primogenitura a Esaú, em troca de um «prato de lentilhas». Mesmo na compra e venda lentilhas-primogenitura a Bíblia considera legítimo o contrato (a primogenitura não voltará a Esaú); mas há aqui uma explícita condenação moral por motivo do preço demasiado baixo: «Esaú comeu e bebeu e depois foi-se embora, sem atribuir nenhuma importância aos direitos de filho mais velho» (26, 34). Abraão apreciara o campo onde iria sepultar a sua esposa e pagou por ele alto preço; contentando-se com muito pouco, Esaú mostrou quão pouco tinha o seu status em consideração. Os preços deveriam indicar valores. Quando o não fazem então são preços falsos; hoje, tal como ontem.

Sempre no mundo se sofreu por causa de preços altos de mais que excluíram da posse de bens consideráveis multidões de pobres. Mas o nosso capitalismo de hoje sofre também por causa de preços baixos demais: matérias-primas ou alimentos pagos a preço inferior ao valor de um «prato de lentilhas», preços que não exprimem valor nem valores, pois são fruto de especulação e de uma visão egoísta e míope que no cálculo da sua formação não consideram o uso futuro dos recursos, pelos nossos filhos e netos; é um futuro que o capitalismo vigente considera valer menos que «um prato de lentilhas».

No termo da estupenda aventura de Abraão, o pai de todos – história que, quando a revivi, me envolveu de amor – a última palavra deve ser para quantos, emigrantes como Abraão e Sara, morreram e morrem em terra estrangeira, mas não têm “siclos de prata” para comprar uma sepultura para as esposas. Foi também para eles que Abraão comprou a sepultura de Macpela, garantia de uma terra sem patrões, a terra prometida.

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A árvore da vida /11 – Quem segue o chamamento é um «estrangeiro residente»

por Luigino Bruni

publicado em Avvenire em 27/04/2014

Logo Albero della vita"Mais tarde entendi – e ainda não deixei de o entender e o aprender – que somente no pleno ser-neste-mundo da vida se aprende a acreditar.” (Dietrich Bonhoeffer, Resistência e Submissão)

A primeira vez que a palavra “mercado” aparece no Génesis (23,16) é a propósito da compra e venda de uma sepultura, sinal da Terra prometida. O primeiro pedaço de terra de Canaã a tornar-se propriedade de Abraão é um terreno que ele compra para sepultar sua mulher Sara. Deus tinha-lhe prometido a «propriedade» (ahuzzà: 17,8) da terra prometida, mas a única terra que consegue em «propriedade» (ahuzzà: 23,4) é uma sepultura.

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Ninguém é dono da Promessa

A árvore da vida /11 – Quem segue o chamamento é um «estrangeiro residente» por Luigino Bruni publicado em Avvenire em 27/04/2014 "Mais tarde entendi – e ainda não deixei de o entender e o aprender – que somente no pleno ser-neste-mundo da vida se aprende a acreditar.” (Dietrich Bonhoeffer...
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A árvore da vida /10 – A íngreme subida de Abraão e Isaac; as nossas provas

por Luigino Bruni

publicado em Avvenire em 20/04/2014

Logo Albero della vita"Depois de preparar a lenha, tendo atado Isaac sobre a pira, Abraão prendeu-lhe os braços, arregaçou as mangas, forçou os joelhos sobre ele. Do seu sublime trono, Deus viu como os dois corações se tornavam um só; viu as lágrimas de Abraão que caiam sobre Isaac e as de Isaac caindo sobre o altar, inundado pelo pranto de ambos.” (Louis Ginzberg, As lendas dos hebreus, Vol. II)


Todo o filho traz consigo um mistério de gratuidade. Também Isaac, mesmo se de modo único e extraordinário: «... a tua mulher Sara vai ter um filho teu» (17,19). Abraão «sorriu, pensando no seu íntimo …"Será que Sara vai ter mesmo um filho aos noventa anos?"» (17,17).

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Não conseguia acreditar numa promessa que violava as leis da natureza (leis que aquela mesma Voz tinha dado ao mundo e à vida). Também Sara sorriu junto dos carvalhos de Mambré: «Como é que eu vou ainda sentir essa alegria, se eu e o meu marido estamos velhos e cansados?» (18,12). E também Elohim sorrirá, ao dar o nome do filho: «Isaac» (17,19); - Jishaq – que significa «(Deus) sorrirá».

Abraão e Sara sabiam que Isaac era inteiramente e somente dom daquela primeira Voz. Tudo o resto vão descobrindo, enquanto o vivem. Nós, leitores e re-leitores destes textos, é que sabemos da “prova” do Monte Moriá, do anjo e do carneiro. Eles não: Abraão, Isaac, os criados, Sara, não sabiam o que lhes iria acontecer na cena seguinte à que estavam vivendo. Se não levarmos a sério a real humanidade destas longínquas narrações e dos seus protagonistas, acabaremos inevitavelmente por considerá-las belas e edificantes fábulas ou narrativas de sabor moralista, o que lhes retira todo o vigor antropológico, social e espiritual. Levá-las a sério significa então seguir Abraão, repetir as experiências que ele fez, "ignorantes" como ele; oferecer como ele um filho e como ele reencontrá-lo. Só uma leitura "incarnada" da Bíblia é capaz de vencer as consolações enganadoras e as ideologias. Assim nos poremos a caminho, confiantes, seguindo a voz que nos aponta a terra prometida, não sabendo se e quando chegaremos lá; temos finalmente um filho, mas vimos depois a descobrir que é preciso abandoná-lo no deserto; chega o dom de um outro filho e de novo temos que o perder; acompanhamos Caim até ao campo e lá somos mortos por um irmão; levamos uma cruz até ao Gólgota, somos crucificados, e nem força temos para ressuscitar. 

«"Abraão! Abraão!". Este respondeu: "Aqui estou". Deus continuou: "Leva contigo o teu filho único, Isaac, a quem tanto amas, vai à região de Moriá, e oferece-o lá em sacrifício, sobre um dos montes que eu te indicar”» (22,1-2). No Génesis Abraão não diz uma palavra. Sabemos apenas que "partiu bem cedo" (22,3), como cedo tinha partido para deixar Ismael e Agar no deserto (21,14). Como no longínquo dia do primeiro chamamento em Ur dos Caldeus, Abraão respondeu de novo partindo, caminhando atrás da voz. Abraão pôs-se a caminho para o monte Moriá com a mesma fé-confiança com que partira em direção à terra prometida. Fiéis à voz e a si mesmos são os que respondem pondo-se a caminho nas madrugadas e noites da vida. A fé-fidelidade-confiança está em acreditar que a voz que nos prometeu felicidade pode ser a mesma que pede o filho que te tinha dado.

Velho, Abraão parte de novo, reconhecendo naquelas palavras a mesma voz do início. Se hoje quisermos que nos seja restituído um filho, se quisermos continuar uma história de salvação, teremos que reviver aquela narrativa caminhando com e como Abraão. Uma vez na vida, pelo menos.

Júlio é um empresário que acreditou na empresa familiar que os pais lhe deixaram; Também ele fez a viagem salvífica de Abraão. Quando finalmente a empresa começava a dar frutos e se previam dias serenos, surge a exigência de pagamento de luvas para continuar o negócio com o cliente mais importante. Ele não aceitou, e regressando a casa daquela entrevista indecente apenas sabe que escutou a voz que dentro de si dizia: «Mais vale fechar a loja do que ser corrupto e injusto». Nada mais sabe: e é já muito; é suficiente para continuar bem a subida da sua vida. Mais do que isso não sabe. Não há anjos que venham visitá-lo, não sabe que está vivendo "apenas" uma provação.

Joana, dona de um bar no centro da cidade, tinha-se desfeito das máquinas de jogos, pensando nos pobres e nos seus filhos. Com isso perdeu dois mil euros por mês. Percorre também ela a subida muda de Abraão: agora que com grande esforço o bar começa a dar alguma coisa, eis que se apresenta alguém a pedir o ‘pizzo’ – uma taxa cobrada pela máfia. Joana negou porque uma voz lhe diz: «Mais vale incendiarem a loja do que perder a alma». Escuta e conhece apenas estas poucas palavras interiores, só quer saber desta contabilidade moral.

Também amiga de Abraão é a Ana, uma jovem mãe; tivera o dom de recuperar a saúde no final de um longo e extenuante tratamento; numa consulta de controle verifica-se uma recaída: não se zanga com a vida, acolhe-a com docilidade e afinco; regressa a casa sem saber o que irá acontecer no cimo do monte que a espera. Nestes autênticas aventuras da alma e do espírito, o anjo chega – se é que chega – quando já tudo se fez sem saber que teria chegado. Estes anjos não anunciam a sua chegada.

A história de Abraão mostra-nos que as coisas impossíveis e incríveis podem – não têm que – acontecer, se conseguirmos chegar até à última palavra do discurso da nossa vida. Depois, só depois, se descobre, de vez em quando, pelo menos uma vez, que aquela que parecia ser a última palavra era afinal a penúltima. Mas antes de a pronunciarmos não podíamos conhecê-la, porque era a palavra doada. O valor ético e espiritual dos que caminham com e como Abraão está em chegar ao cimo do monte com o filho, a lenha e o fogo, preparar o altar, e depois preparar-se para "morrer" com o filho nesse mesmo altar.

Mas Abraão é companheiro e aliado, também, de quantos o anjo não visitou: o menino não resistiu, a empresa faliu, o bar foi incendiado, a doença acabou por vencer. Abraão ama-nos com a sua fé forte e dócil no trecho de estrada que vai desde a tenda de Sara ao instante imediatamente antes de ouvir a voz do anjo que segura o punhal. A voz do anjo nada acrescenta ao valor da fé de Abraão, embora nos revele muito da lógica e da natureza de Elohim. Se Abraão tivesse sabido que Isaac não morreria antes do anjo falar, a sua experiência teria sido uma "ficção"; o filho de novo doado não teria sido um prémio para a sua fé; teria sido, quando muito, um mero incentivo para se pôr a caminho mais expedito de manhã cedo.

Os que na vida tiveram, pelo menos uma vez, o dom de "morrer" e "ressuscitar", aprenderam que a ressurreição chega só quando se soube morrer. Enquanto duram os nossos invernos não sabemos se e quando as primaveras irão chegar. Somos como os povos primitivos que no final de cada dia não sabiam se o sol iria renascer depois da noite. Mesmo após mil ressurreições, nossas e dos outros, quando de novo nos deparamos com um monte e uma subida, uma vez mais nos pomos a caminho "ignorantes" como da primeira vez, sabendo apenas que é preciso caminhar. Nem sequer Deus – pelo menos o Deus da Bíblia – podia saber se Abraão iria chegar até ao fim da subida e teria preparado o altar: descobriu-o – admirando-se e talvez comovendo-se – apenas quando Abraão segurou o punhal. É este assombro que torna cada instante da vida irrepetível e único; que dá enorme valor ao tempo, à história, à nossa liberdade e responsabilidade.

Não foi sobre a lógica de Abraão que construímos a Europa, o Ocidente, a modernidade, o capitalismo. A predominância da técnica, o utilitarismo económico, as análises de custos-benefício, são filhos de Ulisses, dos gregos e depois dos modernos; não de Abraão. Mas se o mundo não acaba, se boas empresas e famílias continuam a florescer, é também porque Abraão está vivo em muitos e talvez um seu eco resista em todos. Sentir-nos-íamos mais amados pela vida, menos sós nos montes Moriá da existência, se tivéssemos mais consciência de ser filhos de Abraão cada vez que, custe o que custar, nos mantemos fiéis até ao fim a uma voz, a uma promessa, a um pacto, à nossa consciência, à parte melhor de nós mesmos. Contemos então uns com os outros a história do monte Moriá, de Elohim, de Isaac, de Sara, do altar, do anjo, do carneiro. Mas, sobretudo, não deixemos nunca de nos contar a história de Abraão.

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A árvore da vida /10 – A íngreme subida de Abraão e Isaac; as nossas provas

por Luigino Bruni

publicado em Avvenire em 20/04/2014

Logo Albero della vita"Depois de preparar a lenha, tendo atado Isaac sobre a pira, Abraão prendeu-lhe os braços, arregaçou as mangas, forçou os joelhos sobre ele. Do seu sublime trono, Deus viu como os dois corações se tornavam um só; viu as lágrimas de Abraão que caiam sobre Isaac e as de Isaac caindo sobre o altar, inundado pelo pranto de ambos.” (Louis Ginzberg, As lendas dos hebreus, Vol. II)


Todo o filho traz consigo um mistério de gratuidade. Também Isaac, mesmo se de modo único e extraordinário: «... a tua mulher Sara vai ter um filho teu» (17,19). Abraão «sorriu, pensando no seu íntimo …"Será que Sara vai ter mesmo um filho aos noventa anos?"» (17,17).

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Verdadeira é a fidelidade ao Inesperado

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A árvore da vida /9 - Lei e profecia; os enredos do Génesis.

por Luigino Bruni

publicado em Avvenire em 13/04/2014

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"A primeira mulher que usou faixa à cintura foi a mãe de Ismael,
para esconder a gravidez diante de Sarai”
(Livro dos adágios sobre os profetas).

O primeiro anjo da Bíblia foi enviado para consolar uma escrava-mãeAgar – que a sua patroa tinha posto fora de casa. Perante a sua esterilidade e a crise da Promessa, Sarai procura uma solução por sua conta: “disse a Abrão: ‘YHWH não me deu possibilidade de ter filhos. Mas talvez a minha escrava, te possa dar algum filho por mim’” (16,2). E assim Sarai “deu a sua escrava Agar a Abrão como segunda mulher” (16,3).

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Perto da velhice, Sarai já não consegue acreditar que o chamamento é verdadeiro e encontra uma escapatória prevista na lei (figurava também no código babilónico de Hamurábi), mas diferente da promessa. No entanto, Agar “ao saber que estava grávida, começou a olhar com desprezo a sua senhora” (16,4). Alguma coisa não correu bem nesta solução que parecia simples: o menino que nasceu não será o ‘filho de Sarai’; continuará a ser o filho de Agar (e de Abraão). Todo o filho é dom e mistério; e cumprimento de uma promessa. “Sarai começou a humilhá-la de tal maneira que ela teve que fugir” (16,6). Agar correu para o deserto e foi nesse lugar sempre denso de grandes símbolos que se realizou uma anunciação: “hei-de tornar os teus descendentes tão numerosos que ninguém os poderá contar”. “Vais dar à luz um filho; hás de chamar-lhe Ismael, porque YHWH prestou atenção ao teu sofrimento” (16,10-11). Agar voltou para casa de Abram e as humilhações continuaram. E quando, do ventre já ressequido de Sarai (que entretanto se tornara Sara) vier à luz Isaac, voltará a dizer ao marido: “Tens de mandar embora essa escrava e o seu filho”. Abraão segue a proposta de Sara, o que o deixou “muito desgostoso” (21,11).

Depois desta segunda expulsão Agar não regressa, sai de cena, mas não saiu do livro da vida onde as muitas Agar continuam a chorar em voz alta, a ser postas fora mas a falar com Deus. “...Mandou-a embora. Ela pôs-se a caminho mas perdeu-se no deserto de Bercheba. A água que trazia no odre acabou-se-lhe. Agar deixou o menino debaixo de um arbusto e foi sentar-se a uma certa distância porque dizia: "não quero ver o menino morrer". Sentada no chão ela chorava em altos gritos” (21,14-16). Neste pranto desesperado podemos reconhecer todos os prantos das servas da terra, de ontem e de hoje; todas as mulheres humilhadas por outros homens e mulheres poderosos; os prantos e os silêncios das vítimas, de todos os migrantes e refugiados através de desertos e mares. Mas naquele deserto Agar encontra de novo YHWH: “Deus ouviu o menino a chorar e o anjo do Senhor chamou do céu por Agar e disse-lhe: ‘Que tens, Agar? Não tenhas medo, porque Deus ouviu a voz do menino, aí onde ele está.” (21, 17).

Estes capítulos cheios de beleza, de humanidade, de dor fazem chegar até nós muitas  mensagens . A primeira é sobre os conflitos e as vias de solução. Sara nunca reconhece Agar como um ‘tu’: no texto não a chama nunca pelo nome, mas sempre e só ‘escrava’; apenas YHWH a chama Agar. Sem o reconhecimento do outro não se ultrapassa bem nenhum conflito. O status de Sara – matriarca e patroa - leva a melhor sobre aquela solidariedade entre mulheres que tantas vezes se manifestou e manifesta, para além dos status. O conflito interrompe-se (mas não se resolve) usando o poder puro e duro, com a expulsão da mais débil que se torna vítima. A não solução de Sara é ainda muito frequente nas nossas instituições e empresas. Mas não é a única via de que falam estes episódios do Génesis.
Quando chegou a Canaã, regressando do Egito, Abrão entrou em conflito com o seu sobrinho Lot: “não podiam habitar juntos, porque não havia espaço suficiente para a riqueza que cada um deles já tinha” (13,6). Os bens e a abundância, quer dizer o objeto da promessa de YHWH, transformam-se em motivo de um conflito familiar. Mas Abraão encontra uma solução: “Não devem existir desentendimentos entre nós… porque somos da mesma família. Peço-te que te separes de mim. Se fores para a esquerda, eu vou para a direita e se fores para a direita, eu vou para a esquerda” (13,8-10). Aqui Abrão evita o conflito por meio de uma ação generosa: deixa que Lot escolha a terra melhor (13,10). Não é raro que sejam precisamente os dons recebidos com a vocação (a tarefa, a terra, os êxitos, o talento …) a tornarem-se motivo de conflito e de rivalidade com outros companheiros de viagem. E quando o território (a empresa, o projeto, a comunidade …) é pequeno demais para a abundância de bens e talentos, a salvação pode vir de uma separação, do seguir caminhos diferentes.

Mas as perguntas difíceis, paradoxais e trágicas destas grandes narrações não ficam por aqui. Sara significa princesa. Pelo contrário, o nome de Agar evoca o movimento de migrar. Agar é egípcia, porventura (segundo alguns midrash) filha do faraó; e o Egito não é apenas a imagem de exílio e da escravidão; é também o lugar para onde Sarai emigrou com Abrão no tempo da seca na terra prometida e onde foi entregue ao harém do faraó o qual, logo que foi descoberto o engano (não era irmã mas sim mulher de Abrão) a afastou (12,19). Também Sarai fora então migrante, escrava, vítima, rejeitada. Por seu lado, Agar é escrava e vítima, mas recebe o primeiro anjo; e, como os grandes reis e profetas, fala com Deus, é-lhe anunciada uma grande descendência. Sara e Agar, então, trocam de papéis, uma dissolve-se na outra. As vítimas e os escravos ainda existem, como ainda existem patrões e poderosos, mas estes estupendos capítulos do Génesis querem dizer-nos algo de mais profundo.

Na comédia-tragédia da vida as máscaras que as personagens utilizam são sempre mais do que uma, e cada pessoa esconde mais do que uma personagem. Mas principalmente o episódio de Agar diz que para entendermos alguma coisa do mistério da Bíblia e da vida é indispensável ler a história da salvação a partir da perspetiva de Sara e de Isaac, mas também da de Agar e Ismael. Apenas no seu conjunto elas se abrem, e nos pode ser dada ‘a inteligência das escrituras’.

O Génesis e, em certo sentido toda a Bíblia, é então atravessado pela tensão radical entre lei e profecia, obrigações e liberdade, instituição e carisma. São reconhecidas as leis-instituições da primogenitura e do patriarcado e sobre elas se constitui o povo e a Lei; ao mesmo tempo elas são redimensionadas, atenuadas, por vezes viradas do avesso com preferências por não primogénitos (Abel, Jacob/Jacó, José, David/Davi...), com escravas que falam com Deus, um patriarca que obedece à sua mulher. A trama horizontal dos patriarcas e reis entrelaça-se com a teia vertical dos desprezados, de ontem, de hoje, de sempre. É pelos seus espaços vazios que passa a ‘naveta’ da história, formando o tecido da vida. O livro da história pode ser lido na perspetiva dos pais e dos herdeiros, mas tudo ganha maior verdade e beleza se nos tentarmos posicionar também do lado dos vencidos, se olharmos com atenção e pietas [piedade] também os estreitos caminhos interrompidos.

O exercício necessário para reconhecer este enredo inextrincável e vital Sarai-Agar e Isaac-Ismael, não deve porém impedir-nos de realizar um exercício espiritual ainda mais importante: tentar fazer uma escolha e decidir a qual perspetiva queremos dar o primeiro lugar. Não é nunca indiferente se o primeiro olhar sobre as vidas e as cidades é o de Agar ou o de Sara. Se os olhos de Agar forem os primeiros a ver, poder-se-á compreender que o olhar mais fecundo sobre o mundo não é o das princesas e dos poderosos, mas o que parte das periferias bíblicas e existenciais. Onde habitam Agar, Noemi, Diná, Maria e tantas suas irmãs, de ontem, de hoje, de sempre.

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A árvore da vida /9 - Lei e profecia; os enredos do Génesis.

por Luigino Bruni

publicado em Avvenire em 13/04/2014

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"A primeira mulher que usou faixa à cintura foi a mãe de Ismael,
para esconder a gravidez diante de Sarai”
(Livro dos adágios sobre os profetas).

O primeiro anjo da Bíblia foi enviado para consolar uma escrava-mãeAgar – que a sua patroa tinha posto fora de casa. Perante a sua esterilidade e a crise da Promessa, Sarai procura uma solução por sua conta: “disse a Abrão: ‘YHWH não me deu possibilidade de ter filhos. Mas talvez a minha escrava, te possa dar algum filho por mim’” (16,2). E assim Sarai “deu a sua escrava Agar a Abrão como segunda mulher” (16,3).

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Agar e as suas muitas irmãs

A árvore da vida /9 - Lei e profecia; os enredos do Génesis. por Luigino Bruni publicado em Avvenire em 13/04/2014 "A primeira mulher que usou faixa à cintura foi a mãe de Ismael, para esconder a gravidez diante de Sarai” (Livro dos adágios sobre os profetas). O primeiro anjo da Bí...
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A árvore da vida/8 - Abrão não viu, acreditou, tornou-se justo. E foi Abraão e pai

por Luigino Bruni

pubblicato em Avvenire em 06/04/2014

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Houve grandes homens pela sua energia, sabedoria, esperança ou amor – mas Abraão foi o maior de todos” (Søren Kierkegaard, Temor e tremor ).

Depois de Babel – a cidade fortificada na qual a humanidade, após o dilúvio, tinha procurado uma salvação errada, sem diversidade e fecunda dispersão pela terra – a aliança e a salvação continuam com Abrão, que deixa a casa de seu Pai e se põe a caminho, confiando numa voz que o chama.

 

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Fé e confiança, porque toda a fé é confiança numa promessa. Noé tinha-nos salvo construindo uma arca, dentro da qual permaneceu juntamente com a sua família e com os animais, aguardando que as águas se retirassem. Abrão responde ao chamamento da mesma voz, pondo-se a caminho em direção a uma terra prometida: “Deixa a tua terra, os teus parentes e a casa do teu pai, e vai para a terra que eu te vou mostrar” (12,1). No início da sua história não lhe é pedido que construa uma arca ou que liberte o seu povo da escravidão, como acontecerá com Moisés. Para responder, Abrão deve ‘apenas’ acreditar na promessa de uma terra, e pôr-se a caminho para lá chegar; deve deixar a casa de seu pai Tera e dirigir-se para uma terra que lhe é anunciada como lugar de bênção e felicidade; mas que ele não conhece. Com Abrão – o primeiro hebreu da Bíblia – surge então um chamamento à felicidade, à fecundidade, ao florescimento: “Farei de ti um grande povo. Hei de abençoar-te, farei grande o teu nome e tu serás uma bênção. … E através de ti serão abençoados todos os povos do mundo” (12,2). Temos aqui um chamamento à vida, temos uma promessa de futuro: temos portanto o Adam, o Éden, a continuação do arco-íris de Noé. Está com ele uma mulher, Sarai; juntos chegam não à terra segura dos pais, mas sim à terra desconhecida dos filhos. A primeira vocação de Abrão está toda no acreditar incondicionalmente numa promessa e partir. É esta a sua primeira justiça.

Noé era “justo” e pela sua justiça foi-lhe confiada uma tarefa decisiva. De Abrão não se diz que era justo antes da vocação; a sua justiça nasce do ter acreditado na promessa: “acreditou e por isso foi aceite como justo” (15,6). Noé era justo e por isso acreditou; Abrão acreditou e tornou-se justo.

Há pessoas que recebem um chamamento para realizar uma tarefa de salvação, para construir uma arca: constroem-na, salvam muitos e, salvando, salvam-se. Mas há outros a quem aquela mesma voz faz uma promessa de felicidade e plenitude e a sua justiça está toda em continuar a vida inteira a acreditar incondicional e obstinadamente naquela promessa. Estes ‘chamados’ põem-se a caminho em direção a uma terra, não para salvar alguém ou alguma coisa, mas porque naquela promessa veem, ou conseguem entrever, bênção, felicidade, frutos, ‘filhos’ numerosos como as estrelas do céu. Nestas vocações as arcas a construir chegam depois (e se a vocação for autêntica chegam sempre), mas no acreditar e no partir não existe altruísmo nem sacrifício; não há dons a fazer, há apenas dons a receber. Nestas vocações parte-se com base num duplo ato de confiança: confia-se numa ‘voz’ boa que chama, e acredita-se que o cumprimento daquela promessa é a melhor felicidade.

Em todas as vocações há sempre um ato radical de confiança numa ‘voz’ que chama, mesmo quando não se sabe de quem ela é. A justiça-bondade de Abrão não é primariamente fruto de virtude: é acreditar numa promessa; e continuar a acreditar e a caminhar. Muitas doenças espirituais e, consequentemente, comunitárias surgem quando a bênção e a salvação são transformadas em perfecionismo ético; quando se vive a promessa como uma moral; quando em vez de continuar a caminhar se detém a observar virtudes (próprias) e vícios (dos outros). E perde-se o rumo.

Também no chamamento de Abrão encontramos então uma gramática universal das vocações: não apenas as religiosas, mas também as civis, profissionais, artísticas, empresariais. Abrão chega à terra de Canaã e encontra lá os cananeus: a terra prometida está ocupada por outra gente. Não encontra frutos e abundância, mas sim uma carestia que o faz emigrar para o Egito. Em Canaã fica “como estrangeiro” (17,8); os prometidos filhos – numerosos como as estelas do céu – não aparecem; inexorável, chega – isso sim – a velhice: a sua e a da sua mulher.

A terra prometida pela voz que chama revela-se sempre diferente de como a imaginávamos. Uma vocação não é um contrato (mas um pacto ou uma Aliança) e, por isso, há surpresas, desilusões, provações, desconforto; por vezes há até desespero. Mas também há sempre perdão e a possibilidade de recomeçar. A fadiga boa de quem recebeu uma vocação (e são muitos mais do que se pensa) está em continuar a caminhar quando a terra prometida surge árida e ocupada por outra gente e quando, nessa terra, são raptados familiares e bens (14,12). A justiça de Abrão está na resposta ao primeiro chamamento, mas está sobretudo no continuar a caminhar quando a promessa lhe parecia muito distante e uma ilusão, talvez. E no continuar a acreditar que aquela terra e o ventre ressequido de Sarai podiam ainda gerar, florir de bênçãos. Abrão deparou com uma terra diferente da que no momento do chamamento imaginara, mas foi justo e o maior de todos porque continuou a acreditar que a terra prometida era a que JHWH lhe haveria de mostrar, não outra.

Em qualquer vocação, a justiça está em reconhecer a terra prometida mesmo numa terra árida, em ver futuros filhos num ventre estéril. Sei de muitos empresários justos que partiram atrás de uma voz, que acreditaram numa promessa; e que depois encontraram – e continuam a encontrar – uma terra árida e não veem filhos ou netos. Salvaram-se – e salvaram – aqueles que foram capazes de divisar naquela aridez a primícia da terra prometida; salvaram-se sobretudo os que continuaram a caminhar, a montar a tenda mais adiante, sem inventar outra terra, desiludidos com a não realização da promessa.

Abrão recebeu o primeiro chamamento quando tinha 75 anos (os anos na Bíblia encerram muitos significados, todos eles importantes e em geral positivos), mas foi com 99 anos que se tornou Abraão: “cumpre a minha vontade com retidão. … O teu nome não será Abrão mas sim Abraão, porque vou fazer com que sejas pai de uma imensidão de povos. Vou dar-te uma enorme descendência” (17,1-5). Tinha já existido um chamamento, mas agora acontece algo de novo: Abrão torna-se Abraão e Sarai passa a ser Sara (17,15). Depois de 14 anos o chamamento à felicidade e à terra prometida transforma-se em chamamento a uma Aliança entre JHWH e um povo inteiro, em vista de uma bênção universal (ao ler e estudar estes primeiros capítulos do Génesis fiquei deveras impressionado com as bênçãos, com este olhar bondoso sobre o mundo e os humanos, um olhar que me ama e me alimenta). Esse novo encontro revela o chamamento, renova e qualifica a primeira promessa. Mas sobretudo muda o nome, quer dizer, dá o sentido verdadeiro da primeira vocação. Abrão não tinha sido irrepreensível (basta ler o capítulo 13 sobre Sarai no Egito); Abraão há de tornar-se tal.

Existe então um momento crucial no (bom) desenvolvimento de qualquer (verdadeira) vocação. Começara-se um dia a escutar uma voz de bênção; tinha-se chegado a uma terra desconhecida, combatido bons combates; mas faltava ainda o sentido profundo da promessa. Chega então uma segunda vocação dentro da primeira: morre Abrão e nasce Abraão. Compreende que a terra, os rebanhos e os rios generosos da primeira vocação não eram a promessa verdadeira. E torna-se também ‘irrepreensível’, não como alguém que busca a perfeição ética, pois ser irrepreensível é um dom, uma exigência profunda de verdade ao serviço da promessa. Abrão era pai de família; Abraão torna-se pai de um povo, de muitos povos, de ‘todos os povos do mundo’. Continua-se a caminhar, ainda, mesmo se o caminho é íngreme e a marcha mais parece uma silenciosa procissão com um filho-vítima em direção a um monte-altar, quando o arco-íris desaparece e as incontáveis estrelas se apagam. Salva-se e torna-se justo quem não desistir de caminhar, quem continuar a olhar para a frente, até gastar os olhos de tanto os fixar no horizonte.

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A árvore da vida/8 - Abrão não viu, acreditou, tornou-se justo. E foi Abraão e pai

por Luigino Bruni

pubblicato em Avvenire em 06/04/2014

Logo Albero della vita

Houve grandes homens pela sua energia, sabedoria, esperança ou amor – mas Abraão foi o maior de todos” (Søren Kierkegaard, Temor e tremor ).

Depois de Babel – a cidade fortificada na qual a humanidade, após o dilúvio, tinha procurado uma salvação errada, sem diversidade e fecunda dispersão pela terra – a aliança e a salvação continuam com Abrão, que deixa a casa de seu Pai e se põe a caminho, confiando numa voz que o chama.

 

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A caminho da terra dos filhos

A árvore da vida/8 - Abrão não viu, acreditou, tornou-se justo. E foi Abraão e pai por Luigino Bruni pubblicato em Avvenire em 06/04/2014 “Houve grandes homens pela sua energia, sabedoria, esperança ou amor – mas Abraão foi o maior de todos” (Søren Kierkegaard, Temor e tremor ). Depois de...
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A árvore da vida/7 - Fora da Torre dos impérios: dispersos e salvos

por Luigino Bruni

publicado em Avvenire em 30/03/2014

Logo Albero della vitaMuitos, muitos anos foram dedicados à construção da torre; ficou tão alta que para subir até ao cimo demorava-se um ano. Aos olhos dos construtores um tijolo tornou-se então mais precioso que um ser humano; se um homem caía da torre abaixo e morria ninguém se preocupava, mas se caísse um tijolo todos choravam porque para o substituir era preciso um ano inteiro. Estavam tão impacientes por terminar a obra que nem sequer permitiam às mulheres que fabricavam os tijolos que interrompessem o trabalho quando chegavam as dores de parto: davam à luz forjando tijolos, punham o menino num pano amarrado ao corpo e depois continuavam a forjar tijolos” (L. Ginzberg, As lendas dos hebreus).

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Depois da Arca os homens construíram Babel, uma cidade fortificada que no centro tinha uma alta torre. O livro do Génesis (6,15) indica as dimensões da arca de Noé (132 metros de comprimento, 22 de largura, 13 de altura); mas para Babel diz apenas que o cimo da torre deveria chegar ao céu (11, 4). Partindo desta indicação, algumas tradições antigas imaginaram alturas grandiosas para a torre (talvez com base em recordações das pirâmides do Egito ou da gigantesca ziqqurat da Babilónia), muito maiores que as da arca que tinha salvo os pais e as mães dos construtores de Babel. Normalmente, os empreendimentos dos que constroem, para seguir um chamamento e salvar, não são mais altos e fortes do que os empreendimentos de quem constrói para criar impérios.

Muitos são os significados que, ao longo do tempo, se foram estratificando sobre Babel; devem reportar-se ao exílio na Babilónia (Babel), a recordações dos “tijolos” da escravidão do Egito (“Vamos fazer tijolos”, 11,3) e à recorrente crítica da idolatria (“temos que ficar famosos”, 11,4).

A história de Babel encerra uma crítica radical a todo o império e, por isso, ao poder. Do fundador de Babel (Ninrode), o Génesis diz: "foi o primeiro grande chefe que existiu" (10,8). Babel é símbolo da cidade fortificada; mas sobretudo é símbolo do império. Não é uma crítica radical a todo e qualquer poder (também o Adam e Noé têm poder), mas ao poder que não é usado para salvar. Ainda hoje o poder salvífico de Noé e o poder dos impérios de Babel continuam a conviver lado a lado, a entrelaçar-se nas cidades e instituições. Há quem use o poder que recebeu dos cidadãos ou dos acionistas dentro de um pacto-aliança (político, económico, familiar, educativo…) com vista a uma salvação e, há quem, pelo contrário, o use para dominar e para obter rendas e privilégios: o império. Há um poder que salva e um poder que mata; e muitas vezes, quase sempre, eles coabitam nas mesmas organizações, instituições, empresas; por vezes no mesmo departamento e, até, na mesma sala, onde construtores de arcas se sentam ao lado de construtores de Babel.

O confronto Noé-Babel oferece-nos ainda outras palavras e outras mensagens de vida. Em primeiro lugar, sobre o trabalho. Seja os construtores da arca, seja os da cidade-torre eram trabalhadores e entre si solidários – sem uma forma de solidariedade laboral não pode iniciar-se nenhuma obra, nem justa nem errada. Esta solidariedade surge com força na história de Babel, onde é explícita uma ação coletiva, uma obra de grupo, uma comunidade de trabalho: <Disseram: “Agora vamos construir uma cidade com uma grande torre”> (11,4). Há um <vamos>, um encorajamento e uma exortação recíprocos em vista da construção de uma obra. Nem todas as solidariedades e cooperações são boas, nem todos os trabalhos são coisa boa: o trabalho dos pedreiros e dos engenheiros de Babel não é um trabalho abençoado e acabou por perder-se. Há trabalhos que é bom que se percam. Os trabalhos criados hoje pelos poderosíssimos impérios de máfias, da pornografia, dos jogos de azar, das empresas que envenenam, das guerras, da prostituição não são trabalhos abençoados e é preciso fazê-los desaparecer. Os trabalhos dos impérios são trabalhos de escravos; ontem e hoje: mudam as formas de escravidão e de império, mas os seus sinais e frutos são idênticos.

O erro radical de Babel foi procurar a salvação fechando-se entre semelhantes: todos “falavam uma única língua e usavam as mesmas palavras” (11,1). A cidade-torre foi edificada “para não se dispersarem pela superfície de toda a terra” (11,4). O dispersar-se era precisamente o que tinha sido comandado aos que se salvaram do dilúvio: “propaguem-se pela terra e dominem-na” (9,7). Mas a comunidade humana, no seu movimento para oriente chegou a um vale e ali se fixou (11,2): procuraram a salvação não num caminhar, mas num deter-se ao abrigo do risco da multiplicidade e de uma vida fervilhante. Aquela comunidade humana construiu uma torre-império (11,4) porque já (11,1) falava uma só língua – o único “lábio” - e todos tinham as mesmas palavras: é a língua única que produz a fortificação de Babel. A construção de um império é o último ato dos grupos humanos que perdem biodiversidade, que se uniformizam numa única linguagem, quando língua e pensamento se empobrecem, se tornam “um” não após, mas antes do múltiplo, uma unidade que nega a diversidade.

O erro grave de Babel foi então pensar que a salvação estava na criação de muros altos, em dar vida a uma comunidade cum-moenia (muros comuns) que faz desaparecer o cum-munus (dons-obrigações recíprocos). A história foi sempre uma alternância e uma mistura de cidades-muro e de cidades-dom; mas cada vez que os muros mataram os dons não vieram dias felizes para as civilizações.

Deus intervém então para salvar os habitantes de Babel de uma pseudo-salvação. Também Babel é uma história de salvação: obstinadamente, JHWJ insiste em salvar uma humanidade que, obstinadamente, insiste em querer salvar-se de modos e em lugares errados.

No caso da arca a salvação chegou com uma construção; no caso de Babel a salvação nasceu de uma destruição, de uma dispersão. A primeira dispersão salvífica acontece na família que salva os filhos quando os habilita a “dispersarem-se” no mundo, quando os fazem levantar voo e não os “consomem” em relacionamentos “incestuosos”. Muitas empresas salvam-se porque são capazes de parar perante a tentação do império; não se fecham em si mesmas no tempo da crise mas sabem relançar o caminho e enfrentam o risco da exploração de territórios desconhecidos. Muitas comunidades (e empresas, outra vez) se salvam quando os seus dirigentes não caem na tentação de se rodearem de semelhantes na língua e nas palavras, repelindo os que falam outras linguagens; ou quando compreendem a tempo que não devem continuar a crescer em “altura” e poder e têm sabedoria e coragem para “dispersar” partes do império. Para depois recomeçar, livres e abençoados, a caminhar em direção a uma terra. A grande mensagem do mito de Babel é, portanto, o convite a não cair nas ratoeiras do comunitarismo (a patologia da comunidade), fechados nos muros protetores da não-diversidade.

A bênção-fecunda está em povoar novos mundos, na variedade e biodiversidade das línguas, e portanto das culturas, talentos, vocações. A corola da flor é fecunda quando dispersa os seus esporos. A tentação de Babel chega pontual quando se escapou de dilúvios ou quando se receia a sua chegada. Em vez de dispersar, sair para a frente e olhar à volta com esperança; em vez de procurar aliados entre os que são diferentes, para trocas e encontros mutuamente vantajosos, deixa-se a tenda e constrói-se a torre. Mas nessa torre não nascem filhos. A boa casa do humano é a tenda. Na Europa de hoje, em tempos de pós (ou pré?) dilúvio, regressa a tentação de Babel. É preciso esperar de novo numa dispersão salvífica. No vale de Babel os homens não entenderam que o “céu” a que queriam chegar não estava no alto, estava diante deles, na via para o múltiplo. Não compreenderam que uma pobre tenda de nómada é mais forte que uma torre tão alta como o céu.

Fora do Éden, no jardim da história, não basta uma língua só para dizer palavras de vida. À necessidade de unidade e à saudade  de “casa” não se pode responder negando a dispersão no múltiplo, mas indo ao encontro dela e acolhendo-a. Não descobriremos a nova língua do Adam voltando para trás ou imobilizando a história no interior de torres de semelhantes; só poderemos descobri-la se caminharmos atrás de uma voz, de um arco-íris, de uma estrela, de um arameu errante.

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A árvore da vida/7 - Fora da Torre dos impérios: dispersos e salvos

por Luigino Bruni

publicado em Avvenire em 30/03/2014

Logo Albero della vitaMuitos, muitos anos foram dedicados à construção da torre; ficou tão alta que para subir até ao cimo demorava-se um ano. Aos olhos dos construtores um tijolo tornou-se então mais precioso que um ser humano; se um homem caía da torre abaixo e morria ninguém se preocupava, mas se caísse um tijolo todos choravam porque para o substituir era preciso um ano inteiro. Estavam tão impacientes por terminar a obra que nem sequer permitiam às mulheres que fabricavam os tijolos que interrompessem o trabalho quando chegavam as dores de parto: davam à luz forjando tijolos, punham o menino num pano amarrado ao corpo e depois continuavam a forjar tijolos” (L. Ginzberg, As lendas dos hebreus).

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O céu não está sobre Babel

A árvore da vida/7 - Fora da Torre dos impérios: dispersos e salvos por Luigino Bruni publicado em Avvenire em 30/03/2014 “Muitos, muitos anos foram dedicados à construção da torre; ficou tão alta que para subir até ao cimo demorava-se um ano. Aos olhos dos construtores um tijolo tornou-se...
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A árvore da vida/6 - O mal não triunfa quando existe a arca do justo

por Luigino Bruni

publicado em Avvenire  em 23/03/2014

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Refugiaram-se na arca, também, duas personagens muito especiais. Entre os que pediram asilo a Noé estava o Engano; foi-lhe recusado porque não tinha companheira: é que na arca só entravam animais aos pares. Então ele pôs-se à procura de uma consorte e encontrou a Desventura, a qual se uniu a ele com a condição de se apropriar daquilo que ele viesse a ganhar. E assim os dois foram admitidos na arca. Quando saíram, o Engano deu-se conta de que tudo quanto conseguia juntar logo desaparecia, e foi pedir explicação à sua companheira. Mas ela retorquiu: “não tínhamos nós combinado que tudo o que tu ganhasses seria meu?”. Assim o Engano ficou de mãos vazias. (Midrash aos Salmos, in As lendas dos Hebreus).

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A primeira grande obra, o primeiro feito, de que nos fala o Génesis não é a Torre de Babel; é uma grande arca de salvação e de aliança, construída por um «homem justo» (6,9). As raízes da dignidade e do valor civil e ético de toda a técnica, economia e construção humana têm fundamento na justiça de Noé.

O nome Noé significa “repouso”; ele é o herdeiro de Set (o novo Abel). A sua história é uma das mais belas, populares e extensas do livro do Génesis (ocupa nada menos que seis capítulos: do 5º ao 10º). Surge quando a humanidade – já fora do Éden – se tinha afastado da vocação original do Adam e os filhos de Caim e de Lameque se tinham imposto aos de Set. Deus (YHWH) «viu que a maldade dos homens crescia cada vez mais no mundo e que as suas intenções e planos eram sempre maus» (6,5). Assim «sentiu pena de ter criado a humanidade e ficou muito triste» (6,6).

Deus manda então o «dilúvio» (6,17). Misteriosamente, com os seres humanos são destruídos também animais e plantas, associados à triste sorte dos homens. Como se, perante a corrupção humana, o Criador não consiga já “ver” bela e boa a sua obra, como se a terra não pudesse ser “bela e boa” se aquela coisa “muito bela e muito boa” (o Adam) se corromper, se perder, se extraviar da sua vocação. Assim, também a criação morre, para renascer na esperança e na espera de um novo Adam que volte a ser digno de a cultivar e dela cuidar, numa lei de reciprocidade. É assim que Noé recebe a ordem de fazer entrar na arca da Aliança – esta palavra, arca (teba), vamos reencontrá-la na “cesta” em que foi salvo Moisés: de novo aliança, de novo salvação das “águas” – um casal de cada espécie de animais, pássaros, répteis, além de ele mesmo, sua mulher, os três filhos e respetivas mulheres; a salvação da arca é também para os seus construtores. É belo e importante que sejam um corvo e depois uma pomba – que docilmente poisa no braço de Noé – os primeiros aliados do ser humano na nova terra; aí se estabelece a aliança, não só com a família e a descendência de Noé, mas também com «todos os seres vivos que estão convosco, aves, animais domésticos e selvagens, os que agora saíram da arca e todos os que existirem na terra» (9,10). Num contexto de perversão e de corrupção, a última palavra não é da morte: no centro da cena está um justo, «a única pessoa honesta» da terra (7,1). E é com este justo que Deus firma um pacto, uma «Aliança» (6,18), palavra que com Noé entra no mundo e dele não mais sairá.

A história de Noé é a primeira gramática de uma vocação autêntica: vemos uma pessoa que recebe um chamamento; há depois uma resposta; seguidamente uma arca; e, por fim, um não-herói. O chamamento é dirigido a um “tu”, a um nome. Este “tu” é um justo; por isso, responde. Quando chega o chamamento – sobretudo o decisivo, da vida – o justo responde; e responde quaisquer que sejam o contexto e a idade: aos 20, aos 50, mas também aos 80; e até aos 600 anos (os «anos» que tinha Noé: 7,6). Noé não responde com a palavra; não fala com Deus; «caminhava» com Ele (6,9). É frequente isto: os justos simplesmente caminham, não falam; fazem, amam, dão a vida; e a sua palavra torna-se a sua obra; “falam” construindo uma arca de salvação. A vocação não é qualquer coisa psicológica, não é um sentir; é um ser, uma construção de salvação.

Assim, o primeiro sinal da justiça de Noé é responder à vocação. Mas o segundo sinal é que é mesmo decisivo: a construção de uma arca, que dá conteúdo e verdade àquele chamamento pessoal. Numa vocação, quando não se sente também o chamamento a construir uma arca, é sempre preciso interrogar-se sobre a autenticidade do chamamento: sem uma tarefa de “construção”, a vocação reduz-se a mera experiência de “consumo”; por isso não salva ninguém, nem sequer quem é chamado. Por detrás de “chamamentos sem arca de salvação” sempre se esconderam muitos autoenganos e – não raro – neuroses. As comunidades humanas, as empresas, o mundo, salvam-se cada dia de situações degradadas, estragadas, de crises radicais, porque existem pessoas que sentem um chamamento de salvação e lhe respondem. Porque existe pelo menos uma pessoa assim. Uma única pessoa pode ser suficiente para uma história de salvação. As salvações chegam porque alguém sente um chamamento a salvar-se e salvar e, sobretudo, porque constrói uma arca. Cria uma obra de arte, faz nascer uma cooperativa, uma empresa, um sindicato, uma associação, um movimento político. Forma e protege uma família, um filho, uma profissão; consegue levar às costas durante longo tempo uma cruz fecunda.

Em todas as histórias de salvação individuais e coletivas há um “justo” e há “uma arca”. Um dos espetáculos espirituais, morais e estéticos mais espantosos da terra é a presença de pessoas que receberam uma vocação e de obras que nascem dessas vocações (por vezes aparentemente “mudas”). A terra está cheia de gente que constrói “arcas” para salvar a sua geração. Essas obras, essas arcas, distinguem-se nitidamente das outras obras – grandes ou pequenas – que povoam, também elas, a terra e a economia. A conclusão da narrativa de Noé revela um sinal distintivo das arcas de salvação: terminada a sua tarefa, Noé volta a ser um homem comum. Ao contrário de Gilgamesh  e dos protagonistas das muitas narrativas sumérias e acádicas  do dilúvio, Noé não é herói ou semideus: é simplesmente homem, um homem comum; mas um homem justo. Realizada a sua obra, o Génesis apresenta-o como agricultor: planta a primeira vinha da terra; embriaga-se com o vinho dela (a ambivalência do vinho e da vida); despe-se na tenda (9,20-21) e Cam, um dos seus filhos, ri-se dele (9,22). Noé é pois, também, o paradigma de todos os portadores de carismas autênticos, dos que constroem uma arca e não se sentem heróis, mas um simples “lápis” (Madre Teresa) e sabem ver quando a tarefa acabou.

Mais tarde ou mais cedo, ao longo da vida, muitos justos ouvem o chamamento a construir uma arca de salvação, para si e para muitos. Este chamamento chega de várias formas; mas se a vida cresce e amadurece na justiça, um dia acontece o encontro crucial: quando o “justo” se dá conta de que, se não construir uma arca não salva a sua gente, nem se salva a si mesmo. Outras vezes – casos não menos relevantes – há alguém que se torna justo precisamente porque, num momento decisivo da sua vida reconhece uma voz que o chama, responde, constrói uma arca, e essa construção torna-se a salvação do seu construtor (e depois de muitos). É a arca que Noé “constrói. Outras vezes ainda, procura-se uma arca para se salvar e salvar outros mas não se ouve (ou não se reconhece) nenhuma voz que chama; inicia-se a construção de alguma coisa, quase sempre interpelados pela dor do mundo, sem perceber claramente o sentido daquela obra. Mas trabalha-se e aguarda-se uma voz. Por vezes esta voz-sentido chega durante a construção; outras vezes continua-se a trabalhar a vida toda esperando por ela. Neste caso a arca é voz e chamamento e este Noé “sem voz” não é por isso menos justo. Pode haver – e há – arcas sem chamamento; mas não deverá haver chamamentos sem arca.

A história de Noé conclui-se dentro de um horizonte cósmico, numa festa da terra: «Hei de colocar o meu arco-íris nas nuvens e esse será o sinal de aliança entre mim e a terra» (9,13). Sempre que um justo constrói uma arca renova-se aquela primeira aliança. Salvamo-nos de novo, salva-se connosco o mundo. Noé, o justo, continua a viver no meio de nós; toda a terra está em festa, é-nos dado um novo arco-íris.

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A árvore da vida/6 - O mal não triunfa quando existe a arca do justo

por Luigino Bruni

publicado em Avvenire  em 23/03/2014

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Refugiaram-se na arca, também, duas personagens muito especiais. Entre os que pediram asilo a Noé estava o Engano; foi-lhe recusado porque não tinha companheira: é que na arca só entravam animais aos pares. Então ele pôs-se à procura de uma consorte e encontrou a Desventura, a qual se uniu a ele com a condição de se apropriar daquilo que ele viesse a ganhar. E assim os dois foram admitidos na arca. Quando saíram, o Engano deu-se conta de que tudo quanto conseguia juntar logo desaparecia, e foi pedir explicação à sua companheira. Mas ela retorquiu: “não tínhamos nós combinado que tudo o que tu ganhasses seria meu?”. Assim o Engano ficou de mãos vazias. (Midrash aos Salmos, in As lendas dos Hebreus).

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E Noé reconstruiu o arco-íris

A árvore da vida/6 - O mal não triunfa quando existe a arca do justo por Luigino Bruni publicado em Avvenire  em 23/03/2014 Refugiaram-se na arca, também, duas personagens muito especiais. Entre os que pediram asilo a Noé estava o Engano; foi-lhe recusado porque não tinha companheira...
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A árvore da vida/5 - A pergunta que habita a história: "Onde está o teu irmão?"

por Luigino Bruni

publicado em Avvenire em 16/03/2014

Logo Albero della vita«És ainda aquele da pedra e da funda, homem do meu tempo. Estavas na carlinga, com as asas malignas, as meridianas de morte, – sim, te vi – dentro do carro de fogo, na forca, nas rodas de tortura. Sim te vi: eras tu, com a tua ciência exata dirigida ao extermínio, sem amor, sem Cristo. Mataste ainda, como sempre, como mataram os pais, como os animais que te viram pela primeira vez. E este sangue odora como no dia que o irmão disse ao outro irmão. «Vamos até aos campos» (Salvatore Quasimodo).

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Se o primeiro homicídio da história foi um fratricídio, então todo o homicídio é um fratricídio. Elohim não abandona o Adam, veste-o com peles (3,21). O humano não parte sozinho: é uma família que deixa o Éden. A primeira viagem humana nas dores da história não é uma viagem solitária; é um caminho feito em conjunto. Além das peles recebidas, o grande dom para enfrentar a noite do tempo e os tempos da noite é a companhia recíproca na viagem. Mesmo quando se atravessa a hora da desventura ou do erro, poder atravessá-la junto a alguém, ‘olhos nos olhos’, é o pedaço de pão, o gole de água que salvam de morrer no deserto – nos desertos das crises de trabalho, das empresas, da vida, também.

A bênção sobre a criação e sobre o Adam não foi anulada com a desobediência. Ao casal humano é dado um filho, Caim. Também ele é um dom; mesmo futuro homicida é sempre filho. O segundo a nascer foi Abel. Ambos são trabalhadores: Abel é pastor, Caim agricultor; talvez na narração haja um eco do conflito entre os últimos nómadas e os primeiros agricultores que estes vieram a vencer. Fazem ambos ofertas a Deus mas, por razões misteriosas (pelo menos em parte), Deus não apreciava os dons de Caim. Caim sofre por esta falta de reconhecimento (“ficou muito irritado e de má cara”, 4,5), um reconhecimento que pretendia também por ser o primogénito; e não consegue dominar esta dor-inveja-raiva. Convida Abel a ir com ele até ao campo, e mata-o. É a grande mudança, o grande silêncio da criação.

A gramática do emaranhado de dons, obrigações, expetativas de reciprocidade, exigências, é essencial em qualquer discurso sobre a vida humana. A morte chega como resposta ‘horizontal’ a uma frustração nascida numa relação ‘vertical’: a falta de aceitação da parte de Deus para com os dons de Caim não produz uma rebelião para com Ele (como acontecia nos mitos da vizinha Grécia); desencadeia violência para com um irmão que não tem culpa. Todos somos ‘doentes’ da necessidade vital de reconhecimento, estima, gratidão; mas a suavidade de uma existência constrói-se com o exercício dia após dia para não nos envenenarmos e não nos tornarmos maus para com os nossos pares (os irmãos, os colegas de trabalho) que, parece, conseguem obter mais do que nós; esse exercício é necessário mesmo quando a diversidade de tratamento nos parece injusta e injustificada. Quando este fundamental exercício do humano não chega a bom termo (e quantas vezes isso acontece!), surge de novo o ‘delito’ contra a fraternidade.

A morte chega ao mundo pela mão de um irmão. E quando Caim regressa dos campos, sozinho, ouve ser-lhe dirigida a pergunta, “Onde está o teu irmão?”. Desde aquele dia esta pergunta não mais deixará a história; será sempre a primeira, radical, pergunta de toda a ética e de qualquer responsabilidade. Caim não tinha sido o guardião e portanto não tinha sido responsável (não dera resposta): “Não sei. Será que eu sou o guarda do meu irmão?”. Este capítulo, assim, não fala apenas do primeiro fratricídio: em contraluz revela-se também a primeira lei de qualquer fraternidade.

Caim continua a falar com Deus, a dialogar com ele, mesmo depois do fratricídio. Mesmo um fratricida continua a ser o Adam. A última palavra de Caim é um pedido de ajuda para não morrer: “Se tu me expulsas desta terra … qualquer pessoa que me encontrar me pode matar”. E Deus: “De modo nenhum!”, e pôs um sinal a Caim, “para que não pudesse ser morto por quem o encontrasse” (4.14).  Não sabemos que sinal era esse, qual o seu símbolo. Era, em todo o caso, um sinal de vida. Até um homicida continua a ser imagem do Adam (5,3), de Elohim e de quem o criou e gerou – quantas vezes a mãe de um assassino tem que levar ao peito uma velha fotografia do filho ainda menino e com essa imagem, distante mas viva, tenta que dentro de si não morra aquele filho. Mesmo um assassino continua a ser filho. E por isso deve viver. Mas a história humana, pelo contrário, não respeitou o sinal de Caim: continuou, e continua, a matá-lo, a praticar a lei de vingança de Lameque. Não matar torna-se então um mandamento para os filhos de Caim e também para os que quisessem vingar Abel. Só com o sinal de Caim se rompe a lógica de “talião”, se põe em crise a lei da justiça das equivalências e da vingança: uma vida negada não se compensa com outra morte, mas com outra vida. E assim o capítulo encerra com um canto à vida, com outro menino: Set. “Deus deu-me outro filho no lugar de Abel que Caim matou”, exclama Eva (4,25). E tal como Caim dá início a uma estirpe, também Set, o novo Abel, irá ter uma sua descendência que se entrelaçará para sempre com a de Caim. De Caim irá descender Lameque, o primeiro bígamo e assassino de crianças; mas de Set virá Noé, o justo.

Somos então herdeiros de Caim, mas também filhos e herdeiros de Set. Somos todos, sobretudo, herdeiros de Abel. O primeiro irmão assassinado está vivo de novo. É esta também a força da Escritura. Sempre que encontramos, encarnamos e revivemos este capítulo quarto, podemos e devemos sentir de novo a tentação de Caim. Mais forte, porém – em nós e no mundo – vive realmente, de novo, Abel. A força de eternidade da Palavra ressuscita-o sem cessar.

Abel continua vivo nas vítimas da história; vive de novo sempre que um inocente, manso ou não-violento, é assassinado. E de novo morre; e nós experimentamos outra vez toda a dor inocente dessa morte. Abel vive outra vez sempre que optamos pela mansidão diante da violência – a nossa e a dos outros – ou quando preferimos sucumbir como justos a tornarmo-nos assassinos: “Mesmo se usares a tua mão para me matar, eu não usarei a minha para te matar”. É a versão corânica das palavras que Abel dirige a Caim quando se apercebe de que o irmão está para o atingir (Sura 5,28).

A terra está repleta de ‘lugares de Abel’. Resgatar e diminuir o número desses lugares mede o grau de desenvolvimento humano e espiritual de qualquer civilização e do mundo no seu conjunto. Podemos perguntar: nos dois milénios e meio que nos separam daquele antigo capítulo 4 do Génesis, o número de ‘lugares de Abel’ aumentou ou diminuiu? O cálculo não é fácil. Alguns foram eliminados, sem dúvida, mas outros novos surgiram: passeios de rua e hotéis de cinco estelas onde se pratica ‘escravatura branca’, salas de jogo, vídeo-loterias, muitos centros de primeiro ‘acolhimento’ de imigrantes, celas de prisão onde acabou por entrar gente apenas por ser vítima, muitos campos de refugiados e de prisão nas guerras esquecidas, fábricas de morte onde trabalham crianças para não morrer, casas para idosos tristes e sós onde se espera a morte.

Precisamos de olhar mais o mundo pelo lado das vítimas, observá-lo na perspetiva de Abel e dos seus lugares. Visitando-os e amando-os aprenderemos coisas muito diferentes das que se veem da perspetiva de Caim e dos seus lugares, que são tantos. Veremos, por exemplo, que não é verdade que Caim vence, não é verdade que violentos e assassinos vencem sempre. Há uma vitória de Caim, mas há também o triunfo de Abel, o não-fratricida. A história mostra violentos que matam e não-violentos que sucumbem, mas o sangue de Abel é semente fecunda da qual nascem os Noé que salvaram o mundo; e que o salvam de novo, todos os dias. O mundo salvo e povoado pelos filhos de Set, o mesmo mundo salvo em que vivem também os filhos de Caim que continuam a ferir Abel e recebem, também eles, o ‘sinal’ para não serem mortos.

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A árvore da vida/5 - A pergunta que habita a história: "Onde está o teu irmão?"

por Luigino Bruni

publicado em Avvenire em 16/03/2014

Logo Albero della vita«És ainda aquele da pedra e da funda, homem do meu tempo. Estavas na carlinga, com as asas malignas, as meridianas de morte, – sim, te vi – dentro do carro de fogo, na forca, nas rodas de tortura. Sim te vi: eras tu, com a tua ciência exata dirigida ao extermínio, sem amor, sem Cristo. Mataste ainda, como sempre, como mataram os pais, como os animais que te viram pela primeira vez. E este sangue odora como no dia que o irmão disse ao outro irmão. «Vamos até aos campos» (Salvatore Quasimodo).

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Somos todos herdeiros de Abel

A árvore da vida/5 - A pergunta que habita a história: "Onde está o teu irmão?" por Luigino Bruni publicado em Avvenire em 16/03/2014 «És ainda aquele da pedra e da funda, homem do meu tempo. Estavas na carlinga, com as asas malignas, as meridianas de morte, – sim, te vi – dentro do carro ...
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A árvore da vida/4 - A perda da inocência é o início do tempo da ética

por Luigino Bruni

publicado em Avvenire em 09/03/2014

Logo Albero della vita

“O jasmim das traseiras de minha casa ficou completamente destruído com as chuvas e tempestades dos últimos dias; as suas florzinhas brancas flutuam em poças negras e lamacentas e sobre o telhado baixo da garagem. No entanto, algures dentro de mim, o jasmim continua a florir imperturbável, com tanta profusão e delicadeza como sempre floriu”. (Etty Hillesum)

A sinfonia da vida – que no centro tem o ser humano e as relações de reciprocidade – interrompe-se bruscamente: entra em cena a dor e, depois, a morte. Passa-se isto no capítulo 3 do Génesis e em todos os capítulos da nossa vida.

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Já abundantes, os códigos simbólicos da narração tornam-se aqui riquíssimos e poderosos; alguns têm raíz em mitos ainda mais antigos do Médio Oriente ou estão com eles entrelaçados. Muitos significados simbólicos, demasiado “longínquos”, perderam-se para sempre; outros foram sendo acrescentados ao longo dos séculos, muitas vezes recobrindo com “estuque” ideológico traços e cores do fresco original que irradia a luz da aurora. Estes grandes textos poderão falar-nos ainda, “na brisa matutina”, se – como os seus protagonistas – nos colocarmos “nus” perante a sua essencialidade e nos deixarmos interrogar: "Adam, onde estás?".

O primeiro embate é a entrada em cena da serpente que dirige a palavra à mulher. Falam dos frutos da "Árvore do conhecimento do bem e do mal", os frutos que Deus tinha proibido a Adam: "Deste não podes comer. No dia em que dele comeres, ficas condenado a morrer" (2, 17). Na realidade, mais que uma proibição, trata-se de uma advertência, uma promessa: o humano não pode comer aqueles frutos porque se os comesse morreria. A serpente contesta aquela primeira promessa e formula uma outra bem diferente: "Certamente não morrereis! Deus sabe que no dia em que comerem desse fruto, os vossos olhos se abrirão, e ficarão a conhecer o mal e o bem, tal como Deus" (3,4-5). A serpente termina aqui o seu diálogo. Mas as suas palavras tinham sido eficazes: a mulher confia na promessa da serpente, olha de outro modo para a árvore; os frutos parecem-lhe bons, belos, apetitosos; come deles e oferece-os ao homem. Os dois não morrem; abrem-se os seus olhos e vêem de modo diferente – com vergonha – a sua nudez. O primeiro dado do texto parece, portanto, desmentir a promessa de Deus ("morrereis") e confirmar a da serpente ("os vossos olhos se abrirão").

A serpente é logo designada como o "mais inteligente" dos animais criados (3, 1). Também ela fazia parte da criação bela e boa; Adam conhecia já a sua inteligência, pois tinha-lhe dado nome. Nem todo o uso que se faz da inteligência conduz à vida e ao bem. Todos nós convivemos com gente que usa abundantes dons de inteligência para destruir, fugir ao fisco, seduzir e explorar os fracos; para enganar os outros, aperfeiçoar máquinas de jogo, aumentar a eficiência de minas antipessoais. Desta inteligência errada está a terra cheia. Existe a inteligência boa da vida, mas a seu lado está também a inteligência da serpente. Esta inteligência diferente manifesta-se como discurso, como logos. É falando que a serpente seduz e convence; usa, portanto, de modo diverso, a mesma palavra que tinha criado o mundo, o homem, a mulher e a serpente. Está nisto, também, a força da palavra; assim como sabe criar, sabe destruir, embora a Palavra que cria seja mais forte e profunda que a palavra que destrói.

A história está cheia de palavras criadoras, mas também de palavras que com a sua força nua destruiram vidas, reputações, empresas, casamentos; provocaram suicídios. Distinguir as inteligências de serpente das boas inteligências é arte fundamental da vida. É muito, muito difícil; mas a árvore da nossa vida florescerá se tivermos condições sociais, éticas e espirituais para aprender e aperfeiçoar esta arte. A vida de pessoas e instituições está marcada por encontros decisivos com estas inteligências diversas. Todos conhecemos pessoas “muito boas e muito belas” que perderam o fio de ouro da sua vida, apenas porque não souberam (ou não puderam) reconhecer a inteligência da serpente. Eu vi empresários perderem-se, não por falta de encomendas ou de lucros, mas por terem dado confiança a uma lógica diversa da lógica da vida, porque não se aperceberam da serpente por detrás de promessas de grandes ganhos e empréstimos fáceis; ou porque seguiram lógicas e conselhos que acabaram por destruir a confiança boa sobre a qual se apoiavam as suas empresas e as suas vidas.

Desde o “dia” do encontro com a serpente, a inteligência boa da vida e a inteligência da serpente convivem lado a lado, estão entrelaçadas uma na outra no coração de todas as pessoas, sem exceção. Aprende-se o ofício de viver aprendendo a reconhecer a presença desta inteligência diferente antes de mais em nós mesmos, nos nossos raciocínios (é sempre uma luz escura que não gera vida mas morte), e só numa segunda etapa, reconhecendo-a nos raciocínios dos outros. Depois, é precisa muita atenção para não cometer o erro – muito comum em responsáveis de comunidade ou de empresa – de considerar alguns colaboradores sempre e em tudo detentores da inteligência da serpente (e que por isso nunca se podem escutar e devem ser excluidos) e outros sempre e em tudo portadores da inteligência boa e sábia. Pelo contrário, o enredo das duas inteligências atravessa tudo e todos; mas – não o esqueçamos nunca – a inteligência da vida é mais forte, verdadeira, tenaz e acabará por vencer.

Mas dá-se um novo embate, ainda que pareça até dar razão a algumas palavras da serpente: "Eis que o homem tornou-se semelhante a um de nós, conhecendo o bem e o mal" (3,22). O homem e a mulher perderam para sempre a inocência do Éden e o encanto da primeira criação; mas o texto sugere que, paradoxalmente, ganharam também qualquer coisa de importante: entraram na idade da ética (o conhecimento do bem e do mal) e da responsabilidade: daqui por diante deverão responder pelas escolhas que fizerem ("Adam, onde estás?" - 3, 9).

Mas então poderemos deduzir ainda desta narrativa do Génesis algo importante, surpreendente, talvez. Uma vez fora do Éden, é possível reencontrar a integridade, a harmonia, a unidade do paraíso perdido, habitando com o amor-dor os lugares fundamentais do humano: "os incómodos da gravidez", "sentirás forte atração pelo teu marido, mas ele há-de mandar em ti" (3, 16), "só à custa de muito suor conseguirás o necessário para comer", "até que um dia te venhas a transformar de novo em terra, pois dela foste formado" (3, 17-19). “Saímos” do primeiro Éden sem regresso, mas Adam (o homem) não está morto; Elohim (Deus) deu-lhe uma segunda chance: a história. A vocação da humanidade não pode consistir num voltar atrás para o primeiro Éden que já não existe, à procura, talvez, de pureza e inocência e fugindo dos lugares mais humanos da dor: a geração de filhos, as relações entre iguais, o trabalho, a morte. Podemos procurar e reencontrar as harmonias do primeiro jardim amando, com a boa inteligência da vida, precisamente os esplêndidos e dolorosos lugares do humano. Se assim não fosse, a história seria engano; o mundo, uma condenação. Pelo contrário, a história é caminho para casa; cada um leva consigo “em dote” o património de dor-amor que construiu ao longo do caminho. É esta a primeira grande dignidade do amor humano, da família, do trabalho e também do regresso de Adam à adamah (1). Tarefa moral de cada um – e da humanidade no seu todo – será então a de se esforçar por diminuir a dor no mundo.

É possível salvar-nos criando crianças (e ajudando-os a tornarem-se adultos), apaixonando-nos, respeitando-nos na reciprocidade, trabalhando e reaprendendo a morrer em cada geração – a nossa ainda está a caminho. Todos os dias nos salvámos com o esforço-amor das canseiras: os filhos, o trabalho e o último grande tormento. São os caminhos que temos para podermos chegar a ver ao longe uma nova terra-jardim: novas Eva e novos Adão, na brisa de cada dia.


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(1) NdT: - palavra hebraica para 'terra'
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A árvore da vida/4 - A perda da inocência é o início do tempo da ética

por Luigino Bruni

publicado em Avvenire em 09/03/2014

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“O jasmim das traseiras de minha casa ficou completamente destruído com as chuvas e tempestades dos últimos dias; as suas florzinhas brancas flutuam em poças negras e lamacentas e sobre o telhado baixo da garagem. No entanto, algures dentro de mim, o jasmim continua a florir imperturbável, com tanta profusão e delicadeza como sempre floriu”. (Etty Hillesum)

A sinfonia da vida – que no centro tem o ser humano e as relações de reciprocidade – interrompe-se bruscamente: entra em cena a dor e, depois, a morte. Passa-se isto no capítulo 3 do Génesis e em todos os capítulos da nossa vida.

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O caminho para casa: habitar o humano

A árvore da vida/4 - A perda da inocência é o início do tempo da ética por Luigino Bruni publicado em Avvenire em 09/03/2014 “O jasmim das traseiras de minha casa ficou completamente destruído com as chuvas e tempestades dos últimos dias; as suas florzinhas brancas flutuam em poças negras...
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A árvore da vida/3 - E Deus viu: não é bom que o Adam esteja sozinho

por Luigino Bruni

publicado em Avvenire  em 02/03/2014

Logo Albero della vitaA morte, quando chegar, terá os teus olhos” (Cesare Pavese)

Não é bom que Adam esteja sozinho”. A criação fica completa quando aquela ‘coisa muito bela e muito boa’ – o Adamse manifesta como realidade plural, quando se torna pessoa. É apaixonante e riquíssimo o ritmo do segundo capítulo do Génesis, desde Adam (o ser humano) até ao homem e mulher.

Inicialmente, Adam é colocado no jardim do Éden, cuida dele e cultiva-o: trabalha, portanto. Há duas árvores com nome: ‘a árvore da vida’ e ‘a árvore do conhecimento do bem e do mal’.

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Adam pode comer os frutos da árvore da vida e das outras árvores; não pode comer os frutos da segunda árvore. É então que Elohim exclama: “Não é bom que Adam esteja sozinho”. E acrescenta: “vou dar-lhe uma companhia igual a ele” (2,18). Pela primeira vez, numa criação toda boa e bela, ainda, estamos perante um “não é bom”; refere-se à solidão, a uma carestia relacional. Tem então início uma das passagens mais sugestivas e fecundas do Génesis. Diante de Adam passam em parada os animais da terra e as aves do céu. Adam dá-lhes um nome, isto é, relaciona-se com eles, conhece-os e descobre a sua natureza e o seu mistério; mas no final desta procissão da criação não-humana, Adam não fica satisfeito porque não encontrou ainda nenhuma criatura que estivesse junto de si como ‘par’.

A narrativa tem aqui uma viragem que leva o leitor a colocar-se num outro plano, a entrar numa dimensão nova da humanidade. Entra em cena o ezer kenegdo, expressão hebraica que se reporta ao olhar e aos olhos; poderíamos traduzi-la assim: ‘alguém com quem se pode cruzar o olhar de igual para igual’; alguém que se encara ao nosso nível, ‘olhos nos olhos’. É o primeiro encontro humano. São os primeiros olhos que veem outros olhos inteiramente iguais e totalmente diferentes/diversos: “Agora sim; desta vez, finalmente!” (2,23). E é também a primeira vez que surge o homem (masculino) e a mulher: antes deste encontro existe apenas o Adam, o terrestre (adamah é a terra).
A história não começa com o pecado: começa com olhos que se cruzam de igual para igual. O ezer kenegdo é a mulher, a ishàh que está diante do ish (o homem), como o ish está diante da ishàh: “homem [ish] tem para além de mulher [ishàh] a letra yod, ao passo que mulher para além de homem a letra he: unindo ambas, as letras que distinguem os dois nomes, obtém-se יה, isto é Yah, que é a forma breve do tetragrama sagrado do nome de Deus” (Franco Galeone). A verdadeira natureza humana é relacional; está contida e explicada naquela relação homem-mulher (1,27) que funda e gera as outras.

Para a felicidade de Adam não basta o Éden, com as suas árvores e frutos. Não bastam sequer os animais, porque não são seus ‘pares’ e não preenchem a solidão humana (mesmo se hoje em dia uma certa cultura – e o impressionante negócio que a promove – os apresenta como substitutos perfeitos dos olhos do outro). Podem quando muito acompanhá-la, companhia por vezes preciosa e que ajuda a viver; e que é tanto melhor quanto mais se insere numa trama de relações humanas. Para o prazer pode bastar o Adam; para a felicidade é preciso ish/ishàh, e são sobretudo necessários aqueles olhos especiais que nos acolhem ao nascer; os últimos que um dia iremos ver nesta terra; aqueles que depois irão fechar os nossos e os primeiros que gostaríamos de rever, quando os ‘reabrirmos’. Mas é preciso o treino de toda a vida para que os olhos que procuramos sejam os do/a outro/a, não o reflexo dos nossos nas suas pupilas. Só quando se é capaz de encontrar e reconhecer verdadeiramente o outro na sua verdadeira diversidade, é que o seu olhar nos restitui a parte melhor de nós. Não ter alguém que nos olhe assim, que nos reconheça e nos revele a nós mesmos, é uma das formas mais graves de miséria e privação da pessoa, muito frequente onde há grande riqueza e poder: raramente se é aí olhado e amado de igual para igual.

É surpreendente como esta descrição do homem-mulher paira imensamente acima do tempo em que foi escrita. Ao seu redor e atrás de si o autor sagrado apenas podia ver uma realidade de submissão e inferioridade da mulher; mas foi de tal modo inspirado que se elevou muito acima do que via e compôs um hino à reciprocidade homem-mulher. Um canto de amor, mas também um juízo crítico sobre o mundo de ontem e de hoje, devido a uma desordem, um desvio, uma decadência. Mas no princípio era o ezer kenegdo. A história humana fora do Éden não foi apenas, com Caim, a negação do Adam; foi também a traição da reciprocidade primordial do ezer kenegdo em muitos ‘adam’ que profanaram a paridade moral, negaram igual respeito, liberdade e dignidade às mulheres.

Homens e mulheres, em todo o caso, colaboraram. A mulher foi sempre a primeira ajuda do homem e vice-versa. Mas, tanto na praça pública como dentro de casa, os olhares não se cruzaram de igual para igual. Eram – e em muitos lugares são ainda – demasiado grandes as diferenças em oportunidades de trabalho, educação, civis, institucionais e, muitas vezes, de felicidade. Embora se deva não esquecer que, mesmo nas sociedades mais machistas do passado e do presente, tenha havido sempre momentos e lugares em que um homem e uma mulher trocaram olhares de igual para igual. Muitas filhas se salvaram porque conseguiram, algumas vezes, descortinar nos olhos dos seus pais o olhar originário do Éden. E continuam a vê-lo, a procurá-lo, a lutar para que ele se torne cultura, política, direitos.

A questão da relação ish-ishàh está no cerne de qualquer civilização, incluindo, claro, a nossa. Começam a aparecer algumas boas respostas; mas continuam ainda os enganos, como os tão frequentes em grandes empresas onde se pensa ter atingido a igual dignidade ‘concedendo’ a (poucas) mulheres lugares de chefia em organizações cuja cultura, linguagem, testes de seleção, incentivos e regras do jogo foram totalmente ditados por ‘ish’ sem ‘ishàh’. Ciclópico, mas apaixonante e importantíssimo, é o trabalho que nos espera para, a partir da reciprocidade ish-ishàh, revermos não apenas a linguagem, mas os sistemas penais, as escolas, a política, a finança, a cobrança de impostos. Quando esta reciprocidade fundamental não existe, muito sofrem as mulheres, mas também os homens, porque a felicidade de todos encontra-se dentro desta reciprocidade entre iguais.  Quando perdemos o olhar de igual para igual do outro e da outra, perdemos o sentido do limite; ficamos desorientados; tornamo-nos patrões ou súbditos; já não sabemos quem somos; nascem inúmeras desordens morais e espirituais.

Muitos são, então, os desafios e as questões que o humanismo do ezer kenegdo põe à economia e à sociedade. Pensemos no trabalho. Adam tratava e cultivava o jardim mesmo nos tempos da solidão. Também se pode trabalhar sozinhos. Mas o trabalho é uma experiência plenamente humana, é um espaço de excelência ética quando não se está só; quando se consegue trabalhar como iguais e em conjunto homens e mulheres. Mesmo quando se trata de ordenados milionários, se em casa não se partilharem ‘olhos nos olhos’ os frutos do trabalho não se tornam felicidade plena; na melhor das hipóteses poderão trazer conforto e algum prazer. Os olhos dos que amamos multiplicam os nossos salários, podem tornar suportável o fardo do desemprego; e quando esses faltam empobrecem até as folhas de pagamento mais chorudas.

Não é bom que o Adam esteja sozinho’, então, é uma palavra que também se dirige ao nosso trabalho. Tendo trabalhado e trabalhando ainda nas fábricas, nos campos ou nas minas, os homens continuam humanos também porque o fizeram em conjunto, lado a lado, porque trocaram olhares de igual para igual, mesmo quando tinham os olhos cheios de lágrimas ou de raiva. A cultura do trabalho e as suas novas formas de organização ameaçam hoje fazer-nos regressar à condição do Adam sozinho. Não só por causa das novas tecnologias (às quais frequentemente fazem falta olhos para ver e corpos para tocar), mas, antes ainda, por causa de uma visão antropológica que pretende aumentar o bem-estar e diminuir as feridas pura e simplesmente eliminando (ou regulamentando e esterilizando) os encontros humanos entre iguais. Acaba-se assim por recriar à volta do indivíduo-trabalhador paraísos artificiais onde existem árvores e serpentes, mas onde não há alegria de viver.

Sempre que não queremos ou não conseguimos trocar olhares de igual para igual, acabamos por contentar-nos com olhares mais baixos, pedimos muito pouco a nós mesmos e aos outros; os frutos da Árvore da vida não conseguem amadurecer. “Ish” regressa triste ao Éden, sem olhares humanos e ouve de novo ecoar no jardim: “Não é bom que o Adam esteja sozinho”.

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A árvore da vida/3 - E Deus viu: não é bom que o Adam esteja sozinho

por Luigino Bruni

publicado em Avvenire  em 02/03/2014

Logo Albero della vitaA morte, quando chegar, terá os teus olhos” (Cesare Pavese)

Não é bom que Adam esteja sozinho”. A criação fica completa quando aquela ‘coisa muito bela e muito boa’ – o Adamse manifesta como realidade plural, quando se torna pessoa. É apaixonante e riquíssimo o ritmo do segundo capítulo do Génesis, desde Adam (o ser humano) até ao homem e mulher.

Inicialmente, Adam é colocado no jardim do Éden, cuida dele e cultiva-o: trabalha, portanto. Há duas árvores com nome: ‘a árvore da vida’ e ‘a árvore do conhecimento do bem e do mal’.

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De igual para igual: é assim desde o princípio

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A árvore da vida/2 - As "imprudências" que nos salvam de Caim

por Luigino Bruni

publicado em Avvenire em 23/02/2014

Logo Albero della vita“Confrontei as suas antigas palavras e as minhas velhas perguntas com os acontecimentos da história, da cultura, da tradição. Isto é, usei a minha fé hebraico-cristã como chave de leitura; e mais convencido fiquei de que ela é hoje a única chave possível." (Sergio Quinzio).

No princípio não estava Caim. Existia algo de ‘bom e belo’ que no sexto dia, com o Adam, se tornou ‘muito bom e belo’ (Gén. 1,31). Era a bênção que pairava sobre o mundo criado. O início, o bereshit, o princípio da terra, dos seres vivos e dos humanos é bondade e beleza; mostra qual é a vocação mais profunda e verdadeira da terra, dos seres vivos, do homem e da mulher.

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E mostra-nos também que a terra é viva porque está dentro de uma relação de amor e reciprocidade; que são vivas também as montanhas, as pedras, os rios. De contrário, os outros seres, que dizemos vivos, estariam circundados pela morte; e a pouca vida existente haveria de ser muito triste (como, aliás, deve parecer a quem já não sabe ver esta vida). O primeiro capítulo do Génesis é todo ele um sublime hino à vida e à criação que tem por cume o Adam, o ser humano. E todas as criaturas são boas, muito boas, belas e abençoadas porque queridas com amor transbordante.

No entanto, a realidade histórica da humanidade de então (VI-V séc. a.C.) – como a de hoje – era um espetáculo de lutas, homicídios e morte. Este texto tem então uma primeira grandeza que me parece espantosa: a primeira palavra não é dada às relações humanas que os escritores sagrados podiam quotidianamente observar; pelo contrário – graças à força e inspiração dos autores – a primeira palavra é dada à harmonia, à bondade, à beleza, às bênçãos das criaturas e da mais bela e boa de entre elas: o Adam. Esta positividade antropológica (e ontológica) não a encontramos nas narrações da criação do próximo oriente ou da Índia, contemporâneos ou anteriores ao Génesis, nas quais o mundo nascia de violências, lutas entre deuses, de decadências e degenerações. Pelo contrário, a primeira palavra sobre o homem do humanismo bíblico é bondade-beleza (tov). O mal pode ser tremendo e louco, mas o bem é mais profundo e forte que qualquer mal, por maior e mais devastador que ele seja.

Muitos destes primeiros trechos do Génesis foram escritos durante o exílio na Babilónia ou quando era ainda muito viva e dolorosa a memória do mesmo. Os exílios só podem ter fim quando houver fé e esperança de que o bem é maior e mais profundo que os males do presente.

Nessa realidade boa e bela do princípio estavam já Caim e Lameque, os irmãos que venderam José, os habitantes de Sodoma, o vitelo de ouro, os habitantes de Gibeá, da tribo de Benjamim. Mas também nós lá estávamos, com os campos de concentração, as ‘foibe’ (1), os gulags, os milhares de matanças de inocentes, os traficantes de pobres e do jogo de fortuna e azar, as guerras religiosas, o 11 de Setembro, os jovens mortos em Kiev e todos os males e extermínios que estão a acontecer agora e que, com grande probabilidade, faremos acontecer no futuro. Mas antes, antes de tudo, havia aquela coisa muito bela e muito boa, “pouco inferior aos anjos” (Salmo 8): uma bênção dita para sempre e que todos os nossos pecados não conseguem eliminar. Esta coisa muito bela e muito boa fica doente e degenera, mas nenhuma doença da alma e do corpo tem força suficiente para anular a beleza e a bondade primordiais. São precisas muita dor e muita ágape para continuar a crer neste bereshit; mas esta fé tenaz e teimosa é o único modo para nos salvarmos dessas doenças, para não sucumbirmos perante o cinismo e o niilismo, ameaças sempre presentes nas civilizações, sobretudo nos tempos de crises e de exílios.

A vida não morrerá, não se apagará dentro de nós, enquanto não esquecermos que antes de Caim existe Adam, tendo embora que olhar a história na perspetiva de Caim e dos seus filhos. E se (Adam) existe antes, poderá existir também depois, porque a escuridão do oitavo dia não consegue escurecer a luz da aurora do sexto dia; é esta a principal mensagem e o grande ato de amor que brota do Génesis e da Aliança. A esperança que não é vã consiste inteiramente em nunca se deixar convencer que o primeiro capítulo do Génesis não passa de mito consolatório, paraíso perdido para sempre, fumo teológico para os olhos dos povos, fábulas para adormecer meninos à noite, a primeira novela da história.

Acreditar nesta primeira palavra sobre o mundo e sobre o homem significa não acreditar na multidão dos cínicos, nos muitos amigos de Job que querem convencer-nos de que a primeira e última palavra sobre o homem é a de Caim. Sobre este pessimismo antropológico radical fundámos contratos sociais e Leviatãs, direito penal e tribunais, impostos, taxas e respetiva cobrança, bancos, o fundo monetário, a eutanásia para crianças.

Pelo contrário, uma economia baseada no primado de Adão sobre Caim e Lameque teria por fundamento a ética das virtudes, cuja raiz verdadeira está no primado do bem sobre o mal e não se deixaria colonizar pelo utilitarismo vulgar que hoje a manipula. Consideraria os trabalhadores como pessoas antes de mais capazes de bem e de beleza; e idearia as organizações para permitirem o crescimento de dons e beleza e não apenas do cinismo e do oportunismo produzidos por visões e teorias que mais não fazem que multiplicar os filhos de Caim. Seriam utilizados mais prémios (os instrumentos motivacionais do Adam) e menos incentivos (que resultam da antropologia de Caim). O homem real é um misto de Caim e de Adão, mas o humanismo bíblico diz-nos que primeiro está Adão. Se a primeira e a última palavra sobre nós fosse a de Caim, nenhum perdão e nenhum recomeço seriam autênticos.

Quem levar a sério aquela primeira palavra sobre o humano – ou quem a receber como dom – terá olhos novos da alma para olhar à sua volta. Verá que o mundo está repleto de coisas belas e boas: quando admira o pôr-do-sol, as estrelas e as montanhas cobertas de neve; mas coisas muito boas e muito belas descobre-as nos colegas, nos vizinhos, no idoso que morre, no doente terminal, em tanta gente deformada por excesso de miséria ou por excesso de riqueza, na avó que volta a ser menina e a brincar com bonecas, em Dimitri que tresanda a vinho, no metro, em Lucia que não acorda do coma; Caim continua a ferir-nos. Não há floresta amazónica ou cume de montanha alpina que cheguem à beleza-bondade de Maria, sem-abrigo da estação ferroviária de Termini.

Bastam poucos destes ‘olhares’ para nos fazer ressuscitar cada manhã, para nos fazer sair de qualquer crise. Se ainda estamos vivos é porque houve e continua a haver olhares assim; a nossa cidade não foi ‘destruída’ porque nela existiu pelo menos um destes olhares. Olhares que se dirigiram também a nós, talvez, sem que nos déssemos conta; a começar pelo primeiro olhar de mulher que nos acolheu quando chegámos ao mundo. Os carismas são sobretudo o dom ao mundo destes olhares diferentes que, pousando sobre nós e pronunciando o nosso nome, fazem com que nos tornemos naquilo que verdadeiramente somos já. Com a sua presença salvam Adão da mão homicida de Caim.

Estes olhares maiêuticos existiram e existem também nas empresas e nos mercados. Muitas vezes me cruzei com eles: num empresário que voltou a dar a sua confiança a um trabalhador, depois de grave deslealdade; num trabalhador que perdoou a um colega que o tinha enganado; num abraço entre sócios, após anos de profundas feridas recíprocas. Tais olhares existem mesmo em tempo de exílio e de crise, quando estas atitudes de imprudência custam e valem muito. São olhares agapicamente imprudentes, mas nunca ingénuos; sempre verdadeiros e salvíficos, fazem milagres quando se cruzam com outros olhares, de olhos iguais. “E viu que tudo era muito bom e muito belo”.

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(1) NdT -  ou dolinas, depressões naturais que serviram de valas comuns para os civis massacrados em massa pelos nazis/nazistas em Itália.

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A árvore da vida/2 - As "imprudências" que nos salvam de Caim

por Luigino Bruni

publicado em Avvenire em 23/02/2014

Logo Albero della vita“Confrontei as suas antigas palavras e as minhas velhas perguntas com os acontecimentos da história, da cultura, da tradição. Isto é, usei a minha fé hebraico-cristã como chave de leitura; e mais convencido fiquei de que ela é hoje a única chave possível." (Sergio Quinzio).

No princípio não estava Caim. Existia algo de ‘bom e belo’ que no sexto dia, com o Adam, se tornou ‘muito bom e belo’ (Gén. 1,31). Era a bênção que pairava sobre o mundo criado. O início, o bereshit, o princípio da terra, dos seres vivos e dos humanos é bondade e beleza; mostra qual é a vocação mais profunda e verdadeira da terra, dos seres vivos, do homem e da mulher.

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Olhares em tempo de exílio

A árvore da vida/2 - As "imprudências" que nos salvam de Caim por Luigino Bruni publicado em Avvenire em 23/02/2014 “Confrontei as suas antigas palavras e as minhas velhas perguntas com os acontecimentos da história, da cultura, da tradição. Isto é, usei a minha fé hebraico-cristã como cha...
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Introdução - A árvore da vida/1

por Luigino Bruni

publicado em Avvenire em 16/02/2014

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Ouvistes falar daquele louco que à clara luz da manhã acendeu uma lanterna, correu ao mercado e pôs-se a gritar incessantemente: ‘Procuro Deus! Procuro Deus!’. E visto que precisamente lá se encontravam reunidos muitos dos que não acreditavam em Deus, suscitou grandes risadas” (F. Nietzsche, Assim falava Zaratustra ou Zoroastro).

Há períodos da história em que os povos se dão conta de que as coisas antigas já passaram, que um certo ‘mundo’ está acabando e o desejo de coisas novas é muito forte. O tempo que vivemos é um desses momentos. É, certamente, o que se passa com a Europa, ao atravessar uma grande noite cultural que, mais cedo ou mais tarde, irá passar, mas sem sabermos ainda com que custos e desfecho.

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É preciso iniciar uma ‘viagem ao final da noite’, mas que só poderá começar se tivermos a esperança coletiva de que esta noite acabará por desembocar numa aurora. Solidões, tristeza, indiferença recíproca, insensibilidade para com os pobres, não podem ser as últimas palavras da humanidade ou desta geração. Não o queremos e não podemos aceitá-lo.

Pôr-se a caminho significa, então, não esperar passivamente o novo dia, mas dirigir-se para oriente, indo ao encontro do sol que nasce antecipando assim a sua vinda. Caminhar significa trabalho, inclusive cultural e de pensamento; um trabalho doloroso porque vai na direção contrária à onda do ‘pensamento’ daqueles que fazem parte da clientela de quem tira lautos lucros e rendimentos cada vez maiores das solidões, tristezas e indiferenças de hoje. Este capitalismo tem que passar porque na sua última versão já não conseguiu – e nós com ele – orientar as mais fortes aspirações dos seres humanos para os bens (coisas boas), contentando-se com mercadorias. Mas retirando do horizonte tudo aquilo que não está à venda, também os desejos se rebaixam ao nível das mercadorias, acabando assim por desejar apenas o que se encontra no espaço dos mercados.

Falar de Europa e Ocidente é falar de humanismo hebraico-cristão, nas suas várias declinações, rebentos, contaminações, doenças e reações mas, principalmente, nos seus copiosos e extraordinários frutos de civilização. Este humanismo tem códigos de fundação bem determinados. Um deles, o mais profundo e fecundo, é o grande código bíblico: do Génesis ao Apocalipse, forneceu-nos ao longo de milénios as palavras para dizer política e amor, morte e economia, esperança e desventura. Numa época em que as palavras estão cansadas, já não dizem nada porque ‘gastas’ e reduzidas a ‘sopro de vento’ (Qohélet), é necessário pôr-se à procura de Palavras maiores e mais antigas de que nós e da nossa idade. Algumas destas palavras de vida podem encontrar-se na literatura, na poesia, na arte e mesmo nos grandes mitos e nas narrativas populares que nos salvaram (e continuam a salvar-nos) em guerras e muitas carestias.

Mas existem outras Palavras, histórias e narrativas maiores e mais profundas: as palavras bíblicas que alimentaram e inspiraram a nossa civilização; que centenas de gerações releram e reviveram; que se instilaram nas nossas mais belas obras de arte, nos sonhos de crianças e de adultos; que nos deram esperança em tanto exílio e escravidão por que passamos e estamos a passar. Não há histórias de libertação maiores que as do Êxodo; feridas mais férteis que a de Jacob/Jacó, benção mais deseperada que a de Isaac, risada mais séria que a de Sara, contrato mais injusto que o de Esaú, obediência mais salvífica que a de Noé, pecado mais torpe que o de David/Davi contra Urias, o itita, desventura mais radical que a de Job/Jó, pranto mais fraterno que o de José, paradoxo maior que o de Abraão no monte Moria, grito de parto mais lacerante que o da cruz, desobediência mais amante da vida que a das amas do Egito. E se existirem digam-me: até hoje, nunca os encontrei. Muitos são os motivos que fazem estas narrativas e contos ‘maiores’. Um deles é a sua radical ambivalência que, acolhida e entendida, permite evitar dicotomias que sempre estão na raiz de todas as ideologias. Por exemplo, as histórias dizem que a fraternidade-irmandade confina sempre com o fratricídio; são as duas vias que se apresentam nos caminhos da história de pessoas e povos. A bíblia convida a nos situarmos nos lugares onde estas duas estradas se cruzam; e a tomar consciência de que ambas são sempre possíveis; e de que a nossa responsabilidade está em conseguir que as razões da fraternidade prevaleçam sobre as do fratricídio.

Todas as grandes narrativas são antes de tudo um dom gratuito de palavras que nos faltam, palavras-doadas para rezar, pensar, ouvir e amar. À falta de histórias e palavras grandes, pedimos à tagarelice e à novela palavras emprestadas e com tais tijolos pequenos só podemos construir casinhas, casebres à espera de quitação. Mas com os tijolos da escravidão do Egito podem antes construir-se caminhos de libertação. A Bíblia inspirou sempre muito a literatura, muitíssimo a arte, por vezes até o direito e a política. Mas não a economia moderna que, salvo raras exceções (Genovesi, Wicksteed, Viner e poucos mais), não quis deixar-se inspirar pelo Livro dos livros. A vida econômica esteve durante séculos e séculos ‘sob tutela’ dos textos sagrados (sobre o crédito, os juros…) e, logo que atingiu a maioridade, quis fugir, à procura da liberdade. Mas, passados alguns séculos, hoje é possível – e, creio, necessário – um novo diálogo na liberdade e na reciprocidade. A Palavra bíblica tem muitas palavras de vida a dizer à economia e, portanto, à nossa vida. E pode nos dizer coisas que não disse ainda, porque há já muito tempo ninguém lhe pede que fale, que nos fale. Mas se é verdade que a leitura da Bíblia pode enriquecer a economia, é verdade também que novas questões ‘econômicas’ podem levar aqueles textos a dizer coisas que até hoje não disseram. A história da humanidade foi sempre um diálogo entre novas questões e novas respostas; se, por um lado, a Palavra promoveu o progresso do (que é) humano, por outro e em diferente plano, também a história dos homens permitiu compreender significados sempre novos das escrituras (nisto reside também a enorme dignidade da história). Se a Bíblia falar de novo nas praças, empresas, mercados, grande vantagem virá para estes espaços da humanidade; e ficará mais rico o texto bíblico, também, pois poderá oferecer respostas que não tinha ainda dado, por falta de perguntas. Sem o nutrimento de praças e mercados, sem o humus do quotidiano e sem o cansaço do esforço, o grande Livro não se torna também a árvore da vida.

Com estas premissas e com forte sentido de responsabilidade intelectual, ética e civil, iniciarei, no próximo domingo – não sem tremor, mas com grande entusiasmo – um comentário a alguns livros da Bíblia. O primeiro vai ser o livro do Gênesis; rico como é, vai obrigar-nos a ficar diversas semanas com as suas extraordinárias ‘histórias’. Fazendo-lhe perguntas, vou tentar que ele diga também palavras econômicas e civis contemporâneas daqueles antigos textos; mas as perguntas mais interessantes e hoje necessárias serão as que os textos nos farão. Boa parte do desafio estará em não querer atualizar aquelas páginas antigas, mas em tornarmo-nos nós contemporâneos delas. Vamos lê-las juntos com milênios de história, na companhia de muitos, crentes e não-crentes, que dialogaram com a Bíblia e que, enriquecendo-a, tornaram mais rico o mundo. A Paixão de Mateus é mais luminosa depois de Bach; Jacob/Jacó é melhor depois de Rembrandt; José é mais belo depois de Thomas Mann. Se não fosse assim, a história seria um inútil pano de fundo para representação teatral de um roteiro escrito de antemão; e aqueles longínquos livros não estariam ainda vivos.

Se quisermos salvar-nos, precisamos de imitar as amas do Egito: não obedecer às ordens homicidas dos novos faraós e salvar as crianças. E então teremos ainda uma terra.


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Introdução - A árvore da vida/1

por Luigino Bruni

publicado em Avvenire em 16/02/2014

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Ouvistes falar daquele louco que à clara luz da manhã acendeu uma lanterna, correu ao mercado e pôs-se a gritar incessantemente: ‘Procuro Deus! Procuro Deus!’. E visto que precisamente lá se encontravam reunidos muitos dos que não acreditavam em Deus, suscitou grandes risadas” (F. Nietzsche, Assim falava Zaratustra ou Zoroastro).

Há períodos da história em que os povos se dão conta de que as coisas antigas já passaram, que um certo ‘mundo’ está acabando e o desejo de coisas novas é muito forte. O tempo que vivemos é um desses momentos. É, certamente, o que se passa com a Europa, ao atravessar uma grande noite cultural que, mais cedo ou mais tarde, irá passar, mas sem sabermos ainda com que custos e desfecho.

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Viagem ao final da noite

Introdução - A árvore da vida/1 por Luigino Bruni publicado em Avvenire em 16/02/2014 “Ouvistes falar daquele louco que à clara luz da manhã acendeu uma lanterna, correu ao mercado e pôs-se a gritar incessantemente: ‘Procuro Deus! Procuro Deus!’. E visto que precisamente lá se encontravam...