Não por dieta. Por humanidade

Não por dieta. Por humanidade

Comentários - A velha ideia de bem-estar e a nova realidade

por Luigino Bruni 

publicado em Avvenire dia 28/07/2013 

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Porque cada vez mais as pessoas correm em parques, a pedalam pelas estradas, fazem ginástica dançando alegremente em grupo, na praia? Por diversas boas razões, mas certo é que o nosso corpo não entendeu ainda que o mundo mudou – pelo menos em muitos lugares da terra – e continua a apresentar-nos como agradáveis os alimentos gordos e calóricos e, como menos atrativos, os alimentos magros e as saladas. E facilmente se compreende isso, se pensarmos que durante uma centena de milhares de anos (para nos limitarmos ao jovem homo sapiens) vivemos num ambiente pobre de calorias, essenciais para caçar, aquecer-se, fugir dos predadores, sobreviver.

Os tempos de mudança do organismo humano são muito mais longos que as transformações sociais e culturais. E assim, se hoje quisermos viver bem, precisamos corrigir os sinais naturais do corpo com atividades que consumam as calorias que ingerimos em excesso, alterando artificialmente hábitos alimentares, submetendo-nos a dietas de anos e anos que absorvem já muitos recursos individuais e sociais.

Também o nosso corpo econômico-social come e bebe coisas demais que lhe fazem mal, muitas gorduras e açúcares e pouquíssimas verduras, mas não começou ainda a correr nem a fazer dieta. Os nossos pais e avós foram os últimos herdeiros de um mundo caracterizado pela escassez absoluta, no qual era constante a ameaça de carestias e fome. Por isso, quando naquela cultura se representava o bem-estar, os seus símbolos eram a abundância, a gordura e, sobretudo a maior quantidade de coisas, em número e tamanho, para uso pessoal (casa, automóvel...) e para as comunidades (desde os sinos aos arranha-céus).

A arte, até mesmo a arte sacra, representava as pessoas ricas ou santas com excesso de peso. As canções, a religião, o trabalho, os mitos eram expressão de um "já" de escassez e de um "ainda não" de abundância, e a ética era necessariamente toda construída na base do dar-se por satisfeito e do valorizar o pouco que havia. Naquela cultura não se fazia festa sem excesso de comida e vestuário, sem desperdício e ostentação. Celebrava-se desse modo o onde se queria chegar, alimentavam-se sonhos de bem-estar dos pobres que, pelo menos nos dias da festa, se sentiam (quase) como os ricos. E esses sonhos empurraram o mundo para a frente, porque eram verdadeiros e poderosos. Se não soubermos escutar o eco dessa cultura, não compreenderemos, por exemplo, as neuroses que temos face aos alimentos, ou porque continuamos a acumular coisas e roupas nos armários (alguém estimou que numa habitação média podem existir mais de 30.000 objetos). No entanto, esta cultura não associava apenas o bem-estar à abundância; ligava-o também à diminuição de relações sociais, porque muito misturadas com relacionamentos desequilibrados e hierárquicos, principalmente para os pobres e para as mulheres.

Daqui nasce também a cultura do apartamento, que se tornava o sonho do jovem casal finalmente emancipado da família patriarcal povoada de muitos patrões; podia agora construir o seu ninho, apartado, na intimidade da sonhada libertação daqueles vínculos. O desenvolvimento dos mercados foi também visto – e não sem razão – como uma libertação de relações comunitárias constringentes, por vezes sentidas como prisões. «Que mal te fiz eu para que tu me abandonasses? Será que aquele ali trabalha melhor do que eu?», escrevia Luigi Einaudi apresentando o diálogo entre um sapateiro e um vizinho que tinha deixado a sua oficina. (Aulas de política social, 1949). Fomos educados no paradigma do "bom" associado ao "gordo", do bem-estar ligado ao muito, do melhor sinônimo de "mais", do crescimento medido com o possuir maior número de coisas individualmente ou como família. Foi isto que desejamos para os nossos filhos. Hoje o ambiente não suporta mais este humanismo da quantidade; e, por outro lado, aqueles bens relacionais que ontem eram abundantes a ponto de serem percebidos como males – e por vezes eram-no realmente – estão se tornando os bens mais escassos, mais procurados e preciosos.

Muita gente daria fortunas inteiras por um encontro de verdadeira gratuidade (e não raro as desbaratamos até pela gratuidade fingida, tanto a desejamos). Todavia, os códigos simbólicos e comunicativos da política, da economia, da mídia, da publicidade (até da que se dirige a crianças, toda centrada em alimentos e coisas) são ainda os do velho mundo, e nos empurram para o consumo de "coisas" e para auto-produzir solidão. E, como consequência lógica deste relacionamento desequilibrado, não fazemos o suficiente para eliminar o escândalo da nossa época: há gente demais que vive ainda muitíssimo mal e morre de fome. Deveríamos atualizar rapidamente o nosso vocabulário da vida boa, começando pela escola. Não digo que se deixe de estudar Verga, Rabelais ou Dickens, nem que se abandonem as fábulas clássicas ligadas ao mundo da escassez de mercadorias e de alimentos. No entanto, seria necessário acrescentar outras imagens e símbolos a estes grandes "lugares" educativos, que associassem de modo não banal e simplista o bem-estar às relações, ao crescimento em gratuidade e em liberdade. Poderíamos encontrá-los também nos clássicos, mas seria necessário trabalhar mais para inventar outros novos, e não viver de renda também no âmbito educativo e cultural.

Alguma coisa já se vê, mas não basta. São necessárias muito mais histórias sobre a riqueza das relações, que tenham a força daquelas que, em tempos de escassez e de fome, nos faziam sentir o sabor dos petiscos e ver o esplendor dos brilhantes. Precisamos de outras Terras Maravilhosas, capazes de nos fazerem sonhar, desejar. No nosso tempo fala-se muito de relacionamentos, mas ainda não foram escritos novos mitos e grandes narrativas capazes de comover corações e impelir à ação individual e coletiva. E, no entanto, é por demais evidente que a Europa, sobretudo a do Sul, irá reencontrar o seu caminho para o bem-estar e para o bem viver, também econômico, se escrevermos de novo o imaginário coletivo do bem-estar. E também o da alimentação, se é verdade que nada como o comer diz a qualidade das relações em família e em comunidade – o primeiro sinal da pobreza relacional do nosso tempo é a cultura do lanche solitário (da sande em solidão) (vamos ver se na Expo2015 seremos capazes de colocar a relação na centralidade do "nutrir o planeta").

L’Europa può farcela, perché ha una straordinaria storia di successi civili ed economici nati da comunità reali, da territori fertili, da gente che sapendosi incontrare nella diversità ha saputo inventare democrazia e mercati. E se vuole può reinventarli anche oggi. Il portafoglio più importante non è mai stato, né è, quello dei titoli, ma quello dei nostri rapporti, soprattutto durante le crisi. «Un artista non è mai povero», esclamava Babette al termine del suo meraviglioso pranzo. In realtà l’arte di Babette non era soltanto quella culinaria, era anche l’arte delle relazioni. I beni, anche quelli economici, sono importanti, ma diventano benessere solo nella convivialità, quando le merci sono veicolo di incontri, ponti e non muri. Parliamo allora meno dei beni che consumiamo e più di noi, alziamo gli occhi da vivande e oggetti e incrociamo quelli degli altri.

A Europa pode vencer a crise, porque tem uma extraordinária história de sucesso civil e econômico nascido de comunidades reais, de territórios férteis, de gente que soube encontrar-se na diversidade inventar democracia e mercados. E, se quiser, poderá reinventá-los também hoje. A carteira mais importante nunca foi, nem é, a carteira de títulos; mas sim a dos nossos relacionamentos, especialmente durante as crises. «Um artista nunca é pobre», exclamava Babette no final do seu maravilhoso almoço. Na realidade, a arte de Babette não era apenas a culinária, era também a arte das relações. Os bens, incluindo econômicos, são importantes, mas tornam-se bem-estar apenas na convivência, quando as mercadorias são veículo de encontros, pontes e não muros. Vamos falar, então, menos dos bens que consumimos e mais de nós, vamos levantar os olhos do prato e dos objetos e cruzar o olhar dos outros.


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